Para se entender o quadro é necessário dividi-lo em dois. Os danos decorrentes da crise e os danos ao sistema.
Os primeiros são perdas teoricamente recuperáveis. Os segundos condenam os planos de saúde privados a quebrar.
A crise brasileira gerou mais de 12 milhões de desempregados, podendo chegar a 14 milhões até o fim do ano.
Além disso, autônomos e profissionais liberais, em grande número, viram seus faturamentos caírem. Os grandes mantenedores dos planos de saúde privados são as empresas. Depois delas, vêm os planos coletivos por adesão, justamente os que atendem os profissionais liberais e os autônomos. Com a crise estes dois segmentos foram severamente atingidos. As empresas despediram e, consequentemente, cancelaram os planos de milhões de pessoas e os planos coletivos por adesão tiveram um bom porcentual trocado por planos mais baratos.
Como se não bastasse, a ameaça do desemprego, que ainda ronda milhões de brasileiros, e a queda no faturamento dos profissionais liberais e autônomos geraram a antecipação do uso do plano. Quer dizer, procedimentos que seriam realizados ao longo do tempo, ou que não estavam previstos, foram antecipados para garantir o atendimento pela rede privada antes de uma eventual dispensa ou necessidade de baixar o padrão do plano.
A consequência foi o aumento dos custos das operadoras, com a agravante de, mais para frente, não poderem se recapitalizar porque os planos foram cancelados ou sofreram uma redução de patamar. Este movimento feriu várias operadoras, especialmente aquelas que não têm massa crítica para fazer frente ao aumento dos custos seguido da queda no faturamento. Como a reversão do quadro ainda deve demorar, o risco de várias operadoras não conseguirem se manter é concreto e ameaça milhões de brasileiros, seus segurados.
Mas se o quadro é grave no curto prazo, ele é mais grave ainda no médio prazo. Além das sequelas dramáticas provocadas pela crise, a ação do Governo e a ação do Judiciário ameaçam de forma irreversível a saúde de todas as operadoras de planos de saúde privados atuando no Brasil, independentemente de desenho jurídico, tamanho, capital e reservas. Se não se fizer nada, em algum momento, todo o sistema entrará em colapso.
Para explicar o drama é preciso recorrer à Constituição Federal, que garante atendimento à saúde gratuito para todos os brasileiros, garantido e custeado pelo Governo. Além disso, determina que a atuação do setor privado no campo médico-hospitalar é suplementar, ou seja, não é universal, não substitui o Governo, mas atua em complemento a ele, com limites claros e preço compatível ao serviço oferecido.
O sistema de saúde privado, ao contrário do público, que é custeado com recursos orçamentários, é baseado no mutualismo, ou seja, num fundo composto por todos os participantes, calculado proporcionalmente ao risco de cada um, para fazer frente a determinados procedimentos previamente conhecidos.
Como o SUS está quebrado e não consegue atender a população, o Governo está passando para os planos privados o atendimento de procedimentos não cobertos, por isso sem precificação.
Ou seja, está aumentando as despesas, sem aumentar as receitas.
Como as margens são muito estreitas, isto acabará por comprometer o resultado das operadoras e inviabilizar o sistema.
Por seu lado, o Judiciário tem autorizado praticamente todos os pedidos de atendimento pelas operadoras dos planos de saúde privados, independentemente de estarem cobertos ou não. O argumento é o risco de morte do segurado, que faz com que o juiz não hesite em conceder a liminar.
Como a Lei dos Planos de Saúde é muito ruim, a soma da ação do Governo com as decisões judiciais está atingindo o caixa e a saúde financeira das operadoras. Ou o Brasil rediscute o atendimento à saúde, ou o que está ruim vai ficar muito pior.