Cobranças por fora enganam pacientes e planos de saúde
29/07/2016

Outro campo farto tem sido o da cirurgia bariátrica, em que os pacientes com obesidade mórbida só conseguem os acessórios complementares para o procedimento mediante pagamentos extras entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil. São botas e outros apetrechos que, segundo a ANS, estão dentro das obrigações dos planos. A cobrança extra é sempre uma iniciativa de profissionais, o que deixa o paciente refém entre a operadora que ele paga e o prestador credenciado que pode executar o serviço.

Muitas vezes, o profissional se vale da urgência do procedimento para essa espécie de “chantagem” com o paciente. A médica cardiologista Valéria Braile, vice-presidente da Braile Biomédica e diretora clínica do hospital Beneficência Portuguesa, por exemplo, é suspeita de cobrar “honorários” de paciente por um procedimento cirúrgico já coberto por plano de saúde. A informação consta de sentença do juiz da 2ª Vara Cível de Rio Preto, Paulo Marcos Vieira. O magistrado determinou que o fato seja investigado criminalmente pelo Ministério Público e também por meio de sindicância do Conselho Regional de Medicina (Cremesp).

Segundo a ação judicial, em agosto de 2015 o aposentado José Garcia Martins, usuário do plano Bensaúde, não se sentiu bem e foi atendido por Valéria na clínica Braile Hospital Dia. Após alguns exames, constatou-se que seu estado de saúde era grave, com risco de infarto, e que Martins teria de fazer uma angioplastia. O aposentado foi então internado no hospital Beneficência Portuguesa, vinculado ao Bensaúde.

Logo após a internação, Valéria teria telefonado para a mulher de Martins, Marli Aparecida, e, segundo essa última, afirmou que, para que fosse feita a cirurgia no aposentado, eles teriam de pagar a ela R$ 2 mil, valor que, segundo teria dito a médica, seria posteriormente reembolsado pelo Bensaúde. Marli disse que não tinha a quantia, mas a médica teria insistido na cobrança como condição para fazer a angioplastia, somente reduzindo o valor para R$ 1,5 mil. O valor foi pago por meio de cheque preenchido pela secretária de Valéria.

Dias depois, a médica entregou a Marli um recibo da clínica por “serviços médicos prestados de acompanhamento médico e disponibilidade médica hospitalar”. Quando levou o recibo até o Bensaúde, no entanto, o plano informou a ela que o valor não poderia ser reembolsado, já que os honorários médicos já haviam sido pagos a Valéria e a angioplastia já estava embutida no plano do aposentado.

O casal então ingressou com ação civil por danos morais e materiais contra a médica e o Bensaúde. Em juízo, Valéria não negou a cobrança “por fora”, segundo a sentença. Mas, como o recibo foi emitido em nome da clínica, e não da médica, o juiz absolveu Valéria e negou o dano moral, condenando apenas o Bensaúde a ressarcir o casal dos R$ 1,5 mil gastos, com juros e correção monetária.

No entanto, o magistrado determinou o envio de cópia do processo à Promotoria Criminal e ao Cremesp, “considerando o procedimento da médica e da clínica, que, certamente, não seguiu o padrão ético, mas também pode ter configurado conduta ilícita e que fere o código de ética médica”.

A assessoria do Cremesp informou que “assim que o conselho tomar conhecimento formal dos fatos, será insaturada sindicância para apurar irregularidades”. Caso comprovada infração ética, a penalidade varia de advertência à cassação do registro profissional. A investigação dura em média de seis meses a dois anos, segundo a assessoria. Promotores criminais ouvidos pelo Diário disseram que, em tese, o caso pode configurar estelionato e constrangimento ilegal. A advogada do casal, Vanessa Luciana Lucchese, informou que vai recorrer ao Tribunal de Justiça (TJ). O aposentado e a mulher não quiseram dar entrevista. “Esse assunto mexe muito com eles”, justificou a advogada.

Cobrança foi por disponibilidade
A clínica Braile Hospital Dia negou, em nota encaminhada por sua assessoria, irregularidade na conduta da médica Valéria Braile. “Em nenhum momento realizou a empresa cobrança em duplicidade, ajustando, na verdade, honorários por conta da disponibilidade de seus profissionais médicos em caráter de plantão presencial 24 horas, serviços estes não custeados pelos planos de saúde”.

A assessoria cita suposta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da legalidade da cobrança extra por “disponibilidade médica”. “Sendo assim, a empresa Braile Hospital Dia tem convicção firme de que procedeu de maneira ética e legal e que não foram desrespeitados ditames éticos contidos no código de ética médica, pelo contrário, trata-se de um excesso de zelo para com os seus pacientes. Logo, certamente não darão o MP e o Cremesp seguimento a qualquer procedimento com vistas a apurar conduta da empresa e da profissional a ela vinculada”.

Também em nota, a assessoria do Bensaúde informou que vai recorrer da sentença “a fim de comprovar que foi devidamente garantida a cobertura do procedimento – fato esse que foi reconhecido pelo juiz”.

Cobranças extras não são incomuns
A cobrança do denominado “honorário médico” é mais comum do que se imagina em Rio Preto.

Mário (os nomes dos personagens são fictícios) só concordou em falar com o Diário sob a condição de que não seja identificado por meio da entrevista. Ele teme que um familiar seu sofra algum tipo de sanção que o prejudique. Este ano, seu familiar sentiu uma forte dor, procurou um hospital, e foi internado, em Rio Preto. “Disseram que teria que passar por cirurgia cardíaca e me ofereceram quatro equipes que poderiam fazer o procedimento. Escolhi uma em função da fama do cardiologista”, conta.

Um dia depois de definida a equipe, ligaram para Mário e pediram que fosse até o consultório do médico. “Ele não estava presente, mas havia outros profissionais da equipe. Falaram que ele havia se descredenciado do plano de saúde que temos. Que poderiam fazer a cirurgia, mas teria um custo, e que eu poderia parcelar”, conta.

Diante da falta de recursos financeiros, ele informou que iria procurar o plano e trocar por outra equipe e foi embora. “Menos de meia hora depois, eu mal tinha saído de lá, me ligaram e disseram que eu não precisava procurar outra equipe, que o médico faria a cirurgia. Eu disse que não tinha dinheiro e me responderam que estava tudo bem.”

O procedimento foi feito e o familiar de Mário é acompanhado até hoje nos retornos ao especialista e pelo plano de saúde. “Vou procurar outro especialista. Sei que tentaram me enganar”, diz.

Há quatro anos, Beatriz fez uma cirurgia bariátrica por um plano de saúde. Ela imaginava que teria o procedimento todo coberto, mas houve uma cobrança de R$ 5 mil. Era para o empréstimo da bota pneumática, usada durante a cirurgia para evitar risco de embolia pulmonar, e também para “pagar” os outros profissionais que faziam parte da equipe médica.

“Eu estava tão desesperada para conseguir fazer a cirurgia que, literalmente, emburreci. Se o meu plano estava pagando pelo procedimento, eu não tinha que arcar com custos de outros profissionais. O plano não cobre apenas o cirurgião, ele é responsável também pelo anestesista e pelo especialista em videolaparoscopia. Mas quando disseram o valor, me virei e paguei”, conta.

Beatriz diz que ainda tentou, antes de passar pela cirurgia, obter uma nota do médico para abater do imposto de renda, mas não conseguiu. Conta que foi ao consultório algumas vezes, mas a resposta era sempre que o médico não estava e não havia deixado a nota para ela voltar depois. Com a correria do dia a dia, acabou desistindo. “Não tenho como denunciar, sei o quanto a classe médica é unida e forte. De vítima posso passar a ser ré em uma ação criminal, já que não tenho nada para provar pelo que passei”.

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a cobrança da bota pneumática é ilegal. “Faz parte de um conjunto de acessórios para mesas cirúrgicas. Dessa forma, por se tratar de material acessório, o entendimento da ANS é de que a sua compra não pode ser responsabilidade do beneficiário, uma vez que deve ser garantida a cobertura aos beneficiários de planos de saúde com cobertura hospitalar de todos os materiais utilizados,” informou a agência por meio de nota.

Taxa de disponibilidade opõe CFM e ANS
Polêmica, a cobrança da denominada “taxa de disponibilidade” para que o obstetra escolhido pela paciente realize o parto opõe o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Em 2012, o CFM publicou portaria autorizando a cobrança pelos obstetras – a iniciativa é vedada para outras especialidades. “É ético e não configura dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta. Tal circunstância não caracteriza lesão ao contrato estabelecido entre o profissional e a operadora de plano e seguro de saúde”, diz o parecer do conselho.

Desde então, profissionais de obstetrícia têm cobrado entre R$ 2 mil e R$ 4 mil, na média, pela disponibilidade no parto. Já a ANS diz que a cobrança é ilegal e deve ser denunciada à agência e órgãos de defesa do consumidor.

São dois órgãos federais que precisam se entender. O que não dá é permanecer o quadro confuso atual”, diz José Claudio Ribeiro Oliveira, presidente da Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo ele, há decisões judiciais sobre esses honorários contrários e favoráveis ao paciente. “Esse tema ainda não foi pacificado pelos tribunais superiores.”

A cobrança, explica Oliveira, só é aceita pelos dois órgãos se o paciente fizer questão de ser atendido por médico que não é conveniado ao plano de saúde do qual o atendido é beneficiário.

Fonte: Abramge




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