No terceiro subsolo de um hospital paulistano, Menina empacota cada unidade de comprimido ou ampola e aplica um código de barra.
Depois envia o remédio ao setor em que está o paciente a quem ele foi prescrito.
Por hora, ela é capaz de processar 453 unidades. Num mês, mais de 320 mil.
Menina é PillPick, um dos dois robôs de um sistema de R$ 8 milhões que gerencia remédios e suprimentos no Sírio Libanês, no centro de SP.
O outro é BoxPicker. Quando os 462 pacientes internados precisam de xarope, gotas ou pomadas, ele os localiza no estoque e libera na quantidade indicada.
Para a equipe da farmácia central, ele é o Menino, porque “só pega e guarda” -já Menina “é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo”.
Quando o remédio chegar ao quarto, será preciso escanear o código de barras do remédio, a pulseira de identificação do paciente e o crachá do auxiliar de enfermagem.
Esse controle desde a caixa de medicamento até o paciente, chamado de beira-leito, é a etapa mais completa de um conjunto de máquinas, softwares e processos que evita perdas de remédio e insumos. Sem ele, o desperdício pode chegar a 20%, segundo a consultoria McKinsey.
A economia pode representar 1,4% do faturamento, segundo a mesma consultoria.
Num hospital de 200 leitos no Brasil sem unidade de oncologia, empresas do setor calculam uma economia anual de R$ 2,9 milhões.
REDE PÚBLICA
O impacto é ainda maior nas redes públicas: 4 em cada 10 hospitais pesquisados pelo TCU em 2014 relatam desperdício de remédios por má gestão ou negligência.
Como o processo de compra é mais complexo e lento, é preciso formar estoques para muitos meses, o que também amplia as perdas por prazo de validade vencido, manipulação errada e furto.
Redes de saúde estaduais e municipais, que podem ganhar com a escala -em vez de dez operações para 50 leitos cada, fazem apenas uma para os 500-, são outro cliente promissor para o serviço terceirizado de logística.
]Com alta regulação, forte investimento em tecnologia, sistema de segurança complexo e, principalmente, necessidade de know-how, o segmento tem “só uma meia dúzia” de empresas, diz Mayuli Fonseca, diretora de novos negócios da UniHealth, uma das maiores no país.
Os fornecedores de soluções costumam ser grupos que ganharam experiência com logística para a indústria farmacêutica. Com o crescimento da competição no setor de transportes, eles encontraram uma opção mais especializada e mais lucrativa na logística hospitalar.
A UniHealth vendeu sua transportadora e hoje opera só com soluções, para cem clientes. As concorrentes ainda conciliam as duas atividades, como a RV Ímola, que controla remédios e insumos para 5 de seus 80 clientes.
Um deles é o hospital estadual de Vila Penteado (SP), com 198 leitos, que ganhou eficiência e agilidade, segundo o chefe da farmácia, Celso Vicente de Almeida.
Segundo a McKinsey, a digitalização economiza até 40% das horas de trabalho das equipes técnicas, o que permite ao hospital concentrar profissionais nos atendimentos a pacientes.
Boa parte desse tempo era perdida com recalls de produtos feitos pela Anvisa -segundo a agência, todos os dias há suspensão provisória ou definitiva de lotes de produtos ligados a saúde.
Com o controle digital, é possível saber exatamente onde está cada lote e, dependendo do caso, acompanhar pacientes que tenham recebido os medicamentos.
MENOS ERROS
Para os pacientes, o benefício mais relevante é que os controles digitais reduzem os erros de medicação, que não são incomuns. Podem ocorrer em até 80% dos procedimentos, segundo pesquisa da Northwestern University, de 2002, e afetar 20% dos pacientes, segundo a McKinsey.
Há pelo menos 12 tipos de falhas identificadas por vários estudos médicos: receitas erradas ou mal interpretadas, falta de prevenção a alergias ou interação medicamentosa, dosagens maiores ou menores, dadas em horário incorreto, por menos ou mais tempo que o prescrito.
Remédios ministrados na hora errada são o erro mais comum, e o sistema beira-leito -que registra quem foi o auxiliar de enfermagem que deu o remédio ao paciente- faz essa falha cair em 90%, segundo a UniHealth.
Não é necessário, porém, que o rastreamento dos remédios até o paciente seja digital para que o hospital receba um selo de qualidade das entidades acreditadoras.
O Brasil tem hoje 131 instituições particulares e públicas com notas máximas nas acreditações, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde). Contam-se nos dedos das mãos, porém, os que implantaram o sistema completo.
Um dos principais hospitais do país, por exemplo, o Albert Einstein (São Paulo), é acreditado desde 1998, mesmo sem beira-leito -que planeja implantar até o final deste ano- ou separação robotizada -prevista para 2017.
“O que se ganha com a informatização é agilidade”, diz Nilson Malta, diretor de automação da instituição, que desde 2005 controla digitalmente o estoque de remédios.
O hospital também investirá nos crachás com chip e trocará todo o sistema de prontuário eletrônico, com investimento total de R$ 180 milhões. A meta é implantar o controle completo não apenas nos leitos de internação, mas em todas as unidades, incluindo pronto atendimento e centro cirúrgico.