Casos de infecção por zika estão sendo confundidos com a dengue e, com isso, a epidemia do vírus que causa a microcefalia pode estar sendo subestimada no país.
É o que sugere um estudo da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Parte dos dados foi publicada neste mês no "Journal of Clinical Virology".
Foram analisadas amostras de sangue de 800 pacientes que tiveram diagnóstico inicial de dengue (com base em sintomas clínicos e/ou em testes sorológicos) neste ano.
As amostras passaram por exames moleculares —mais precisos. A dengue foi confirmada em apenas metade dos casos (400). Em outros cem, o diagnóstico real era de zika. Em um, era da febre chikungunya e o restante, outras viroses não transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Segundo o virologista Maurício Lacerda Nogueira, coordenador do estudo e que integra a Rede Zika, essa confusão deve estar acontecendo em todo o país, já que a grande maioria dos diagnósticos é feita da mesma forma.
O infectologista Marcos Boulos, coordenador de controle de doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tem a mesma opinião. "Foi por isso que houve uma demora enorme em identificar o zika no Nordeste, no ano passado. Ele foi confundido com a dengue", lembra.
Até 9 de julho, o país tinha registrado 1,4 milhão de casos de dengue contra 174 mil casos prováveis de zika, segundo o Ministério da Saúde.
ERRO DE DIAGNÓSTICO
Os erros de diagnóstico ocorrem por duas razões: os sintomas clínicos (que norteiam os diagnósticos) são muito parecidos, e os atuais testes sorológicos resultam em muitos falsos-positivos.
"Todo mundo busca um teste mais específico, mas ainda não chegamos lá", diz Boulos. A única forma de ter certeza, explica Nogueira, é por meio de testes moleculares, como o PCR em tempo real.
Ocorre que eles são mais caros que os sorológicos e não estão disponíveis para toda a população. Os laboratórios públicos, como o Adolfo Lutz, priorizam mulheres grávidas e pessoas com suspeita de Guillain-Barré (uma das complicações neurológicas da infecção pelo zika).
Para ele, é fundamental buscar um diagnóstico correto, por meio de testes rápidos mais efetivos, que realmente discriminem as doenças. "Em termos individuais, é um direito do paciente saber o que ele tem", diz Nogueira.
No âmbito da saúde coletiva, toda a análise de custo e efetividade para incorporação de uma nova terapia –a vacina da dengue, por exemplo– depende de informações epidemiológicas corretas. Ou seja, se a estimativa do número de casos está errada, a avaliação de custo-efetividade será equivocada.
"Até um ano e meio atrás, os dados de dengue eram relativamente confiáveis. Agora a questão é: quantos desses casos tidos como dengue não são, na verdade, zika?"
Na sua opinião, não é possível mais se guiar pelas diferenças clássicas apontadas nos livros médicos. "Isso só serve para dar aula. Tem casos que só de olhar você já sabe se é dengue, zika ou chikungunya. Mas a grande maioria não é assim."
Segundo Nogueira, há o risco também que os casos de dengue comecem a ser subestimados e confundidos com zika. "Como todo mundo só fala em zika, podemos ter um fenômeno invertido."
Essa situação pode ser ainda mais perigosa, segundo ele, porque a dengue tem risco de morte se não tratada corretamente. "A zika, tirando a questão da gestante [risco de o bebê ter microcefalia], é uma doença benigna."
Segundo Boulos, a orientação é tratar todos como se fosse dengue. "É melhor pecar pelo exagero." Ele diz que os médicos do SUS passam por capacitação para saber diferenciar as viroses.