A necessidade de ouvir mais o paciente é uma pauta antiga na medicina. Cientistas e empresários estão desenvolvendo uma tecnologia para diagnosticar e prever casos, com base em uma fonte incomum de dados: a forma como o paciente fala.
Uma reportagem do portal Stat ressalta que “um crescente número de evidências sugere que uma variedade de condições físicas e mentais podem fazer você medir suas palavras, alongar sons, ou falar em um tom mais nasalado. Podem até fazer a sua voz ranger ou falhar tão rapidamente que não é detectável para o ouvido humano. Ainda não é absolutamente claro que analisar padrões de fala possa gerar diagnósticos precisos ou úteis. Mas o objetivo é tentar”.
O último player a entrar nessa busca é a Sonde Health (Sonda Saúde, em tradução livre, uma agência de inovação tecnológica localizada em Boston), lançada no dia 28 de junho, em parceria com a PureTech – investidora ligada a pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A Sonde Health pretende desenvolver um software para os consumidores poderem rastrear casos de depressão, bem como doenças respiratórias e cardiovasculares.
A empresa vai começar analisando áudios gravados de pacientes fazendo leituras em voz alta, tendo como objetivo desenvolver uma tecnologia que possa extrair características vocais sem realmente ter que gravar o que for dito.
Jim Harper, diretor da Sonde Health, afirma que a ideia é “aprofundar o monitoramento e recolher algumas informações através de dispositivos/aparelhos que as pessoas já possuem”.
Da mesma forma, a empresa IBM está unindo o trabalho do supercomputador Watson Healthcom pesquisadores acadêmicos para tentar prever, a partir de padrões de fala, se os pacientes são propensos a desenvolver um transtorno psicótico.
A empresa tem trabalhado em diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) através de gravações de voz. Outra empresa de Boston, a Cogito, está desenvolvendo um aplicativo de análise de voz que está sendo usado pelo Departamento de Assuntos de Veteranos de Guerra dos EUA (US Department of Veterans Affairs) para monitorar o humor dos membros do serviço, o que está sendo testado em pacientes com transtorno bipolar e depressão.
Até mesmo o Exército norte-americano está interessado no tema. No início de junho, o US Armylançou uma parceria com pesquisadores do MIT, para trabalhar na aprovação (por parte do órgão regulador, FDA) de uma tecnologia semelhante à Sonde Health, que tem o objetivo detectar lesão cerebral.
A concorrência é tão grande no setor, que alguns empresários estão focando diretamente o mercado de consumo, fazendo afirmações ousadas, com pouca evidência clínica. “Uma equipe levantou mais de US$ 27 mil no site de financiamento Indiegogo, graças à promessa de desenvolver um dispositivo que irá analisar ‘padrões de voz para ajudar a alcançar a saúde e a vitalidade ideais’”. A campanha também faz referência a planos para reunir dados sobre “frequência de biomarcadores relacionados a sintomas de câncer”.
No entanto, como salienta a reportagem do Stat, “não será fácil fazer diagnósticos vocais clinicamente úteis”, advertiu Christian Poellabauer, cientista da computação da Universidade de Notre Dame (EUA), que estuda biomarcadores para doenças neurológicas. “Pode ser muito difícil isolar a causa real das mudanças nos padrões de fala”,disse ele. Ou seja, as gravações devem ser de alta qualidade para serem úteis, o que pode ser dispendioso. E é preciso ter grandes quantidades de dados para garantir que as correlações sejam confiáveis.
Há, ainda, a questão das diferenças culturais. “Na análise de teste de voz para diagnosticar concussões, por exemplo, a equipe de Poellabauer descobriu que muitos jovens atletas hesitaram ou mudaram de tom quando disseram a palavra ‘inferno’ – por razões que podem muito bem não ter relação com lesão cerebral”. O especialista ressalta que a fala é “um mecanismo muito complicado”. Outra questão igualmente fundamental é o quão útil a informação será para os pacientes, e se os médicos estarão preparados para saber o que fazer com as informações.
“Se você usar este aplicativo e ele disser que o seu discurso indica um acidente vascular cerebral, poderia ser útil. Você vai para o hospital imediatamente. Por outro lado, se ele diz que há uma chance de 38% de você ter uma enxaqueca na próxima semana, eu não tenho certeza da utilidade. Você provavelmente saberá disso de qualquer maneira”, disse o especialista em ética médica Arthur Caplan, da Universidade de Nova York. Ele também sugeriu que tal tecnologia pode ser usada para prever a probabilidade de um surto de raiva ou perda de controle do paciente – e transformar esses lapsos momentâneos em uma patologia. “Onde está a linha que divide o que você quer monitorar e o que não quer?”, questiona Caplan.
Críticos também têm levantado preocupações quanto à privacidade, o que sugere que a tecnologia de análise de voz pode se tornar tão sofisticada que os pacientes poderiam ser identificados pela cadência e tom de voz, mesmo que seus nomes não sejam anexados à uma amostra de áudio. “Não acho que temos tecnologia para descobrir quem a pessoa é, apenas com base na sua voz sozinha”, disse Cheryl Corcoran, uma especialista em esquizofrenia na Universidade de Columbia, que tem colaborado com o projeto da IBM Watson. “Mas essa é uma tecnologia que pode muito bem existir no futuro”.