Observamos nos últimos 20 anos uma revolução no tratamento das doenças do sangue. Novos medicamentos aumentam a sobrevida de nossos pacientes, curam doenças antes incuráveis, postergam as recidivas, transformam enfermidades fatais em moléstias crônicas.
Duas drogas inauguraram esta nova era: o Mesilato de Imatinibe e o Rituximabe. O Imatinibe revolucionou o tratamento da leucemia mieloide crônica; já temos inúmeros pacientes com mais de 17 anos de tratamento que não apresentam sinais de doença. Hoje, com outras drogas cumprindo essa mesma função, o Imatinibe perdeu sua patente e passou a ser produzido por diversos laboratórios.
O Rituximabe modificou de forma significativa as taxas de resposta e sobrevida das doenças linfoides quando acrescentado aos regimes quimioterápicos existentes. Infelizmente, seu acesso demorou a se universalizar no Brasil -para algumas doenças, como a leucemia linfocítica crônica, ainda não foi aprovado para uso no SUS.
Isso prova que, dependendo de sua classe social e de sua possibilidade de acesso a um bom plano de saúde, você pode ou não desfrutar de uma maior chance de resposta adequada ao tratamento. Um contrassenso em um país cuja Constituição garante o direito à saúde a todos os cidadãos.
Algumas medicações comprovadamente úteis e disponíveis em todo o mundo há mais de dez anos não foram aprovadas ainda para uso no Brasil -por exemplo, a Lenalidomida para mieloma múltiplo e a Bendamustina para doenças linfóides.
Outras já foram aprovadas no país, mas só devem ser disponibilizadas pelos planos de saúde em 2018. O acesso a curto prazo pelo SUS é inimaginável.
Todas essas drogas possuem um alto custo de produção. Como sabemos que dificilmente um paciente poderia gastar ao menos US$ 100 mil ao ano com esses medicamentos e os sistemas de saúde pública ou privada teriam sérias dificuldades para financiar essas compras, surge a necessidade de equacionar essa questão.
Lançamos aqui uma proposta. Está na hora de todos os envolvidos nesta questão montarem uma agenda positiva e um planejamento de acesso a esses tratamentos.
Drogas caras e procedimentos complexos somente deveriam ser utilizados em centros de referência públicos ou privados. Na prática diária observamos um desperdício enorme de recursos, indicações inadequadas e tratamentos caríssimos em pacientes que poderiam se beneficiar de terapias mais simples.
Listas de medicamentos e procedimentos realmente úteis devem ser produzidas por comissões de alto nível.
A adequação de preços e o uso racional desse maravilhoso arsenal seriam buscados por meio de reuniões entre todos os personagens envolvidos -representantes da indústria farmacêutica, sociedades médicas, associações de pacientes, planos de saúde e governo. A imprensa garantiria a ampla divulgação desse debate.
Em uma época em que se discute a judicialização da medicina, seus excessos e custos, caberia caminharmos para uma solução que garanta ao cidadão brasileiro o acesso a tratamentos adequados em processo justo e transparente dentro dos custos possíveis.
Como dizia Albert Einstein: "se os fatos não se encaixam na teoria, modifique os fatos".
Autores: BELINDA PINTO SIMÕES, CLAUDIO DE CASTRO JR., NELSON HAMERSCHLAK
Folha de São Paulo
13/12/2016