Médicos de família podem baratear planos
13/06/2016
Com a alta de até 60% acima da inflação nos últimos 10 anos, operadoras de saúde buscam estimular consultas regulares com clínicos. Expectativa é de queda de até 40% nos preços 

Ivan Luiz Coelho, de 68 anos, costuma procurar um médico, por conta própria, sempre que não se sente bem. O aposentado, como a maioria dos brasileiros atendida pelos planos de saúde, não tem vínculo com um clínico de referência. Ele escolhe o médico orientando-se pelo tipo de dor e pela intuição. O modelo de assistência brasileiro, focado no atendimento primário com especialistas e nas consultas em Pronto Socorro, é caro para o usuário e está com o alerta aceso: pode se tornar impagável. Por isso, aumentam as iniciativas de estímulo para o retorno do clínico geral ou médico de família, que ajudaria a baratear o sistema. 

Os planos de saúde tiveram reajuste recorde esse ano e a previsão é que os preços continuem a subir sistematicamente. Em 10 anos, a alta acumulada pelos planos familiares supera em 60% a inflação do país, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e, no médio prazo, os altos preços podem expulsar usuários do sistema. A reforma no modelo de atendimento dos planos, no entanto, pode ajudar a dar fôlego aos custos. 

Segundo cálculo feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), considerando os reajustes por faixa etária, (que se somam à correção anual da fatura dos convênios), em 30 anos o plano de saúde se tornaria impagável. Em 2040 o Brasil terá 27% de sua população idosa, mais que o dobro dos 12% de hoje. 

O brasileiro está envelhecendo rápido e vivendo mais. A notícia é boa, mas as doenças crônicas vão se multiplicando com a idade, e, se não forem tratadas preventivamente, traçam um panorama explosivo para os custos do consumidor que financia os convênios. É nesse momento que os especialistas do mercado defendem a volta do clínico, profissional que o aposentado Ivan Luiz ainda não frequenta. 

O tradicional médico de família, conhecido no passado, mas que hoje está sumido da praça, pode ajudar a conter custos e deixar o plano até 40% mais barato. Isso porque o médico de referência trabalha preventivamente com os usuários, o que evita o agravamento das doenças crônicas, reduzindo o número de internações, que representam um dos principais custos do sistema. 

Apesar de pesquisas mostrarem os benefícios da atenção primária – ao contrário do que ocorre em países europeus e também no Canadá e Austrália –, no sistema brasileiro o usuário foca seu atendimento nas consultas com especialistas ou no Pronto Atendimento, onde de uma só vez, o consumidor consulta, faz exames e recebe sua receita para medicamentos. “É um modelo de desorganização e desperdício”, aponta José Augusto Ferreira, diretor de provimento de saúde, da Unimed-BH. 

Segundo o executivo, há três anos a operadora está desenvolvendo um projeto de atenção primária, que no momento tem 25 mil usuários. O programa focado no atendimento com o clínico de referência, ou médico de família, que acompanha o paciente e é responsável por encaminhá-lo ao especialista, apontou para uma redução de 32% no número de internações e queda de 15% nas reinternações. “Enquanto o custo do sistema aumenta cerca de 18% ao ano, nesse modelo (da atenção primária) os custos crescem ao ritmo de 4%.” Ferreira calcula ainda que o custo do plano de saúde individual, na comparação com o modelo tradicional, encolhe em até 40%. 

OBSTÁCULOS Inverter a lógica do sistema não é uma tarefa fácil e nem de curto prazo. Ivan Pinheiro, por exemplo, paga a mensalidade de R$ 1.127 para ele e um dependente. No momento, o aposentado faz consultas com um neurologista e toma cinco medicações para manter a saúde em boa forma. Ivan sente falta de ter um acompanhamento integral e por isso está em busca de um geriatra. No seu próprio plano o acesso é difícil, a oferta é fraca. “Ainda não consegui marcar o clínico porque no meu plano de saúde existem apenas três profissionais da área e a procura é grande. Gostaria de ter um médico com uma visão de todo o corpo”, explica. 

A agência reguladora dos planos de saúde lançou um projeto para o tratamento integral ao idoso. “É preciso que a reforma no sistema seja feita de forma ampla e não apenas para a população idosa”, ressaltou o economista Luis Carneiro, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), durante participação do 3º Congresso Nacional de Atenção Integral à Saúde, promovido em Belo Horizonte pela Unimed-Brasil. 

Até 70% da população com mais de 60 anos tem mais de duas doenças, associadas ao processo de envelhecimento. Segundo o executivo do IESS, hoje o sistema de saúde realiza 8 milhões de internações ao ano – os maiores de 59 anos são responsáveis por 2 milhões delas. A projeção é que em 2030 o número dobre, atingindo 4,2 milhões de internações. 

As reformas no sistema de saúde chegam bem mais devagar que a velocidade dos reajustes. Um plano de saúde, contratado diretamente pelo usuário maior de 60 anos, pode custar a partir de R$ 700 e as correções têm sido acima da alta do custo de vida. 

O diretor de desenvolvimento e marketing da Unimed do Brasil, Edevard Araújo, acredita que crise da economia que tem feito os planos de saúde perderem usuários, pode impulsionar mudanças no modelo assistencial, com atendimentos que tragam mais qualidade e menor custo. 

Os números mostram que conter a escalada de custos dos convênios médicos não é uma tarefa fácil, mas é definitiva para que o usuário se mantenha no sistema. Nos últimos 18 meses mais de 1,5 milhão de usuários deixou os planos: ou pela perda do emprego ou pelo rápido encarecimento dos planos individuais. 

Para a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Idec) o modelo de reajuste deve ser revisto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que deve regular também as altas dos planos coletivos e não só dos individuais. “O reajuste dos planos deve guardar relação com o custo de vida do consumidor. Essa é uma decisão política da agência”, defende Joana Cruz, advogada do Idec. Segundo ela, o modelo de reajuste não é sustentável e vai expulsar dos convênios usuários que já têm um longo tempo de contribuição. 

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) defende que a volta do clínico geral ao sistema traria economia para as operadoras e resultados mais rápidos para o paciente. Segundo o diretor-executivo da associação, Antônio Carlos Abbatepaolo, algumas operadoras do setor já vêm colocando o modelo em prática. O executivo reforça que a alta de preços dos convênios guardam relação também com o modelo de remuneração hospitalar brasileiro, que não tem preço fixo por procedimento. Depende ainda do combate às fraudes ao sistema e tem relação com a judicialização. Os brasileiros recorrem ao judiciário para ter acesso a medicamentos e procedimentos negados pelos planos. Entre 2013 e 2015, o custo da judicialização dobrou, saltando de R$ 558,3 milhões para R$ 1,2 bilhão. 
Fonte: Ana HP




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