A grave crise orçamentária que atinge tanto a saúde pública quanto a privada, revelada pelo desajuste entre os custos médico-hospitalares e as receitas, e potencializada por desperdícios e pela escalada incessante da judicialização do setor, deve ser devidamente enfrentada. Estima-se que em 2015 a esfera federal e as operadoras de planos de saúde tenham gasto cada uma cerca de R$ 1,2 bilhão somente para atender às demandas judiciais de saúde.
Grande parte dessas ações movidas contra SUS e operadoras tem como alvo o acesso a medicamentos e tratamentos que ainda não constam no rol de procedimentos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ou sequer foram liberados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para serem comercializados no país.
É importante lembrar que, conforme disposto na Lei nº 6360/1976, é vedada a importação de medicamentos sem prévia e expressa manifestação favorável do Ministério da Saúde, sujeitando os envolvidos às sanções previstas.
Há quem diga que o governo “fecha as portas da incorporação” de novos medicamentos e tecnologias, e, consequentemente, “as pessoas entram pela janela da judicialização” em busca disso. A realidade, no entanto, é bem mais complexa do que simples incompetência e má vontade federal.
Como mencionado, o setor de saúde suplementar sofre uma crise orçamentária. No que diz respeito às operadoras, mesmo atingindo em 2015 o faturamento recorde de R$ 158 bilhões, as despesas foram de R$ 157 bilhões. Isso significa uma margem operacional de apenas 0,6%. Para aliviar esta pressão, essas empresas, num esforço considerável de gestão, conseguiram reduzir em 30% seus custos administrativos entre 2007 e 2015. Mas a verdade é que os gastos com saúde no Brasil têm um apetite bem mais voraz.
Embora reajustes sejam aplicados anualmente às mensalidades dos planos, a Variação dos Custos Médico-Hospitalares (VCMH) ou “inflação médica” cresce mais depressa do que a capacidade dos planos de saúde de se recapitalizarem. Para se ter uma base, o teto do reajuste dos planos individuais divulgado pela ANS neste ano é de 13,57%, enquanto que o VCMH calculado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) foi de 19,30% –uma defasagem de 5,73 pontos percentuais.
A incorporação de novas tecnologias a cada dois anos no rol de itens obrigatórios às operadoras por parte da ANS, no qual são disponibilizados os mais modernos procedimentos e deveres devidamente homologados pelos órgãos competentes do governo brasileiro, precisa ser muito bem avaliada. Em alguns casos existem tecnologias similares a custos completamente distintos, corroborando para recrudescer a situação da saúde do Brasil sem necessidade. A quem interessa incorporar novas drogas e por quê?
Ano a ano, a medicina realiza avanços vigorosos nas mais variadas especialidades em termos de novas terapias, procedimentos e medicamentos, e as operadoras de saúde têm todo o interesse em poder oferecê-los a seus beneficiários o quanto antes. Mas, descrita a crise que o setor enfrenta, seria razoável que absolutamente todas as novidades desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo de dois anos sejam incorporadas, não importa qual seja seu custo ou eficácia?
É uma atitude responsável sugerir que um indivíduo busque “a janela da judicialização” para ter acesso a um único procedimento sabendo que assim está drenando recursos que seriam utilizados no tratamento de moléstias que acometem milhares de outros cidadãos?
Em alguns casos, a judicialização da saúde sobrepõe o direito individual ao coletivo. Os cidadãos com mais recursos financeiros e acesso a advogados são a maior parte dos beneficiados com tal prática. Não se sugere, contudo, que o Ministério da Saúde feche os olhos para as necessidades de atualização dos procedimentos médicos que o SUS e operadoras devem cumprir. Mas é fundamental que haja a formulação de mecanismos de avaliação prévia a essas incorporações, pois não há no mundo um país que ofereça de tudo a todos indiscriminadamente.
No National Health System (NHS), celebrado sistema público de saúde britânico, por exemplo, há uma comissão para avaliar a incorporação de novos procedimentos e tecnologias. Há duas condições para acrescentar qualquer novidade ao seu rol: “Ele funciona?” e “O cidadão do Reino Unido pode custeá-lo?”. Caso não preencha um desses requisitos, o procedimento é descartado e a Justiça daquele país indefere toda e qualquer ação que vise obrigar o governo a custeá-lo.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) apoia iniciativas de conscientização da população e entende que atualmente uma das melhores ferramentas é a criação de Núcleos de Apoio Técnico e de Mediação –recomendação do Conselho Nacional de Justiça–, com participação de universidades públicas e associações médicas especializadas, para prestar esclarecimentos estritamente técnicos em áreas onde os magistrados não são os maiores peritos no assunto.
É uma questão de transparência, que além de proteger o orçamento público, previne fraudes indesejáveis. A saúde dos brasileiros agradece.