O superintendente do Hospital das Clínicas, Antônio José Pereira, disse hoje (20), em entrevista à imprensa, que a compra de marcapassos cerebrais para pacientes com Parkinson foi feita de forma correta, sem superfaturamento. No entanto, ele disse que o hospital não tem como controlar ou ser responsabilizado pela compra desses equipamentos por meio de secretarias de saúde municipais ou estaduais, mesmo que a cirurgia para a implantação dos aparelhos tenha ocorrido dentro do hospital.
Na última segunda-feira (18), a Operação Dopamina revelou a compra irregular dos equipamentos para pacientes com a doença de Parkinson. Segundo a investigação, um médico e um diretor do Hospital das Clínicas orientavam pacientes a procurar a Justiça para conseguir o marcapasso, passando na frente na fila de espera de pacientes. Com o mandado judicial, os aparelhos eram comprados sem a necessidade de licitação e acabavam custando até quatro vezes mais em comparação à compra feita por licitação.
A compra dos equipamentos, segundo o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal, era feita de forma superfaturada, com prejuízo estimado de até R$ 13 milhões. Os nomes dos quatro investigados não foram revelados, mas trata-se de um diretor do hospital, um neurocirurgião, um responsável pela empresa que fornecia os equipamentos e uma gerente comercial. Os quatro foram alvos de mandados de condução coercitiva. Eles foram ouvidos pela Polícia Federal, em São Paulo, e no mesmo dia liberados. O diretor e o médico acusados de envolvimento no esquema foram afastados dos cargos.
Segundo o superintendente do hospital, entre 2009 e junho de 2016, o hospital, considerado centro de referência nesse tipo de cirurgia, adquiriu 37 equipamentos de marcapasso cerebral por meio de licitações. Em apenas uma delas, a compra do equipamento ocorreu sem licitação, de forma emergencial, atendendo a um mandado judicial. Neste caso, o aparelho custou R$ 53,7 mil, valor de mercado, e acima do preço pago nas licitações (R$ 23,7 mil). Os equipamentos somaram cerca de R$ 890 mil, conforme Antônio José Pereira.
Conforme a investigação policial, os marcapassos foram comprados sem licitação e não foram feitos pelo hospital. Eram adquiridos por aproximadamente R$ 117 mil cada unidade.
“O que posso dizer é que o que está sendo adquirido pelo Hospital das Clínicas e é este valor [de R$ 890 mil]. Com relação a outros mandados judiciais que permeiam tanto a secretaria do Estado quanto outras secretarias, isso não compete ao hospital. Essas aquisições são feitas fora do Hospital das Clínicas”, disse o superintendente.
Judicialização
Para o superintendente, as decisões judiciais que determinam a compra dos aparelhos causam prejuízos ao erário, pois cobram a aquisição imediatamente, sem tempo hábil para uma licitação. “Isso demonstra o quanto a judicialização é penosa ao erário. Estamos falando aproximadamente do dobro [do valor pago para a aquisição do equipamento em caso que não envolve licitação]”, disse Pereira.
Para a diretora clínica do hospital, Eloisa Bonfá, a judicialização penaliza as pessoas que estão na fila aguardando pela cirurgia de colocação dos marcapassos cerebrais. “Isso mostra a dificuldade que a gente tem quando é feita a judicialização porque não há como negociar [o preço], é preciso comprar [o equipamento] individualmente. E com essa decisão, por exemplo, um paciente que não é tão grave entra [na frente de outro] porque o juiz determinou”, disse..
Sobre a compra de um equipamento por outra entidade, a diretora disse que o aparelho passa por uma avaliação técnica no hospital, porém não é analisada a forma de aquisição ou o preço.
Após a operação policial, o hospital criou uma comissão que irá normatizar a relação entre médico, empresas e a indústria. A comissão é formada por advogados e médicos e terá 60 dias para apresentar modelo de como será a fiscalização de equipamentos comprados fora do hospital.
Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) cobrou explicações do Hospital das Clínicas sobre as irregularidades. Por meio de despacho, o conselheiro do TCE Antonio Roque Citadini questiona o superintendente do hospital sobre como é feito a compra dos equipamentos ou quem é o responsável pela autorização da despesa; o histórico de compra dos aparelhos; e quantos foram adquiridos por licitação e por ausência de licitação. O conselheiro deu o prazo de 15 dias para o hospital responder.
A doença de Parkinson não tem cura, é evolutiva e traz limitações ao paciente, tanto na alimentação quanto na locomoção. O marcapasso cerebral ajuda o paciente a ter uma vida com menos limitações. “Ele faz um estímulo no cérebro de forma com que o cérebro comece a funcionar normalmente”, disse Eloisa Bonfá, diretora clínica do hospital.
Em alguns casos, a implantação do marcapasso é emergencial. “Se há um paciente com Parkinson e ele tem risco de engasgar ou pode ter uma pneumonia e morrer, por exemplo. Há indicações que são mais emergenciais. O que questionamos é a indicação judicial, porque ela fura fila de quem está esperando”, disse.