Para atender as demandas judiciais na área de saúde, o estado de São Paulo desembolsa por ano R$ 1,2 bilhão, valor próximo ao patamar que governo federal projeta gastar neste ano, cerca de R$ 1,6 bilhão. Entre 2010 e 2015, o número de ações judiciais contra o estado aumentou 92%, passando de 9.385 para 18.045. Nesse período, o governo paulista enfrentou 87.996 demandas judiciais. Os dados foram transmitidos pelo secretário de Saúde, David Uip, durante sua participação no 21º Congresso Abramge e 12º Congresso Sinog, realizado nos dias 1º e 2 de setembro, em São Paulo. “Esse gasto é absolutamente impraticável. A secretaria não tem esse dinheiro no orçamento”, disse.
Na avaliação de Uip, em alguns casos a judicialização é pertinente. Mas, em muitos outros beiram a excentricidade, como os processos que exigem do governo o custeio de itens como sabonetes íntimos, achocolatados, filtros barros etc. Ele conta que duas semanas atrás foi “judicializado” a fazer um transplante de coração em um receptor de 95 quilos, em 24 horas. “Como é possível conseguir um doador compatível com o receptor em tão pouco tempo?”. Outra demanda crescente são as cirurgias. Atualmente, existem 2,5 mil indicações de cirurgias cardiovasculares, mas o estado tem competência para atender apenas 1,2 mil.
Uip analisa que uma das causas da judicialização parte da interpretação do conceito estabelecido pela Constituição Federal, que atribui ao Estado o dever de garantir a saúde da população. Porém, segundo ele, esta obrigação está condicionada à disponibilidade financeira. A judicialização também é crescente, a seu ver, por causa do desconhecimento da legislação específica, do que pode ou não ser prescrito pelo SUS, e dos serviços e de suas competências. “O arsenal terapêutico do SUS não é do conhecimento de quem prescreve”, disse.
Não por acaso, os medicamentos figuram na lista das 30 maiores demandas judiciais contra o governo paulista. A secretaria contabiliza, atualmente, 77.309 demandas relacionadas a medicamentos, dos quais 58.853 itens (76%) não constam na lista do SUS. “Isto custa para o estado de São Paulo R$ 114 milhões por mês”, disse. A Rename (Relação Nacional de Medicamentos), segundo Uip, é vista como insuficiente e obsoleta.
Isso explica o porquê, às vezes, prevalece a exigência de marca comercial específica. O secretário analisa que o motivo pode estar na influência da indústria farmacêutica sobre alguns médicos. “Alguns produtos sequer estão autorizados a entrar no país, mas somos obrigados a comprá-los. Além, disso, não necessariamente os novos produtos são melhores que os antigos na relação custo-efetividade”, disse.
Outro dado importante se refere à origem das ações judiciais. Em torno de 70% das receitas dos medicamentos e tratamentos concedidos pela Justiça em São Paulo partem de médicos da rede privada. “São pacientes de renda média ou elevada que podem pagar advogados”, disse. No caso dos hospitais públicos, o secretário tomou uma providência para conter o avanço da judicialização. No final do ano passado, ele editou uma medida que responsabiliza os hospitais do estado pelo custo do medicamento prescrito que não conste na lista do Rename.
Um levantamento da Secretaria de Saúde sobre o custo total de medicamentos para um mês de tratamento, realizado em julho deste ano, revelou que poucos itens concentram a maior parte dos custos. Dentre 2.775 itens demandados judicialmente, 29 itens representavam 70% dos custos para atender apenas 1% da população. Já 2.622 itens representavam 8% dos custos e atenderam 94% da população. “A conta não fecha. São quase 3 mil itens judicializados individualmente, um item por paciente. Como licitar um item entre 3 mil?”, disse.
Uip também destacou a crescente “judicialização de má-fé”, aquela que tem o intuito de gerar dolo, cujo alvo principal são os medicamentos imunobiológicos para tratamentos de câncer e outras doenças autoimunes. Um melanoma, por exemplo, segundo o secretário, é tratado com quatro doses de hormônios biológicos, que custa cada uma R$ 100 mil. Em 2014, uma ação entre a Corregedoria do estado e as secretarias de Segurança e de Justiça deflagrou a operação “Garra Rufa”, prendendo os responsáveis pela fraude na prescrição do medicamento Lomitapida, raríssimo e importado.
Quadrilhas no interior do estado induziam pacientes com colesterol alto a acreditarem que tinham uma síndrome homozigota recessiva e os orientavam a acionar judicialmente o estado por meio de uma Ong. “Estes conseguimos pegar, mas já estamos investigando outros dois medicamentos”, disse.
Uma das providencias do Conselho Nacional de Justiça para conter o avanço da judicialização será a criação de comitês estaduais. Esses colegiados locais serão formados por magistrados de primeiro e segundo graus, gestores da área da saúde e dois integrantes do conselho estadual de saúde. Um representará os usuários do sistema público, enquanto o outro, os do sistema privado. “Uma das atribuições desses comitês é oferecer informações aos juízes e indicadores de atitude rápida para que ele possa decidir com base em conhecimentos objetivos. Este convencimento, obviamente, dependerá da vontade do juiz em aceitar ou não”, disse.