Não há carência de conselhos profissionais no Brasil. Quase toda profissão regulamentada ganha um, que passa a ter poderes para disciplinar e fiscalizar as atividades de seus membros —além de cobrar-lhes anuidades.
O resultado dessa política sempre foi o corporativismo, que tende a ser bom para a categoria e lesivo ao público. Nos últimos tempos, ela também desencadeou uma guerra entre corporações na área de saúde, como mostrou reportagem da Folha na terça-feira (15).
Um conselho baixa uma norma que permite a farmacêuticos prescrever medicamentos de venda livre (que por definição, aliás, prescindem de prescrição). Aí vem o Conselho Federal de Medicina (CFM) e contesta a medida.
Alegam os médicos que farmacêuticos não têm amparo legal para determiná-la. E a disputa vai parar na Justiça, onde pode permanecer indefinida por longos períodos.
No momento, contenciosos judiciais opõem médicos a farmacêuticos (direito de prescrever) e a biomédicos (direito de laudar exames). Mas os atritos entre os discípulos de Esculápio e todas as outras categorias na área de saúde são constantes e só se agravaram após a aprovação, em 2013, da Lei do Ato Médico, verdadeiro monumento ao corporativismo.
Não há muita dúvida de que os médicos são figura central em qualquer sistema de saúde e devem ter tal posição reconhecida pela lei. Isso não significa, porém, que suas pretensões hegemônicas devam ser sancionadas pela sociedade.
Se todos os diagnósticos e prescrições e a maioria dos procedimentos forem reservados exclusivamente a médicos, como parece desejar o CFM, o resultado será uma necessária proliferação de cursos de medicina. O próprio CFM já se queixa disso.
Como as escolas estarão recrutando alunos com cada vez menos preparo, a qualidade média dos médicos formados, que já não é boa, tenderá a piorar.
Faria mais sentido que algumas tarefas hoje exclusivas de médicos fossem delegadas a outros profissionais, que atuariam sob supervisão e de acordo com protocolos bem estabelecidos em outras partes do mundo, para a garantir a segurança dos pacientes.
A formação do médico é extremamente cara. São seis anos de graduação em período integral, no mínimo dois de residência e especialização de dois ou três anos.
É ilógico alocar médicos nos quais se investiu tanto para desempenhar tarefas menos complexas, nas quais outros profissionais possam ser treinados sem prejuízo.