Como a gestão pública e a administração de recursos podem aprimorar o atendimento oncológico no Brasil
29/08/2016

Em encontro focado no debate de políticas públicas, e como elas podem ser aprimoradas para gerar acesso a tratamentos oncológicos, a gestão foi o grande foco de evento promovido pelo Grupo Estado, que integra o jornal O Estado de São Paulo, em recente atividade realizada em São Paulo. A atividade reuniu dirigentes da área da saúde como a Coordenadora do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento, médica mastologista Maira Caleffi.

Os debates propiciaram reflexão sobre como a qualidade da assistência oncológica teria um avanço considerável, se a gestão pública colocasse em prática políticas já existentes e utilizassem melhor os recursos disponíveis. Em entrevista ao portal Setor Saúde, Maira Caleffi, destacou que um dos grandes obstáculos para a administração de saúde ser mais eficiente é a escassez de recursos.

“Alguns exemplos da falta de financiamento são a descontinuidade de programas de educação para profissionais de saúde, equipamentos sucateados e fora de funcionamento, casos de hospitais que suspendem a realização de tratamentos oncológicos prescritos pela área médica, como o Centro de Oncologia da cidade de Mossoró (RN), que precisou interromper a quimioterapia de pelo menos 700 pacientes em sua região, o Centro de Pesquisas Oncológicas (SC), referência no tratamento de câncer, onde a falta de repasse de verbas afetou mais de cinco mil atendimentos realizados mensalmente, e o Instituto Oncológico de Nova Iguaçu (RJ), que suspendeu as sessões de quimioterapia devido à ausência de verbas, deixando cerca de 1.200 pacientes sem atendimento, apenas para citar alguns exemplos registrados no primeiro semestre”, alertou Maira. A especialista salienta que a capacidade do sistema público de saúde “ainda está longe do ideal, com quadro insuficiente de médicos treinados, enfermeiros, equipe multiprofissional. Um cenário que reflete a gestão ineficiente do sistema de saúde como um todo”.

No evento em São Paulo, a médica que também é presidente voluntária do Imama-RS e Femama, ressaltou as falhas na aplicação da Portaria 874, de 2013, que instituiu a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do SUS. A norma “é extremamente técnica e atenderia todas as necessidades de um paciente com diagnostico de câncer, se fosse respeitada. Porém existe uma dificuldade grande da rede pública em fazer diagnósticos precoces, iniciar o tratamento rapidamente e fornecer acesso a medicamentos adequados em tempo aceitável nos protocolos médicos de tratamento oncológico. O número de diagnósticos de câncer de mama nos estágios mais iniciais é duas vezes maior na rede privada do que na rede pública e pacientes relatam a demora e a dificuldade enfrentada para obter seus exames. O início do tratamento oncológico em até 60 dias é um direito do paciente previsto por lei, no entanto, nem mesmo o governo consegue informar se esse direito é cumprido, pois o sistema que deveria registrar os atendimentos na rede pública (SISCAN), ainda não está funcionando, apesar da lei estar em vigor desde 2013”.

Dos casos registrados até hoje no sistema com informações de data de início de tratamento (cerca de 27 mil registros em três anos frente aos 596 mil novos casos de câncer esperados anualmente no país), apenas 57% dos pacientes iniciaram a terapia dentro do prazo de 60 dias, de acordo com o Ministro da Saúde Ricardo Barros. No encontro em São Paulo, ele admitiu os problemas na implementação de políticas de prevenção, diagnóstico e tratamento de câncer. “Nosso compromisso tem de ser melhorar a gestão na saúde para gastar bem o que já temos. Existem centenas de serviços e equipamentos prontos, mas que não estão em funcionamento. Enquanto não estivermos gastando bem o que já temos, não tenho moral para pedir mais recursos”, declarou.

A Presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE), Merula Steagall, afirmou no evento do Grupo Estado que boa gestão e planejamento poderiam também ajudar a acelerar os processos de análise de registro e incorporação de novas terapias oncológicas no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Enquanto isso, avança no Congresso Nacional propostas que prevêem a redução de investimentos na saúde pública em nosso país. “A PEC 31/16, permitirá que até 30% de recursos destinados à saúde sejam redirecionados a áreas vistas como prioritárias pelo Governo, como o pagamento de juros da dívida pública até 2023. Já a PEC 241/15 poderá fazer com que a aplicação dos recursos da saúde nos próximos 20 anos se restrinja a, no máximo, o mesmo investimento realizado no ano anterior, corrigido pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), independente do crescimento da arrecadação de impostos, do envelhecimento da população e das demandas por serviços em saúde, proposta similar à do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, também em votação. Com a aprovação dessas medidas, a situação tende a se agravar”, constata a coordenadora do Núcleo Mama Moinhos.

Segundo Maira, a diferença entre o tratamento oferecido pela rede pública e o oferecido pela rede privada para pacientes com câncer de mama metastático é outro problema que tem se agravado. “A incorporação de medicamentos novos no SUS é morosa e burocrática. O SUS não oferece até hoje para essas pacientes um tratamento que mudou a forma de combater o câncer de mama para pacientes com um tipo específico de tumor (her2 positivo). O Trastuzumabe integra a Lista Modelo de Medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS), parâmetro global para a oferta mínima de tratamentos aos pacientes oncológicos”.

Uma reportagem publicada na Folha de São Paulo, datada de 15 de agosto, mostra que se não houver melhora nas políticas públicas, em 2029 a mortalidade pela doença será maior do que por problemas cardiovasculares. Essa conclusão foi apresentada em um estudo feito pelo Observatório de Oncologia, plataforma de análise de dados criada pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer.

O estudo indica que em 2029 a taxa de mortalidade por tumores será de 115 por 100 mil habitantes, enquanto o índice de óbitos por doenças cardiovasculares será de 113 por 100 mil habitantes. Além disso, a estimativa é que o número de mortes por câncer de pulmão aumentará em todas as regiões e os casos de tumores de intestino deverão crescer em ambos os sexos e em todo o País. A mortalidade por câncer de mama deverá se manter estável no Sul e Sudeste, onde o número de mortes por câncer de próstata cairá.

Um outro estudo, publicado no Journal of Global Oncology, mostrou que o acesso aos medicamentos Trastuzumabe e Pertuzumabe no SUS para pacientes com câncer de mama metastático poderia evitar 768 mortes prematuras no período de dois anos. “Enquanto tratamentos permanecem inacessíveis na rede pública, o custo de ações judiciais movidas por pacientes individuais que estão em busca de seus direitos geram uma despesa para o sistema que poderia atender de forma igualitária a muito mais pessoas que necessitam desses mesmos tratamentos”.

A edição de julho do periódico Annals of Oncology demonstrou que a mortalidade por câncer de mama vem diminuindo no mundo, com exceção de algumas regiões, como a América Latina. “No Brasil, de acordo com o INCA e o Datasus, as taxas de mortalidade pela doença cresceram de 11.945 mortes em 2008 para 14.786 mortes em 2014. Estamos falando de uma doença com altas chances de cura, de até 95%, caso diagnosticada e tratada precocemente. A população precisa de acesso a diagnóstico e tratamento ágeis e adequados para vencer esse desafio”.

A falta de dados oficiais mais específicos sobre pacientes com câncer no Brasil, bem como sobre as condições do atendimento oncológico dificultam ações mais efetivas. “É papel da administração pública oferecer esses dados. A FEMAMA luta, entre outras questões, pela implementação integral do SISCAN e sua aplicação mais ampla na busca de informações sobre o cenário do câncer, como o registro compulsório de pacientes oncológicos nessa plataforma”.

Para salientar as principais barreiras enfrentadas por pacientes com câncer de mama, a FEMAMA lançou o Mapa do Atendimentowww.femama.org.br/mapadoatendi mento, uma ferramenta colaborativa “que permite àqueles que conhecem os sistemas de saúde, tanto público quanto privado, avaliem as diferentes etapas do atendimento ao câncer de mama no país. Estamos construindo um mapa referencial dos pontos positivos e negativos do acesso a diagnóstico e do tratamento do câncer em cada estado do país”.

Um dos grandes problemas que a rede pública enfrenta “é definir se uma paciente que tem um nódulo sólido suspeito é câncer ou não. A maioria dos hospitais públicos que fazem atendimento oncológico (UNACON e CACON) só aceitam pacientes quando já existe o resultado anatomopatológico comprovando que o diagnóstico é de câncer. Um plano de saúde privado popular que atenderia a consultas e disponibilizaria exames básicos não teria a capacidade de fazer, por exemplo, punções de tumores impalpáveis ou de acesso endoscópico”. Uma forma de dar um retorno mais urgente para esses casos que aguardam diagnóstico “seria que a rede pública municipal e estadual comprasse serviços da rede privada para suprir as deficiências em curto prazo”, finaliza Maira Caleffi.





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