Remédio contra o custo
27/06/2016
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Com a maior inflação médica da década e em meio à crise, as empresas buscam maneiras de controlar o avanço dos gastos com a saúde de seus funcionários
Por Aline Scherer
Com o agravamento da crise, averiguar com lupa despesas que pesam no orçamento se tornou uma tática de sobrevivência fundamental para as empresas brasileiras. Nessa busca, um item cha¬ma a atenção: os planos de saúde corporativos. É o segundo maior custo com recursos humanos, depois da folha de pagamentos. E cresce a um ritmo cada vez mais intenso. Os custos médicos e hospitalares – mais conhecidos como inflação médica – aumentaram, em média, 70% acima da inflação no Brasil nos últimos anos. Há diversas razões para que isso aconteça. A cada dois anos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o mercado de planos de saúde do Brasil, inclui novos procedimentos obrigatórios no rol de cobertura das operadoras. Em 2016, foram 21 novos procedimentos, como um exame para o diagnóstico da dengue e um medicamento oral para o tratamento do câncer de próstata. Novos exames quase sempre significam novas – e caras – tecnologias. Neste ano, a inflação médica deverá chegar a 20% – a maior da última década. Quem paga a conta são as empresas, que custeiam 66% das vidas cobertas por operadoras e seguradoras no país. Há dez anos o benefício consumia 9% da folha de pagamentos. Hoje chega a quase 12%.

Diferentemente de outros itens de despesa, no caso dos custos de saúde há poucas variáveis que possam ser de fato controladas. Não é possível impedir, por exemplo, os funcionários de “consumir” os serviços médicos a que têm direito. É curioso notar que as demissões não ajudam a reduzir o peso desse problema. Ao contrário, elas tornam a combinação ainda mais explosiva. Funcionários demitidos, que, por lei, mantêm o direito ao plano por pelo menos seis meses, ou funcionários com medo da demissão tendem a fazer mais exames e mais consultas, antes que seja tarde. Segundo a consultoria Willis Towers Watson, os demitidos costumam usar 30% mais o plano de saúde do que os empregados, aumentando a sinistralidade da empresa e, consequentemente, o reajuste do contrato com a operadora. Diante desses custos aparentemente inevitáveis, restam três opções. A primeira é seguir o caminho mais rápido e dividir a conta com os próprios funcionários reduzindo a cobertura ou ampliando a coparticipação por procedimento realizado. Esse tem sido o caminho seguido pela maioria. A Mercer Marsh, que dá consultoria em gestão de benefícios ao trabalhador, entrevistou 513 empresas de 31segmentos e um total de 2 milhões de segurados para saber quais são as principais ações tomadas para reduzir custos com saúde. Mais da metade – 51% – já divide os custos dos planos de saúde com os funcionários, cobrando uma contribuição mensal ou uma coparticipação a cada atendimento realizado – o limite indicado pela ANS é de 30%. E 37% pretendem, até o fim do ano, incluir ou aumentar a coparticipação dos funcionários – ou ainda redesenhar o modelo dos planos oferecidos (por exemplo, diminuindo a abrangência geográfica). Muitas – 40% – vão trocar de operadora em busca de contratos mais baratos, uma segunda opção, mais rápida. A terceira opção demanda mais tempo, embora tenha potencial para trazer resultados mais duradouros: fazer a gestão da saúde. De acordo com o mesmo levantamento da consultoria Mercer Marsh, somente 20% das empresas têm programas de gestão de saúde – mas outras 40% pretendem iniciar projetos nesse sentido até o fim deste ano.

DANÇA, FUTEBOL E BOLICHE
A Cielo, maior processadora de pagamentos com cartões do país, optou pelo caminho mais árduo. Em 2013, pediu a seus 2000 funcionários que respondessem a um extenso questionário sobre seus hábitos. Assim descobriu, por exemplo, que 68% do pessoal era sedentário. O sedentarismo é a quarta maior causa de morte no mundo e favorece o desenvolvimento de doenças crônicas, como hipertensão, câncer e diabetes. Indivíduos com alguma ou várias dessas enfermidades custam, em média, 84% mais do que os saudáveis. Com base em iniciativas tão simples como estimular o uso de escadas em vez de elevadores, subsidiar a mensalidade em academias e patrocinar campeonatos internos de dança, futebol, boliche e paintball, a companhia influenciou na mudança de hábitos dos funcionários. Hoje, 46% deles são classificados como sedentários, uma redução de 22 pontos percentuais. Desde 2014, qualquer funcionário acima de 45 anos tem direito a um check-up anual totalmente custeado pela companhia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Antes, somente os funcionários de cargos executivos tinham direito ao benefício. A mudança fez dobrar o número de pessoas elegíveis – 20% dos funcionários. Uma vendedora descobriu um câncer de mama em estágio inicial e começou imediatamente um tratamento no valor de 100 000 reais. Casos da mesma doença, quando descoberta em estágios mais avançados, chegam a custar 900 000 reais – ou a própria vida. A nova sede da empresa, inaugurada em outubro de 2015, tem um andar inteiro dedicado a massoterapia, apresentações artísticas, refeitório e cafeteria (onde frituras são proibidas). Com investimentos de 1,7 milhão de reais por ano nesses programas, a Cielo reduziu a sinistralidade – ou a frequência do uso do plano – de 90% para 77%. Por causa dessa redução, a companhia conseguiu negociar um desconto de 40% no reajuste do contrato do plano de saúde corporativo proposto por sua operadora, a Bradesco Saúde, em janeiro deste ano. “É preciso perseverança para comandar ações de médio e longo prazo, como o programa de qualidade de vida que reformulamos”, diz Roberto Dumani, vice-presidente de desenvolvimento organizacional da Cielo.

Nesse contexto, as operadoras de saúde estão tentando perder a pecha de vilãs, fazendo mais do que apenas repassar a inflação aos contratos. Cada vez mais atuam como parceiras. Por causa da crescente inflação médica, a Bradesco Saúde, maior operadora do Brasil, passou a mexer no preço de seus produtos três ou mais vezes ao ano. Até 2013, o reajuste era anual. “Há anos os clientes nos pedem ferramentas que os ajudem a ter maior controle sobre os gastos com saúde, mas na metade do ano passado a procura cresceu muito”, diz Marcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde e da MediService. En¬re as soluções oferecidas está o comitê de saúde, uma prática comum entre as operadoras. Trata-se de colocar um especialista para se reunir com o RH de companhias do mesmo porte e analisar a base de dados dos atendimentos para controlar os abusos.

A troca de informações entre empresas acelera a descoberta de maneiras inteligentes de conter os custos. Em 2015, executivos da montadora Renault e do grupo varejista de cosméticos Boticário, que há nove anos se reúnem mensalmente com a operadora de saúde Amil, perceberam uma queda na marcação de consultas em clínicas e um aumento na procura por atendimento no pronto-socorro dos hospitais – cujo valor é quase o dobro das consultas previamente agendadas. Depois da descoberta, funcionários da Amil entraram em contato com os hospitais mais procurados pelos 13 000 segurados da Renault e pelos 7 500 do Boticário e negociaram descontos de até 30% no pacote de consultas e exames nesses estabelecimentos. Enquanto isso, a montadora divulgou internamente campanhas para conscientizar os funcionários sobre a importância de procurar um consultório nos primeiros sintomas ou mesmo o ambulatório existente dentro da companhia desde 2012. Alertou sobre as desvantagens de, em casos sem gravidade, procurar um hospital, como o risco de contrair doenças no ambiente de um pronto-socorro. E também sobre o custo maior, inclusive para o próprio funcionário, já que a Renault desconta 20% de cada procedimento. Com as medidas, a procura por atendimento em hospitais caiu de 38% para 25%, e a marcação antecipada de consultas cresceu de 62% para 75%. “Por causa da crise econômica no país e especialmente no setor automotivo, fortalecemos nossos mecanismos de prevenção de doenças”, diz Paulo Zetola, gerente de saúde e segurança do trabalho da Renault, que acaba de iniciar um projeto piloto para estender as consultas periódicas de funcionários, obrigatórias por lei, aos familiares. A análise da carteira de segurados identificou que 15% dos dependentes têm enfermidades que devem ser tratadas, como colesterol alto e problemas no aparelho digestivo. O grupo Boticário resolveu ampliar de 20% para 30% a coparticipação dos funcionários no pagamento das consultas ou dos exames médicos. “O objetivo é aplicar esse mecanismo para que as pessoas evitem desperdícios, como a repetição de exames num curto período de tempo”, diz Luiz Antonio Barbosa, coordenador de medicina e qualidade de vida do grupo Boticário.

Em vez de fazer o custo doer mais também no bolso dos funcionários, os diretores do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, usaram outro remédio – rechear o bolso daqueles dispostos a participar de um programa de prevenção. Em 2010, a instituição aplicou um questionário para entender os hábitos e a condição de saúde de seus 2 400 empregados. Apenas metade respondeu. No ano seguinte, foi instituído como condição para os executivos receberem metade da remuneração variável que pelo menos 80% de suas equipes preenchessem o tal questionário e participassem do programa de prevenção. “Nossa principal preocupação na época era que as pessoas participassem, afinal o hospital estava investindo 1,5 milhão de reais no programa”, diz Paulo Vasconcellos Bastian, superintendente executivo do Hospital Oswaldo Cruz. Deu certo. O percentual de respondentes subiu para 99%. Com um sistema de pontuação, o hospital acompanha a adesão de seus trabalhadores às iniciativas. Preencher o questionário rende 35 pontos. Tomar vacina antigripal, 5 pontos. Participar de grupos com um objetivo comum, como emagrecer alguns quilos ou diminuir o nível de colesterol ruim, também valem nota e – se alcançadas juntamente com as metas individuais – até prêmios como bicicletas e viagens. Ao somar 120 dos 250 pontos disponíveis, o funcionário garante 10% de sua remuneração variável. O empregado que somar mais pontos ganha um troféu. Os objetivos são definidos durante a consulta periódica com o médico do trabalho, obrigatória por lei em todas as companhias. De 2010 para cá, o Hospital Oswaldo Cruz incluiu benefícios aos funcionários, como academia, workshops de educação financeira, acupuntura e acompanhamento com nutricionista e psicólogo – tudo à disposição na sede do hospital, sempre que os funcionários desejarem. O empenho surtiu efeito. De 2012 a 2014, o contrato de planos de saúde coletivo do hospital não sofreu reajustes e a instituição economizou 6 milhões de reais. Comparar os gastos com funcionários que participam do programa com os que não participam revela números expressivos. O frequentador da academia custa 1 100 reais a menos por ano, o obeso que participa do projeto consome 2 800 reais a menos do que aquele que não participa e o fumante que fica de fora do programa gasta 95% mais se comparado com o participante que fuma. Em seis anos, por causa das ações, a instituição diminuiu o absenteísmo em 15%, o que gerou uma economia de 400 000 reais.

Com o aumento da demanda por prevenção de doenças no Brasil, novas empresas especializadas nessa atividade começaram a surgir. Em 2013, o grupo espanhol Telefónica adquiriu o controle da Axismed, maior empresa de gestão de saúde do Brasil e uma das pioneiras no gerenciamento de doenças crônicas no país. A aquisição faz parte da estratégia global da corporação, iniciada há cinco anos, de diversificar os negócios. A receita do grupo, que faturou 47 bilhões de euros em 2015, foi 6% menor do que a do ano anterior. Os ganhos obtidos com os serviços não telefônicos, porém, como os financeiros, de saúde e logística, cresceram 24% no mesmo período e atingiram quase 4 bilhões de euros. Os clientes vão desde empresas como a de aluguel de carros Localiza e o banco Santander até seguradoras e operadoras de planos de saúde, como SulAmérica, Bradesco, Unimed e Golden Cross. A promessa é a redução de até 30% dos custos com pacientes crônicos. Funciona da seguinte forma: com a análise de utilização do plano de saúde e o cruzamento de dados coletados em questionários sobre hábitos e com o médico de trabalho nas consultas de admissão e periódicas obrigatórias por lei, as empresas identificam quem são os funcionários e dependentes com doenças crônicas ou qualquer outra população de risco. A gestora de saúde telefona para as pessoas identificadas e as convida para participar de um programa de prevenção. Se aceitar, o cliente passa a receber o contato semanal de uma espécie de coach, um técnico de saúde que o aconselha sobre tratamentos médicos, alimentação e atividades físicas. “Já ensinamos por videoconferência o paciente a aplicar uma injeção de insulina”, diz Luciana Lauretti, diretora de operações da AzimuteMed, gestora de saúde fundada em 2010 que faturou 14 milhões de reais em 2015, 30% mais em relação ao ano anterior. O serviço costuma dispor de uma central telefônica 24 horas para receber dúvidas de pacientes e enviar médicos e enfermeiros para atendimento presencial sempre que necessário. Na empresa de telefonia Oi, 1500 funcionários ou dependentes participam de um programa desse tipo desde 2011. Ao longo dos anos, houve queda de 25% nas internações da população monitorada e redução de 13% nas consultas em pronto-socorro. Por outro lado, melhorou o cuidado prévio, com aumento de 11% na realização de consultas e exames de rotina. A empresa de aluguel de veículos Localiza investiu 1,5 milhão de reais num programa como o da Oi, em vigor desde setembro do ano passado.

Detalhes que passariam como irrelevantes despertam o interesse de cada vez mais empresas –com o intuito de melhorar a saúde dos funcionários e, assim, reduzir os custos nesse quesito. A subsidiária brasileira da companhia de pagamentos eletrônicos PayPal aproveitou a reforma num andar de seu escritório em São Paulo, em setembro de 2015, para substituir 44 estações comuns de trabalho por mesas com altura regulável. Basta apertar um botão e o funcionário pode trabalhar em pé ou sentado, quando desejar. Segundo a empresa de mobiliário corporativo Steelcase, pelo menos 25 grandes companhias no Brasil instalaram mesas reguláveis nos últimos 12 meses. Diversos estudos revelam que permanecer sentado de 50% a 70% do tempo aumenta o risco de desenvolver diabetes e outras doenças crônicas. Além disso, ficar muito tempo na mesma posição provoca dores nas costas – a maior causa global de afastamento do trabalho. Com a implementação dessas ações, o resultado é ótimo para os funcionários. E tão bom quanto para as finanças das empresas.



 
Fonte: Abramge




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