Contra máfia, setor da saúde e governo discutem tabelar preços de próteses
21/06/2016

Quase um ano e meio após as primeiras denúncias sobre a “máfia das próteses”, 17 empresas foram investigadas e dez pessoas foram indiciadas por estelionato, corrupção e falsidade ideológica.

No esquema, médicos recebiam propina para fazer cirurgias envolvendo dispositivos superfaturados. A fraude atingiu o SUS (Sistema Único de Saúde) e os planos.

O que mais alvoroça esse mercado que movimenta ao ano R$ 12 bilhões, porém, não são as investigações e sim a possibilidade de o governo tabelar os preços das próteses. O CFM (Conselho Federal de Medicina) defende a medida, atualmente em discussão em Brasília.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também trabalha em um registro nacional de implantes, com padronização de nomenclaturas, que permitirá a comparação de preços.

Hoje, muitos fornecedores proíbem a divulgação dos preços. Isso permite que sejam cobrados valores diferentes pelo mesmo material.

Uma prótese de quadril pode custar entre R$ 2.282 e R$ 19 mil, dependendo do hospital. O preço de um stent farmacológico da mesma marca varia de R$ 7.500 a R$ 29 mil, segundo a Anvisa. Questões regionais explicam parte da diferença, mas a outra parte se deve a propinas e incentivos a médicos e hospitais.

O caso das próteses é a ponta do iceberg de um sistema cheio de distorções, diz o administrador público Paulo Furquim, professor do Insper.

“É chocante saber que um médico pode, por vantagem financeira, escolher uma prótese que custa mais caro e é de pior qualidade, em prejuízo ao bolso e à saúde do paciente “, afirma.

Para especialistas, essa distorção é provocada porque não há indicador de qualidade que permita a comparação de uma prótese com outra. Assim, a estipulação do preço se dá por critérios subjetivos, como o poder do fornecedor ou a indicação do profissional da saúde.

“A transparência de informações e da qualidade, no mínimo inibiria práticas desleais”, diz Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).

REGULAÇÃO
A Abimed (associação da indústria de produtos para a saúde) defende a padronização da nomenclatura dos produtos, mas é contra a regulação de preços. Diz que essas intervenções podem levar à escassez de produtos ou à redução da inovação. Cita como exemplo Japão e França, que adotaram o controle de preços e não obtiveram sucesso.

Segundo Aurimar Pinto, diretor da Abimed, é preciso um olhar mais amplo para todas as etapas das cadeias para resolver a questão.

O mercado é complexo, tem um ciclo rápido de inovação (18 a 24 meses) e um grande número de produtos (pelo menos 50 mil itens) com alto grau de especificidades. Uma única cirurgia de joelho envolve 700 itens e uma operação de quadril mais de mil.

Segundo Pinto, há custos “invisíveis” envolvidos no mercado de próteses, como os de treinamento de profissionais, logística para estocagem e assistência técnica.

Para Miguel Cendoroglo Neto, do Hospital Albert Einstein, a simples precificacão sem a transposição das margens de lucro aos hospitais, pode tornar o sistema insustentável. Muitos hospitais ganham dinheiro vendendo insumos (como próteses) a preços mais altos do que pagam. “É uma forma de corrigir margens negativas de taxas e serviços impostas pela distorção do modelo atual de remuneração de hospitais e médicos”, diz ele.

MERCADO
Ano passado, importadores, distribuidores e fabricantes firmaram um acordo setorial, criando um canal de denúncias com o Instituto Ética Saúde. Em dez meses, foram recebidas 366 reclamações envolvendo 1.195 pessoas e entidades.

A oferta de propina em troca de indicações foi o tópico mais citado. As denúncias são encaminhadas à Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde.

Segundo Claudia Scarpim, diretora do instituto, a ação inclui hospitais e indústria, mas não as entidades médicas. “A gente fica frustrada porque é a parte que deveria estar mais preocupada em acabar com isso.”

As entidades, como o CFM, defendem que a melhor forma de combater as irregularidades é a criação de mecanismos de regulação de préços. O conselho defende ainda que os profissionais envolvidos com corrupção sejam punidos também na Justiça. Em 2010, uma resolução interna proibiu o médico de exigir um único fornecedor de próteses.

Fonte: Abramge




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