Absorvente íntimo, água de coco, enxaguante bucal, xampu, lenços umedecidos, fraldas, colchão e filtro de barro. Esses são alguns dos itens que autores de ações judiciais já tentaram fazer com que fossem custeados pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.
A lista caricatural, ao destacar os aspectos pitorescos da chamada judicialização da saúde, leva atenção a um problema real e intensificado ao longo dos anos.
Como mostrou esta Folha, os gastos sanitários da União, de Estados e municípios efetuados por imposição do Poder Judiciário saltaram de R$ 139,6 milhões, em 2010, para R$ 7 bilhões, atualmente. Os dados são do Ministério da Saúde.
A maior parte dessas despesas se refere a medicamentos, cirurgias e terapias, não a xampu e água de coco. Mas isso não torna menor seu impacto negativo sobre o SUS.
Saúde pública é planejamento. Na escala individual, não se sabe ao certo quem vai padecer de qual moléstia, mas, no agregado, obtém-se uma ideia bem precisa do número de indivíduos que, a cada ano, sofrerá um ataque cardíaco ou desenvolverá um câncer.
Em teoria, isso permite ao administrador racional programar a compra de insumos com antecedência, negociando preços e condições, e tentar ajustar a distribuição dos recursos humanos e materiais (fácil de falar, difícil de cumprir).
Outra tarefa sempre onerosa do administrador exige que, dispondo de um orçamento finito, defina quais tratamentos deixarão de ser cobertos pelo sistema, seja por falta de comprovação científica, seja por custarem mais que outras terapias de eficácia comparável.
Quando, porém, a decisão do gasto chega por via judicial, o administrador precisa cumpri-la em tempo exíguo, algo como 24 horas, sob risco de ir para a cadeia. Os preços tendem a ficar mais salgados —há notícias até de esquemas de corrupção que se valem da Justiça— e cai por terra a esperança de planejar melhor o sistema.
Como não dá para proibir as pessoas de recorrer à Justiça ou os juízes de conceder liminares, o caminho para assegurar a racionalidade do SUS exigirá um trabalho mais complexo de esclarecimento dos magistrados.
É imperioso sensibilizá-los, e não apenas para a dimensão do problema e o desequilíbrio bilionário que acarretam ao SUS. Cumpre também fazer com que tenham acesso fácil e rápido a informações técnicas sobre consensos médicos, equivalência de medicamentos e tratamentos e até sobre os combalidos orçamentos do ministério e das secretarias de Saúde.