Conta Aberta em hospital é como restaurante de Comida por Quilo
22/07/2016

Quando discutimos sobre formas de apresentação de contas hospitalares do Modelo GFACH, a melhor forma de fazer as pessoas entenderem porque pacotes sempre serão interessantes para operadoras e médicos, e nunca serão interessantes para hospitais, é comparar hospitais com restaurantes.

O Modelo descreve em detalhes diversos aspectos conflitantes na relação entre hospitais e operadoras. Vamos ficar com este conflito e esquecer o médico: se existe algo que podemos chamar de “suprassumo do conflito entre hospitais e operadoras” é a questão “conta aberta x pacote”.

Vamos exemplificar os tipos de restaurantes que conhecemos.

Existe o restaurante que vende comida por quilo. Dependendo da fome do cliente, vai pagar mais ou menos … tão simples quanto isso: come mais, paga mais – come menos, paga menos.

No restaurante “à la carte”, um cardápio indica previamente o preço da refeição – não pesamos o prato porque teoricamente foi feito o cálculo do valor total da “escolha do freguês”. Se comer menos (se sobrar) não tem desconto. Se quiser comer mais, vai ter que pagar outro prato.

Existe o restaurante tipo “rodízio” onde o glutão pode comer à vontade, também pagando preço fixo. Também não se pesa a comida – se quiser “encher o bucho”, ou se quiser comer pouquinho, vai pagar o mesmo preço. Existem 2 tipos de rodízio:

  • O que tem comida boa e o preço é “bem salgado”. Este restaurante tem pedigree – se vender sua comida por quilo, certamente o preço do quilo seria muito menor que o preço do rodízio, mas como a comida é boa ele “chama o cliente” com sua marca, e cobra mais caro sabendo que ele tem “um limite” natural chamado tamanho do estômago. Conheço alguns “ignorantes” que até parecem não ter este limite natural, mas têm !
  • O que tem comida ruim, e coloca no cardápio “um monte de coisa” barata, que pesa muito no estomago, e pouca coisa boa de alto valor. A carne, por exemplo, é de terceira com amaciante e já temperada com sal de fruta, para que o cliente volte de vez em quando.

É fácil associar a comida por quilo com a conta aberta hospitalar. E é a forma mais justa de remunerar os serviços hospitalares. Paga-se exatamente o que se utiliza – tão simples quanto isso.

Para o hospital o pacote só é viável quando comparamos a conta ao “à la carte”. Somente para procedimentos padronizados. Se o paciente necessitar consumir mais, deve comprar outro prato. Se comprou bife com arroz, ficou com fome e quer uma porção de fritas, deve pagar o adicional da porção.

Não existe hipótese do pacote ser rodízio para o hospital. A explicação está na comparação: o cliente do restaurante tem limite para consumir (o tamanho do estomago), o paciente não. O que vemos no mercado quando o pacote se enquadra em rodízio:

Alguns hospitais de pedigree dizem que vendem rodízio, mas quando você olha o termo que assina é o mais puro “à la carte”. Você paga pela marca por um prato feito pensando que vai comer tudo que quiser, até ver a conta;

A operadora impõe um pacote inviável, mas o hospital aceita em troca da oportunidade de “fisgar o cliente” para procedimentos de maior complexidade. Por exemplo: um pacote global em pronto socorro de urgência obstétrica, que acaba trazendo para a mãe para o futuro parto;

O hospital tem um serviço de baixíssima qualidade e/ou baixa ocupação e qualquer coisa que aparece serve para reduzir o custo fixo. O resultado do pacote no médio e longo prazo acaba piorando ainda mais sua agonia.

Nas aulas sempre escuto uma ou outra pessoa citando que o pacote é bom porque simplifica o processo de formação e auditoria das contas:

  • Se a pessoa trabalha em operadora eu entendo que foi ensinada a pensar desta forma – é natural;
  • Se a pessoa trabalha em hospital eu tenho pena. Geralmente está inserida em processos de faturamento e auditoria totalmente manuais, ou precariamente automatizados. Já passou a época em que era justificável dizer que compor e auditar contas hospitalares dá trabalho – hoje em dia isso é inadmissível. Pode também ser uma pessoa que trabalha em hospital “dominado” pelas operadoras: não tem um bom produto e as operadoras “deitam e rolam”.

Esta “brincadeira” que vivemos hoje, que equipou a saúde com uma estrutura gigantesca para faturar e auditar contas, encarece o sistema de saúde. No cenário que vivemos ainda é muito necessário alguém que fique olhando as bobagens que os hospitais fazem no faturamento, alguém que fique analisando as peripécias que as operadoras fazem na auditoria. Quem está no sistema e não se especializa para lidar com isso perde muito dinheiro.

O paradoxo que existe no interesse das operadoras e dos hospitais só tem uma chance de acabar: quando todos os hospitais forem de rede própria de operadoras, e prestarem serviço exclusivamente para sua mantenedora. Quando, inclusive, os médicos forem funcionários das operadoras. Embora acreditando ser a tendência natural da saúde suplementar, não creio que estarei vivo para ver.

Enquanto isso vamos continuar assistindo os hospitais vendendo comida por quilo, as operadoras querendo comprar rodízio, e o “à la carte” sendo o “fiel da balança” .





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