Escrevi recentemente neste espaço sobreRounds Multiprofissionais Estruturados e suas vantagens, mas tenho visto má aplicação no Brasil.
Em uma experiência que observei recentemente, subespecialidade passou a fazer rounds semanais. Dispõe de um embrião de programa de MH com hospitalistas subespecialistas, e possui um coordenador, cuja atuação no grupo envolve procedimentos da especialidade. Este coordenador faz então encontros periódicos onde, em conjunto com enfermeira coordenadora, reúnem equipe de linha de frente e “discutem os casos”.
Esta é uma abordagem que não é nova. Fora de áreas abertas, é bastante empregada na terapia intensiva, em alguns estados brasileiros. Não incomumente, coordenadores cuidam de várias UTI’s e passam todo dia, ou em dias alternados, por cada uma delas. Aplicam estes rounds e outras ações – não são quem de fato toca os pacientes.
Encontros assim podem assumir algumas características, não excludentes. Muitas vezes são para pura fiscalização do trabalho alheio ou imposição de ideias ou estilo de um “cacique”. Mesmo quando possuem um foco mais técnico, numa estrutura de tipo matricial e sob uma gestão participativa, na qual se estabelece troca de saberes, não consigo entender: não sendo residência médica, é muito médico – redundância – para um sistema já sufocado por espiral de custos e desperdícios.
Olha, já perdi a conta de quantos hospitais visitei no exterior, principalmente nos EUA e Canadá. Nunca vi exatamente esta formatação.
Nos programas de MH onde passei, a maioria tinha rounds assistenciais multidisciplinares, todos coordenadores. Os encontros serviam como ferramenta para otimizar o trabalho da equipe, pela própria equipe. Coordenadores eram responsáveis por garantir o bom andamento, por vezes até participavam, por exemplo observando desempenhos ou se um membro do time na?o dominava completamente a discussa?o, gerando um gradiente de autoridade inadequado que comprometesse o alcance da iniciativa.
Há formas distintas e validadas de fiscalizar o trabalho médico alheio. Não confundir rounds assistenciais com Executive Walk Rounds, que refere-se a visitas que membros da alta lideranc?a das organizac?o?es podem fazer ao ambiente dos profissionais da linha de frente. Sa?o a versa?o para a a?rea de sau?de da velha estrate?gia de nego?cios Managing by Walking Around (MBWA). Apesar de o gestor da unidade poder estar presente durante a visita, o resultado mais importante e? a discussão franca entre lideranças acima e o pessoal da ponta sobre problemas da unidade, e um brainstorming de soluc?o?es, com foco em segurança do sistema.
Reuniões clínicas são cenários ideais para questionamento de um plano terapêutico, sob vários olhares e opiniões, todos no mesmo nível.
Periodicidade de 1 semana pode significar muito mais demonstração/demarcação de poder (ou bem que poderia ser um MBWA) do que estratégia que venha a trazer os resultados já publicados internacionalmente a partir de rounds assistenciais, a reforçar:
Nosso Brasil precisa urgentemente abreviar seus tempos de permanência hospitalar, que muitas vezes giram em torno dos intervalos dos rounds que exemplificam esta postagem, compreendem?
É necessário gerar na equipe assistencial uma percepção de que são o meio e o fim no processo assistencial. Não estando aptas para tal, devem ser amparadas, auxiliadas ou capacitadas (isto sim função das coordenações), muito eventualmente profissionais precisam ser substituídos. Duplicidade é desperdício.
No exemplo da subespecialidade com hospitalista, o médico “supervisionado” pelo coordenador é tão bom, na minha opinião, que tempos atrás encaminhei meu próprio pai para uma avaliação clínica com ele. É ele que deveria ser o líder condutor dos rounds multidisciplinares envolvendo pacientes dele! Seria bom para ele, para os pacientes, para o sistema e para a especialidade em que atua: que poderia ser ainda qualquer uma das minhas originais (clínica médica ou medicina intensiva), prova de que o sistema não precisa valorizar mais apenas os médicos generalistas, mas profissionais “chão de fábrica” em geral, elevando médicos e enfermeiros a parceiros táticos.
Em “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, dizem que Jesus não propôs algo dicotômico: a obediência absoluta seria a Deus (Deus é Senhor de tudo o que existe e não há nada que seja de César que não seja, primeiro, dele). Mas transferiu autoridade e respeito. Nós, nos hospitais, precisamos empoderar e provocar os profissionais da ponta, sejam eles intensivistas, emergencistas, hospitalistas ou enfermeiros. Cobrar à altura da responsabilidade. Somente assim, buscando que as iniciativas sejam também de baixo para cima, resultados mais fortes surgirão.
Em paralelo, é assertivo ajudar o pessoal, e não somente fiscalizar e cobrar. Lembro de outra iniciativa em hospital, para agilização de altas, onde os responsáveis, ao detectar supostas condições clínicas para alta hospitalar, literalmente emparedavam os médicos assistentes. Partindo de uma avaliação que demonstrava existir “constipadores”, a comissão mandava notificação a todos exigindo ação. Mas tratava-se de um cenário à semelhança da maioria: cheio de médicos querendo fazer o seu melhor, obstáculos sociais e administrativos, falta de suporte institucional para transposição das barreiras.