Essa discussão, que é mundial mas no Brasil pouco avança, ganhou força nos Estados Unidos com uma nova lei exigindo que todos os pagamentos feitos a médicos pela indústria da saúde sejam liberados ao público.
No Brasil, a ausência de dados atinge todas as esferas da saúde. Vai desde como o orçamento é executado até a forma como o serviço é prestado à população.
O usuário do SUS não sabe quanto tempo vai esperar por uma cirurgia. No Reino Unido, cujo sistema inspirou a criação do SUS, ninguém pode esperar mais de 18 semanas para iniciar tratamento ou fazer cirurgia. E o paciente pode acompanhar pela internet o andamento da fila.
“Aqui, pela falta de transparência, nem fazemos ideia do tamanho dessa fila. Se o paciente conhece alguém com poder e influência, ou recorre à Justiça, consegue mais rápido”, afirma Yussif Ali Mere, presidente do Sindhosp (sindicato paulista dos hospitais privados).
No sistema privado, que atende 25% da população, as pessoas não têm acesso a indicadores de qualidade dos hospitais, como taxa de infecção e índice de mortalidade. Nos EUA, isso é público.
“Quem não gostaria de ter a sua disposição um ranking mensurando a qualidade de hospitais, clínicas, laboratórios e, por que não, profissionais da saúde?”, indaga Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).
Para ele e outros oito especialistas ouvidos pela Folha, a transparência é tema central para assegurar a sustentabilidade financeira e assistencial da área de saúde e estimular a competição.
“Hoje, ninguém sabe direito quanto custa e quanto gasta. Isso vale tanto para o SUS quanto para o setor privado”, diz a médica Ana Maria Malik, coordenadora do centro de estudos em planejamento e gestão em saúde da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo ela, falta transparência em todos os níveis, até nos contratos de prestação de serviços e de compra de insumos, que não deixam claro “o que pode e não pode”. “Falta um mínimo de carinho com o dinheiro público”, afirma.
RASTREAMENTO
Marcos Bosi Ferraz, professor de economia e gestão em saúde da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ilustra o caminho do orçamento público. “É como uma árvore. Do tronco aos galhos e ramos não há transparência. Fica complicado rastrear o percurso do recurso, a sua aplicação em programas e os resultados do investimento.”
No SUS, um exemplo é o investimento no combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, da febre chikungunya e do vírus da zika. Embora os recursos públicos para essas ações tenham crescido, faltam informações para saber quanto de dinheiro vem sendo aplicado de fato nessas ações.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2015 houve a liberação de R$ 1,25 bilhão do piso fixo de vigilância em saúde para Estados e municípios.
A estimativa é que cerca de 70% desse total tenha sido investido no combate ao aedes. Mas como cada município determina quanto investirá, fica difícil saber se isso de fato aconteceu. “Sem transparência, não temos como avaliar se estão sendo tomadas as melhores decisões em saúde”, resume Ferraz.
Para Carneiro, no caso de indicadores de qualidade, a transparência daria mais segurança ao sistema. “Não sabemos quantos eventos adversos ocorreram nos hospitais do Brasil, em 2015, nem na última década.”
Além disso, com dados claros sobre o desempenho assistencial, as operadoras poderiam remunerar melhor os mais eficientes e qualificados-o que ocorrem em países como EUA e África do Sul.
Hoje, as contas hospitalares são consideradas verdadeiras caixas-pretas. Cada hospital define o valor da sua diária, não há transparência, coerência dos valores cobrados e nem especificação dos produtos utilizados.
Cada vez que um paciente é internado para uma cirurgia, o hospital ganha uma espécie de cheque em branco. Quanto mais procedimentos fizer, mais dinheiro receberá do plano. Contas hospitalares respondem por metade dos gastos das operadoras.
Os planos de saúde, por sua vez, remuneram esses prestadores sem saber quanto o serviço vale de fato.
INFORMAÇÃO É PODER
Ainda que necessária, a transparência é insuficiente para reduzir as enormes distorções que se acumulam nos sistemas de saúde público e privado, segundo o administrador público Paulo Furquim, professor do Insper.
“Não basta as pessoas saberem que um determinado médico recebe mais por algum procedimento É necessário que essa informação possa ser utilizada por quem contrata esses serviços.”
Isso, segundo ele, conferiria maior poder de decisão (de escolher médicos e hospitais) e de questionar a opinião de um médico individual, por meio da consulta a uma segunda opinião.
Mauricio Ceschin, presidente da Gama Saúde, defende que haja mudança no modelo de remuneração. Hoje, os planos pagam os hospitais por material e mão de obra usados. Para ele, os pagamentos deveriam ser com base no desfecho clínico, o que exigiria maior efetividade.
“Não vejo sustentabilidade de longo prazo no sistema como ele é hoje”, afirmou Ceschin durante o 3º Fórum A Saúde do Brasil.