O escândalo Theranos pode ser apenas o começo
Alerta para o perigo das ideias vendidas como “revolucionárias” na saúde
08/06/2016

Quando a empresa Theranos começou a ser uma sensação na mídia, as manchetes diziam que Elizabeth Holmes, a criadora da empresa, era a mulher mais jovem a se tornar bilionária na América.

Hoje, especialistas do mercado financeiro apontam que a empresa vale no máximo, 800 milhões de dólares, “na melhor das hipóteses”, mencionou a revista de economia Forbes. Para uma empresa que já valeu 9 bilhões de dólares, esta é uma queda vertiginosa. A fortuna de Elizabeth Holmes – que já foi de 4,5 bilhões de dólares – já atingiu a soma “zero”, conforme a revista.

Narrativa romantizada

A contagiante história falava de uma empreendedora da Universidade de Stanford (EUA), que interrompeu os estudos antes de seu trigésimo aniversário, para revolucionar o mundo dos exames de sangue.

Contudo, uma série bem documentada de investigações do Wall Street Journal encontrou problemas alarmantes relacionados à precisão da tecnologia de testes de sangue da empresa. Como diz uma reportagem do portal Fast Company, agora a Theranos está enfrentando investigações de agências federais, que analisam um serviço potencialmente enganoso. Após as revelações do jornal, a Theranos excluiu uma frase em seu site o qual afirmava que seus testes “exigem apenas algumas gotas de sangue.” Ao final das investigações, Holmes pode ser proibida de trabalhar para o mercado de biotecnologia.

Na esteira deste escândalo público, é tentador criar uma narrativa romantizada. “Se a Internet exige nada mais do que um ‘próximo Steve Jobs’ (falecido co-fundador, presidente e diretor executivo da Apple Inc), é uma caça às bruxas”. Alguns especialistas apontaram para Elizabeth Holmes, saudada como ‘o Steve Jobs da biotecnologia’, por ter criado uma tecnologia inovadora.

Por outro lado, publicações conceituadas chamaram a imprensa especializada em tecnologia de “culpada secreta” pelo caso envolvendo a Theranos. “Os investidores da Theranos não deveriam ter colhido informações sobre os problemas da tecnologia ou das suas práticas empresariais, antes de apor elogios tão ufanistas em relação à Theranos?”, questiona o artigo.

Grandes investidores, famosos nos EUA (como o diplomata Henry Kissinger e George Shultz, ex-secretário do Tesouro nacional), apostaram na Theranos, mas tais nomes tinham muito pouca experiência científica, “e o nível de sigilo que a empresa manteve foi realmente muito atípico para uma startup de biotecnologia. E além disso, há toda a complicação que é o sistema de regulação: a FDA (agência que regula alimentos, medicamentos e aparelhos médicos) ainda não divulgou a sua orientação final sobre como irá regular a categoria de testes que inclui a Theranos”.

Todos os envolvidos são dignos de culpa. “Mesmo depois de encontrar os bodes expiatórios, o problema não estará resolvido. Até que se abordem todos os fatores que levaram à ascensão e queda da Theranos, isso vai acontecer novamente. Lançamento, campanha publicitária, fim. De novo e de novo”. Para a Fast Company, um dos maiores catalisadores para este ciclo é o chamado “Dinheiro mudo” (dumb money).

Ignorada pelos maiores investidores

O texto ressalta que “nenhum dos maiores investidores em biotecnologia investiram na Theranos. Cinco das principais empresas do ramo (Venrock, Third Rock Ventures, Polaris, Deerfield e Versant) não se identificaram nem um pouco com a Theranos ou a ignoraram. As empresas do Vale do Silício com práticas de saúde, como o Google Ventures e Bessemer Venture Partners, não foram influenciadas, também”. A Google Ventures é uma investidora em startups em biotecnologia, softwares, hardwares e cuidados de saúde. Já Bessemer Venture Partners fornece capital financeiro e apoio para empresas como Pinterest, Skype, OLX e Linkedin. Na saúde, investiu em projetos como o Cross Country TravCorps (plataforma que fornece uma equipe de enfermagem, que pode viajar para prestar serviços) e a empresa Alnara Pharmaceuticals.

O processo de financiamento de biotecnologia pode ser falho, mas funciona bem o suficiente para perceber um intruso. “Ao contrário de investidores de tecnologia voltada para o consumidor comum, muitos dos principais investidores de biotecnologia gastam até US$ 100 mil em taxas legais e de consultoria a empresários em uma fase de validação inicial, visando o desenvolvimento de uma startup. Esse processo pode levar mais do que um ano”.

“Deve-se esperar que todas as respostas técnicas e regulamentares estejam presentes, ou pelo menos encaminhadas”, aponta Steve Kraus, um investidor de biotecnologia da empresa Bessemer Venture Partners.

“Financiadores do mundo das tecnologias de entretenimento e do consumo, estão explorando oportunidades em cuidados de saúde. Muitos recentemente começaram a fazer apostas na área, o que resultou em uma série de ‘unicórnios’ na tecnologia em saúde”. Um exemplo é o Oscar Health, uma empresa de seguro de saúde fundada em 2012, em Nova Iorque, com um rápido crescimento de valor de mercado nos EUA.

A Oscar Health trabalha, porém, com o engajamento e com incentivos para os seus usuários se tornarem mais saudáveis, mais ativos, e tomarem medidas preventivas para manter e melhorar a saúde. Embora os serviços sejam totalmente personalizados para cada membro, eles são movidos por dados e informações disponíveis na intersecção entre sócios e fornecedores. Os membros podem procurar sintomas na home page do site e encontrar um tratamento com poucos cliques e de forma intuitiva.

Mas críticos da Oscar apontam que na verdade, seu diferencial é apenas este – o engajamento e uso de tecnologia. Somente o futuro dirá se a aposta foi acertada. Um detalhe importante mostra que em 2015, a Oscar perdeu U$ 27,5 milhões; e outros U$ 11,4 milhões no primeiro trimestre de 2016. Uma parte significativa dessas perdas foi atribuída a um pequeno número de pacientes com doenças crônicas, como câncer e diabetes. Na prática, os mesmos problemas das seguradoras e planos de saúde se mantêm: como gerir os custos de pacientes gravemente doentes (e pior, sem redes próprias)?

O fluxo de “dinheiro mudo” na saúde pode parecer perfeitamente inofensivo. Porém, a Fast Company faz uma metáfora para ilustrar o tema:

“Às vezes precisamos jogar espaguete na parede e ver o que fica grudado”.





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