‘Médicos terão de se preocupar com gestão’
05/01/2017

Principal executivo do hospital Sirio-Libanês fala sobre o impacto da escassez de recursos na saúde
Considerado autoridade em transplantes de fígado, Paulo Chapchap tem 61 anos e ocupa desde fevereiro o cargo de CEO do Hospital Sírio-Libanês. Formado pela Faculdade de Medicina da USP, foi bolsista de investigação e professor assistente visitante do departamento de transplante de fígado da Universidade de Pittisburgh (EUA), é doutor em clínica cirúrgica pela USP e antes de assumir o posto atual foi superintendente de Estratégia Corporativa do hospital. Pelo lado administrativo fez o curso de Gestão Avançada da Fundação Dom Cabral junto com o Ensead. O “Sírio” é considerado referência no tratamento do câncer, tem 6 mil funcionários, são três unidades e mais um instituto de ensino que no ano passado teve 16 mil profissionais da saúde como alunos.

Migração

Isso (médico e CEO) é mais comum nos Estados Unidos, nos grandes hospitais, que também são centro de ensino e de pesquisa. O que não é tão comum, talvez, é o médico, ao ocupar essa posição, continuar com a sua atividade médica como eu. Mas tenho conseguido, graças a uma equipe muito boa de executivos, manter as duas atividades.

No Conselho

Eu fui do conselho de administração. Nos reuníamos todas as quintas-feiras durante a manhã, e acompanhávamos a gestão muito de perto. Esse conselho tem representantes da mantenedora, quatro médicos, eu era um deles, e quatro empresários. Eu convivi com esse pessoal semanalmente durante três anos e foi aí que o conselho resolveu me oferecer a posição de superintendente de estratégia corporativa. Eu fiz isso durante mais de oito anos e durante esse período também havia o superintendente corporativo, em posição hierárquica semelhante à minha. E, então, penso que o conselho considerou que estava pronto para fazer uma mudança de estrutura com reporte único, e não mais duplo, e me pediram para ser essa pessoa.

Equipes

Como temos de montar equipes de transplante de fígado, de gestão dessas equipes, que devem ser de alta performance, temos de controlar muito cada etapa do procedimento, logística etc. Eu acho que esse trabalho também me estimulou a desenvolver algumas ferramentas da gestão ao longo da minha vida assistencial. Eu acho que isso também contribuiu para minha formação em gestão.

Velha figura

É lógico que no início de minhas atividades executivas não era a minha zona de conforto. Mas ao longo do tempo, com três anos de conselho de administração, oito anos de superintendente de estratégia corporativa, a gestão passou a ser uma área em que tenho familiaridade para planejar, projetar o que queremos no fim de cada ciclo de curto, médio e longo prazo. E sou acompanhado nas atividades, como disse, por um corpo de executivos muito sólido, e por um conselho de administração muito atuante. Aquela velha figura de que o CEO é um semideus, que dominava tudo, era o macho alfa da instituição, não existe mais.

Convivência

Em fazendo um transplante de fígado, que é a minha principal atividade médica hoje, eu acabo convivendo com o centro cirúrgico, com as unidades de terapia intensiva, usando sempre o diagnóstico, o laboratório. E, assim, acabo fazendo, num certo sentido, um acompanhamento do que é mais importante no hospital: qualidade e segurança para o paciente. Não se perde a sensibilidade para as necessidades do paciente em todos os setores do hospital. Eu acho que tem funcionado bem. Mas é preciso ter uma equipe de executivos muito potente, porque obviamente eu não sou um especialista da gestão.

Sustentabilidade e inclusão

Na cadeira de CEO, a visão é a do conjunto, das finanças, da estratégia, é a de onde devemos investir, para onde devemos progredir, perceber que a inovação é fundamental para a sustentabilidade do setor. Sem inovação e transformação não se consegue ser includente, e o acesso à saúde está cada vez mais difícil para as camadas menos favorecidas. Com a progressão da incorporação das tecnologias mais caras, na verdade estamos (o setor médico) aumentando a exclusão. Estamos fazendo uma medicina de qualidade cada vez melhor, espetacularmente melhor, mas de difícil acesso para a maior parte da população. Então, essa visão, que um médico tem de ter, também enriquece o meu trabalho como CEO.

Receita

A nossa receita vem principalmente da assistência (atendimento médico), é muito dominante, mas também vem do ensino e também deveremos ter receita de pesquisas.
Conciliando as atividades. Minha principal atividade médica é transplante de fígado, e como eu faço com doador vivo, eu posso agendar o transplante. Então, eu agendo um transplante para toda quarta-feira. E isso está no meu contrato, que às quartas-feiras eu me dedico a assuntos cirúrgicos. Outras cirurgias, como pediátricas, cirurgia de fígado, eu faço muito cedo pela manhã. Isso quando ela é curta, começando às 7h e terminando às 8h30/9h. Se for mais longa, faço aos sábados de manhã. Desta maneira, eu consigo ficar na gestão nos outros dias.
Gestão e futuro

Eu tenho de dizer que os médicos das gerações futuras têm de ter mais preocupação com a gestão, porque os recursos serão escassos para que haja uma cobertura melhor de toda a sociedade nos vários lugares do mundo. Então, a consciência do custo das coisas, da eficiência, de não haver retrabalho, de não ter a hiperutilização de recursos sem que isso traga um benefício real para o paciente, em termos de sobrevida e de diminuir o sofrimento, de melhoria da qualidade de vida. Essa consciência da boa utilização dos recursos é fundamental.

Propósito maior

Além da preocupação em gestão, acho que jovem médico deve procurar uma atividade cujo propósito maior tenha a ver com o que ele se propõe a fazer a vida toda. Se conseguir, como eu tive a felicidade de estar numa instituição em que há uma unidade de valores e de missão, com a que eu me propus a ter quando eu fiz medicina, faz com que se consiga compatibilizar sua vida pessoal com a profissional. Basicamente, isso vai trazer grande satisfação pessoal e permite se dedicar a sua atividade profissional, porque ela é mais do que a fonte de recursos, é também a fonte de satisfação. E tendo os recursos e a satisfação você consegue ter uma vida mais harmoniosa.

Fonte: Abramge




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