A família que comanda um dos maiores laboratórios de análises clínicas do país, o Hermes Pardini, de Minas Gerais,
negocia mudanças no papel de uma das sócias e herdeiras da empresa.
Áurea Pardini, detentora de 23% do negócio e integrante do conselho de administração, poderá perder poderes, incluindo
o de vetar algumas operações, segundo apurou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.
A mudança, se concretizada, tem potencial para facilitar futuras negociações sobre fusão ou venda da empresa. E será
mais um episódio da relação traumática entre os irmãos, filhos do médico que fundou e deu seu nome à empresa há 57
anos.
No ano passado, a companhia faturou R$ 831 milhões e espera fechar 2016 com R$ 1 bilhão.
Áurea, filha mais velha, não participa diretamente da gestão da empresa.
Regina, filha do meio, tampouco tem influência decisiva nos rumos do
laboratório. É Victor Pardini, o mais novo dos três, quem ocupa a presidência
do conselho e exerce papel central. Cada um detém a mesma fatia da empresa
e compõem o bloco majoritário. O Gávea, fundo de investimentos do expresidente
do Banco Central, Armínio Fraga, detém desde 2011 os outros
30%.
Na família Pardini, as divergências se dão, sobretudo, entre Victor e Áurea.
Em 2014, foi Áurea quem levantou uma série de questionamentos a respeito das condições que estavam na mesa de
negociação para o que seria a fusão do Pardini com o Laboratório Fleury, de São Paulo.
O negócio, que estava sendo costurado pelo Gávea, acabou frustrado por resistências dela em relação ao preço de
avaliação da empresa e por outros dois aspectos: a porção minoritária que a família passaria a ter na nova empresa e a
nova dívida que surgiria com a fusão. Esse episódio piorou uma relação que já era conturbada entre Áurea e o irmão,
segundo pessoas que acompanharam de perto a negociação.
Antes ela já havia se mostrado contrária a uma discussão na família, que envolveu consultores e advogados, sobre vender
a empresa. Era uma possibilidade que teria agradado a seus irmãos. A solução de meio termo foi vender os 30% para o
Gávea.
Pelas negociações em curso atualmente, Áurea continuaria tendo assento no conselho, mas seria destituída de algumas de
suas prerrogativas como sócia e conselheira. Algumas decisões que precisam da aceitação de todos os sócios não
precisariam mais do aval dela. Alguns poderes de veto que ela têm também seriam revistos. Hoje ela só pode vetar
operações acima dos R$ 200 milhões.
As mudanças deixariam, em tese, caminho mais livre para futuras negociações de fusão ou venda do laboratório Hermes
Pardini.
Mas por que uma herdeira de um negócio bilionário teria interesse negociar uma perda de poderes na empresa de sua
família?
A resposta está em uma ação que corre sob segredo de Justiça em Minas. Nessa ação, o pai e a mãe de Áurea a acusam de
não ter repassado a eles milhões de reais referentes a usufruto da empresa nos últimos anos. Quando o processo virou
notícia, expôs a família e indiretamente a empresa de forma bastante negativa. O ônus recaiu principalmente sobre a
filha mais velha.
Áurea tem repetido a pessoas próximas a ela que o processo é uma forma que os irmãos encontraram de pressionála a não
interferir mais nos negócios. Que dona Carmem, a mãe, foi convencida a ajuizar a ação. Hermes Pardini, já octogenário,
padece de uma doença mental e embora apareça como um dos autores da ação, ele mesmo não teria por si condições de
processar a filha.
Áurea tem dito também que os irmãos haviam acertado que nenhum dos três faria os tais repasses a partir de certo
momento, por entenderem que os pais teriam um padrão de vida já muito bom. A ação dos pais contra a ela, no entanto,
tramita há um ano na primeira instância do Tribunal de Justiça de Minas.
Como contrapartida para a perda de poder, Áurea quer o fim desse processo partindo do pressuposto que os irmãos têm
a ascendência sobre a mãe para fazêla cancelar a ação.
Na semana passada, a três interlocutores ela voltou a dizer que o processo é uma tentativa de a "comprarem barato" e que
a contragosto ela se vê numa situação de vender sua parte ou aceitar menos autonomia em algumas questões.
A primeira opção a venda dos 23% não prosperou. No ano passado, um fundo estrangeiro chegou a fazer uma oferta de
compra dos 30% do Gávea e de uma fatia 15% da Áurea. A negociação teria emperrado, no entanto, depois que a direção
do Pardini decidiu impor uma multa elevada ao fundo caso este deixasse vazar alguma informação confidencial que viesse
a ser obtida em um processo de "due diligence" (auditoria financeira). O fundo desistiu. Na sequência, houve uma
tentativa de venda da parte dela para os irmãos, que também não avançou.
Em 2014, quando da negociação com o Fleury, o laboratório Hermes Pardini foi avaliado em R$ 1,85 bilhão. No ano
passado, o fundo falou em R$ 1,7 bilhão.
A alternativa de venda da parte da Áurea saiu, então, da mesa e passouse para a discussão de alteração de algumas
cláusulas do acordo de acionistas de modo a subtrair poderes dela. Quanto tempo a negociação deve durar ainda é uma
incógnita.
O Hermes Pardini se consolidou no negócio de análises clínicas para laboratórios de pequeno e médio portes por todo o
país. Está entre os maiores do mercado em termos de volume de análises. A empresa, que concorre com o Dasa e com o
Fleury, também atende a clientes finais em unidades em Belo Horizonte, São Paulo, Goiânia e Rio. Nas duas primeiras,
com sua marca? nas demais com os nomes dos laboratórios que adquiriu há alguns anos.
Em entrevista ao Valor em junho, o presidente da empresa, Roberto Santoro, um executivo profissional que não é da
família, disse que uma nova aquisição estava próxima de ser concluída e que com ela a empresa buscaria fechar o ano com
faturamento de R$ 1 bilhão.
Sobre as divergências familiares, a assessoria do Pardini disse que elas não afetam em nada a gestão e que as estratégias
seguem normalmente, incluindo o processo de expansão e aquisição. Victor Pardini preferiu não se pronunciar sobre o
assunto. Um dos advogados de sua mãe não quis comentar o caso nem intermediar um contato entre a reportagem e ela,
com Victor ou Regina. Áurea tampouco falou sobre o caso. A direção do Gávea afirmou que não comentaria os temas
relacionados às disputas dos sócios mineiros.