Atualmente realizam-se no Brasil transplantes de rim, fígado, coração, pâncreas, pulmão e medula óssea, com resultados comparáveis aos de centros mais desenvolvidos. Em número de procedimentos, somos superados apenas pelos Estados Unidos. Recentemente, tem-se realizado um novo tipo de transplante para o tratamento da falência intestinal consequente ao encurtamento do intestino delgado por defeito genético ou ressecção cirúrgica. Estima-se que no Brasil ocorram de 400 a 600 casos novos por ano, sendo 60% pediátricos e 40% em adultos. Em média, 90% desses pacientes são controlados clinicamente por nutrição por via endovenosa prolongada (NPP). Nos outros 10%, indica-se o transplante de intestino e, conforme o caso, também dos órgãos agredidos pela NPP prévia: fígado, baço, pâncreas e rim (transplante multivisceral). Ressalte-se, desde já, que, devido à falência de intestino, os pacientes pediátricos necessitam de doadores com aproximadamente 70% de seu tamanho. Em alguns casos, doadores com meses de vida. Entre nós, como nos centros do exterior, faltam doadores desse tipo. Em São Paulo foram viabilizados 1.411 doadores nos últimos 18 meses, nenhum deles com idade igual ou inferior a um ano. Compreende-se assim que já tenham sido realizados, esporadicamente entre nós, alguns transplantes multiviscerais em adultos, mas nenhum pediátrico. Em consequência, decisões judiciais vem obrigando o Ministério da Saúde a responsabilizar-se por esse tratamento no exterior, a um custo entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões por paciente. Como já defendi em artigo publicado nesta Folha em outubro do ano passado, seria mais proveitoso aplicar esses recursos públicos em centros nacionais experientes em transplantes pediátricos. Essa conduta se justificaria ainda pelo fato de que há 30 anos enfrentamos aqui no Brasil a mesma dificuldade em relação à falta de doadores de baixo peso para o transplante de fígado pediátrico. Para contornar esse obstáculo, desenvolvemos a técnica de transplante de fígado intervivos, no qual um doador adulto sadio autoriza a retirada de parte de seu órgão para ser transplantado na criança, salvando-lhe a vida. Atualmente essa técnica é empregada em todos os países com dificuldades em obter doadores falecidos suficientes. Somente uma equipe na Coreia do Sul já realizou mais de 4.000 procedimentos desse tipo, preservando a vida de pacientes que, de outra forma, não poderiam ser transplantados, uma vez que princípios culturais e religiosos proíbem o manuseio de cadáveres em muitos países do Oriente. Compreende-se assim que alguns pesquisadores nos EUA e no Reino Unido tenham empregado, nos transplantes para tratamento da falência intestinal em crianças, doadores adultos vivos, neles captando um fragmento de fígado (menos de 30%) e pequena porção do intestino delgado. Baseiam-se, de um lado, na experiência com transplante de fígado intervivos, no qual o segmento retirado do doador se regenera em poucas semanas, e, de outro, na observação da cirurgia gastrointestinal, na qual é possível ressecar até um metro do intestino delgado sem causar efeitos mensuráveis. Frente a todos esses dados, valorizam-se os resultados da equipe do Hospital Sírio-Libanês, com mais de 800 casos de transplante de fígado pediátrico intervivos operados com sobrevida de 95% após um ano, sem mortalidade entre os doadores. Abrem legítimas perspectivas também para a realização de transplantes de fígado/intestino intervivos pediátrico entre nós.