Setor de saúde no Brasil caiu no gosto dos investidores
26/09/2016

São Paulo — Em julho, as ONGs europeias eyes for the World e Foundation Beautiful Vision International decidiram realizar um mutirão para fazer testes de visão na população que vive nas zonas rurais de Gana e Ruanda. Como é comum em várias partes da África, metade da população desses países vive no campo, e qualquer assistência médica fica a quilômetros de distância.

Havia, porém, um problema para resolver — a crô­nica falta de médicos, sobretudo dispostos a percorrer o interior africano. A solução foi achar uma tecnologia que dispensasse o oftalmologista. As ­ONGs usaram um equipamento portátil que faz testes básicos de visão para detectar problemas como miopia e astigmatismo e envia os dados pela internet a um oftalmologista, que prescreve o tratamento.

A tecnologia que permite esse tipo de exame foi desenvolvida pela startup EyeNetra, fundada na cidade americana de Boston pelo cientista da computação e empreendedor brasileiro Vitor Pamplona.

Como pode ser operado por enfermeiros ou técnicos — e não apenas por oftalmologistas —, o aparelho da EyeNetra vem sendo comprado por óticas, hospitais, consultórios e médicos sem endereço fixo, além de governos e entidades beneficentes que o usam para fazer exames em massa em áreas remotas.

Desde 2011, quando foi fundada, a EyeNetra já vendeu 2 500 desses equipamentos — que custam cerca de 1 000 dólares cada um — para 57 países. “Para viabilizar o projeto, conversamos com 170 investidores”, diz o catarinense Pamplona, que fundou a empresa quando fazia uma etapa de seu doutorado no ­Massachusetts Institute of Technology (MIT), em parceria com seu orientador, Ramesh Raskar.

Nos últimos quatro anos, a empresa recebeu 7 milhões de dólares, a maior parte do fundo Khosla Ventures. Como Vitor Pamplona, dezenas de empreendedores brasileiros decidiram montar empresas de tecnologia ligadas ao setor de saúde nos últimos dois anos — e foram atrás de investidores para pôr os projetos de pé. A quantidade de empresas desse tipo triplicou em 2015 (existem cerca de 100 no país).

“Um ecossistema está se formando”, diz Manoel Lemos, sócio do fundo Redpoint, que investiu em duas empresas do segmento, a Memed, que criou um software de prescrição de medicamentos, e a Medicinia, de comunicação de pacientes. Quase 40% dos 18,5 bilhões de reais aplicados por fundos de private equity no Brasil em 2015 foram destinados ao setor de saúde.

Parte desse dinheiro foi para grandes companhias — o banco BTG Pactual vendeu por 2,4 bilhões de reais sua participação na rede de hospitais D’Or, na maior transação do ano. Mas o dinheiro também entrou no caixa de pequenas empresas especializadas num único produto ou serviço.

A LinCare, de Belo Horizonte, desenvolveu uma pulseira para idosos que mo­nitora a pressão, os batimentos cardíacos e outros dados biométricos e tem um alarme de queda: se o usuário cair, um alerta é enviado ao celular de familiares.

A paulista Vitta criou uma maquininha de cartão para clínicas e hospitais: os pagamentos são centralizados, mas o dinheiro é dividido de acordo com o trabalho dos médicos e depositado na conta de cada um no fim do mês.

Fundada pelos administradores João Alkmim e Lucas Lacerda com outros cinco sócios, a Vitta acaba de receber um aporte de 3 milhões de dólares de fundos, entre eles o ArpexCapital, que tem os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Teles e Carlos Alberto Sicupira como sócios. O surgimento de startups no setor de saúde é um fenômeno mundial.

Estima-se que haja 7 500 empresas nesse mercado, a maioria delas fundada de 2013 pa­ra cá nos Estados Unidos e na Europa. “É impossível uma organização deter 100% do conhecimento que precisa para avançar em tecnologia e atender bem seu paciente.

Conhecer o que está sendo desenvolvido por outras empresas é uma alternativa interessante”, diz Luiz Fernando Lima Reis, diretor de ensino e pesquisas do Hospital Sírio-Libanês, que, em conjunto com a consultoria Everis, premia startups inovadoras.

O Hospital Albert Einstein também promove concursos para premiar essas empresas — as vencedoras po­dem usar as instalações do hospital para testar seus produtos. Em 2015, o Einstein firmou uma parceria com o la­bo­ratório de testes genéticos Genomika, de Recife, para ampliar sua gama de exames de sequenciamento genético.

Empresas e hospitais estão atrás de novidades mas também de produtos e ser­vi­ços que ajudem a reduzir custos. É es­se o objetivo da paulista DoctorID, que criou um software para organizar a escala de plantões, e da cearense Mais Leitos, que faz a gestão de quartos em hospitais.

Quem quer investir em startups de saúde diz que o principal problema é encontrar empresas estruturadas. “Recebemos muitos projetos ousados. Mas, quando vamos analisar a fundo, descobrimos que as empresas não têm recursos técnicos, profissionais nem mesmo um ambiente adequado para testar os produtos”, diz José Claudio Terra, diretor de inovação do Einstein.

Muitas des­sas empresas faturam menos de 10 milhões de reais e, segundo executivos de mercado, a maioria não dá lucro porque reinveste o que tem em caixa. “As startups com mais chance de sucesso financeiro são as que fazem parcerias com grandes instituições de saúde, entendem a dinâmica do mercado e encontram nichos rentáveis”, diz Rene Parente, diretor da área de saúde da consultoria Accenture.

Outro entrave é a dificuldade de registrar patentes e aprovar produtos de saúde— o equipamento da EyeNetra não é certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, por isso, não pode ser vendido em larga escala no Brasil.

Neste ano foi criado o Comitê Gestor da Estratégia e-Saúde, que reúne técnicos do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Saúde, da Anvisa, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, na tentativa de agilizar a digitalização da saúde.

Não existe inovação capaz de dar ao governo a velocidade de uma startup — se a iniciativa fizer com que Brasília atrapalhe um pouco menos, já será uma vitória e tanto.

Fonte: Exame




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