Lei anticorrupção dos EUA pode custar caro
Joe Palazzolo | The Wall Street Journal
08/10/2012

 

Denúncias de suborno de funcionários estrangeiros já custaram às empresas Avon Products Inc., Weatherford International Ltd. e Wal-Mart Stores Inc. quase meio bilhão de dólares. E essas firmas nem foram formalmente acusadas.

Em uma prática generalizada, multinacionais muitas vezes gastam milhões de dólares em investigações internas, buscando possíveis violações da Lei Contra Práticas de Corrupção no Exterior, em vigor nos Estados Unidos desde 1977, para em seguida entregar os resultados ao governo americano, na esperança de conseguir penalidades mais leves, ou mesmo nenhuma. O total de US$ 456 milhões gastos por essas três empresas foi pago, sobretudo, a escritórios de advocacia e outros profissionais contratados para realizar as investigações e fortalecer os controles internos da empresa contra o suborno.

A lei, conhecida pela sigla em inglês FCPA, foi criada após o escândalo de Watergate e tornou-se um grande negócio para os advogados que examinam as atividades de uma empresa, seja em resposta a uma investigação do governo ou da SEC, a autoridade do mercado aberto, ou para evitar uma investigação assim. O resultado é uma mini-indústria de investigadores e advogados especializados em crimes de colarinho branco.

"É um dos poucos negócios muito rentáveis para as firmas de advocacia no momento", disse Dan Binstock, recrutador da Garrison & Sisson Inc., de Washington. Alguns advogados especiaizados na FCPA ganham mais de US$ 1 milhão por ano, e um grupo seleto ganha mais de US$ 2 milhões. "As firmas querem ter os melhores advogados, e estão dispostas a pagar", disse ele.

A FCPA determina que é ilegal oferecer dinheiro ou presentes a autoridades ou funcionários de governos estrangeiros para ganhar uma vantagem comercial. A lei se aplica a qualquer empresa listada em uma bolsa de valores dos EUA ou sediada no país.

Investigações da FCPA já resultaram em acordos do governo com várias empresas. A Siemens AG pagou a maior multa até agora - US$ 800 milhões - por dar milhões de dólares a autoridades estrangeiras a fim de ganhar contratos de obras públicas.

Mais de uma centena de outras empresas estão sob investigação, incluindo a News Corp., que publica o The Wall Street Journal. O Departamento de Justiça, equivalente americano do Ministério da Justiça, solicitou informações à empresa sobre possíveis pagamentos feitos pelos tabloides da empresa no Reino Unido para policiais britânicos, disseram pessoas a par do assunto. Um porta-voz da News Corp. não quis comentar.

O Departamento de Justiça se prepara para divulgar ainda este mês novas orientações sobre como cumprir a FCPA, depois de mais de um ano de lobby feito por empresas americanas.

Os EUA são uma das dezenas de países, incluindo a Rússia e a China, que proíbem o suborno no exterior. Mas os EUA já iniciaram muito mais processos legais do que qualquer outro país. O Departamento de Justiça e a SEC já investigaram empresas em países em desenvolvimento e também no mundo desenvolvido. O governo americano também já fez alianças com agências anti-corrupção de outros países, como o Reino Unido, para acelerar as investigações.

Defensores da FCPA dizem que o processo tem feito com que as empresas apertem o controle sobre suas subsidiárias no exterior, o que traz benefícios de longo prazo para suas atividades e para a integridade do comércio mundial. O custo e o esforço de realizar investigações internas já são, em si, uma punição para as empresas. Em alguns casos, as multas pagas pelas empresas em acordos criminais e civis são muito menores do que suas despesas de investigação.

"Mesmo um gesto inocente de gentileza, como convidar alguém para almoçar ou tomar um coquetel, tem que ser visto sob o microscópio da lei federal", disse Kevin O'Connor, consultor de Nova York que trabalha com empresas no combate à corrupção.

O caso da Siemens, conglomerado alemão com mais de 400.000 funcionários e operações em 191 países, oferece um bom exemplo de como os custos podem se acumular depressa. Em 2008, a empresa reconheceu ter pago milhões de dólares a funcionários públicos estrangeiros na Argentina, Bangladesh e outros países.

A Siemens contratou mais de 300 advogados, auditores e pessoal de apoio do escritório de advocacia Debevoise & Plimpton LLP e da firma de contabilidade Deloitte LLP, para fazer uma investigação interna de dois anos, segundo documentos do acordo.

A empresa estima que essas firmas acumularam 1,5 milhão de horas faturáveis. A investigação abrangeu 34 países e incluiu 1.750 entrevistas. Dos cerca de 100 milhões de documentos juntados na investigação, a Siemens apresentou cerca de 24.000 documentos ao Departamento de Justiça. Só o exame dos documentos custou à empresa US$ 100 milhões.

Autoridades dizem que as investigações internas são necessárias para policiar um mercado muito grande.

"Temos necessidade absoluta de que as empresas, por meio de suas firmas contratadas, nos forneçam suas investigações", disse Lanny Breuer, diretor da Divisão Criminal do Departamento de Justiça. Promotores testam as informações que recebem das empresas e realizam investigações paralelas. "Não confiamos simplesmente no que as empresas nos dão", disse ele.

Breuer disse que o Departamento de Justiça vem dando especial atenção a atividades em países considerados de alto risco para a corrupção. "Nós não apontamos firmas arbitrariamente", disse ele.

No entanto, já houve empresas que fizeram o cálculo de que é melhor gastar somas enormes em uma investigação interna relativa à FCPA do que serem indiciadas ou levarem um processo a julgamento.

"Quando você tem uma situação assim e há um jovem advogado do Departamento de Justiça [...] lhe dizendo para examinar debaixo de cada pedra, então você faz
isso", diz Amar D. Sarwal, chefe de estratégia legal da Associação dos Assessores Jurídicos de Empresas, grupo do setor de advogados corporativos. O resultado é que escritórios de advocacia criaram departamentos especializados na FCPA, chefiados por ex-promotores e ex-advogados da SEC.

A Avon, que vende produtos de beleza de porta em porta em vários países, está no quinto ano de uma investigação interna para saber se seus funcionários pagaram subornos no exterior e já gastou cerca de US$ 280 milhões em despesas jurídicas, segundo documentos submetidos às autoridades.

A investigação começou na China em 2008, quando um informante disse ao diretor-presidente que executivos da Avon estavam tentando influenciar autoridades chinesas com refeições, presentes e viagens, segundo documentos oficiais.

A empresa contratou o advogado Claudius Sokenu, agora da Arnold & Porter LLP, que logo tratou de preservar documentos eletrônicos e impressos.

Auditores na China vasculharam os sistemas de contabilidade da empresa em busca de provas de suborno, enquanto outra firma contratada copiou discos rígidos e criou um banco de dados pesquisável, disse uma pessoa envolvida na investigação. Advogados entrevistaram funcionários. Tradutores se debruçaram sobre documentos.

A empresa, que divulgou voluntariamente suas investigações ao Departamento de Justiça e à SEC em 2008, repetiu o processo em mais de dez países nos quatro anos seguintes, disse essa pessoa.

Em agosto a empresa informou que tinha começado negociações para entrar num acordo com o governo. Um porta-voz da Avon não quis comentar.

Steven Tyrrell, ex-diretor de fraude criminal do Departamento de Justiça, estimou que uma multinacional gasta, em média, cerca de US$ 2 milhões para investigar suas operações em um dado país, e que a maioria das investigações abrange vários países.

Uma investigação menor, relativa a "uma só questão específica", pode custar cerca de US$ 100.000 a US$ 200.000, disse Paul McNulty, sócio da Baker & McKenzie LLP. Mas as empresas têm de estar preparadas para garantir ao governo que um problema encontrado em um país não existe em outros.

A empresa de serviços petrolíferos Weatherford International gastou mais de US$ 125 milhões em uma investigação de seis anos sobre supostas violações de normas de exportação e suborno na Europa, no Iraque e na África Ocidental, segundo documentos oficiais. A empresa suíça e o governo americano estão negociando uma multa há meses, mas suas respectivas propostas diferem em dezenas de milhões de dólares, disse um advogado a par das negociações.

E em menos de um ano, a Wal-Mart gastou US$ 51 milhões em uma investigação de suborno de suas operações no México e outros países, segundo documentos da empresa. A Wal-Mart não quis fazer mais comentários.

Este ano a farmacêutica Pfizer Inc. concordou em pagar US$ 60 milhões para resolver acusações de suborno, admitindo ter subornado médicos, administradores
hospitalares e autoridades reguladoras de vários países para que receitassem determinados medicamentos.

Advogados que fazem investigações relativas à FCPA dizem que o laboratório provavelmente gastou mais que o dobro do valor da multa na sua investigação de sete anos destinada a criar sistemas internos para prevenir a corrupção. A Pfizer não quis comentar.
 

(Colaboraram Christopher M. Matthews, Emily Glazer, Ashby Jones e Shelly Banjo.)

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