Os problemas de gestão da saúde brasileira chamaram a atenção da comunidade científica internacional presentes no congresso da International Society of Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR), realizado entre os dias 21 e 25 de maio em Washington (EUA). A ISPOR busca incentivar discussões sobre a farmacoeconomia (economia da saúde) e pesquisa de desfechos – resultados das intervenções, como aspectos econômicos e/ou qualidade de vida para os pacientes.
A apresentação do oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus (Porto Alegre), Dr. Stephen Stefani (foto), coordenador do Comitê Latino-Americano da ISPOR, tratou da realidade nacional, chamando a atenção para as dificuldades de acesso dos pacientes aos avanços da medicina em doenças como o câncer.
Em entrevista ao portal Setor Saúde, o Dr. Stephen Stefani ressaltou que há oito anos vem participando do evento, período em que virou coordenador. “Antes não havia representação oficial da América Latina e hoje estamos consolidados. Em termos de participantes e de complexidade de debates. Se discutia, há muitos anos, entre cerca de 1,5 mil pessoas, conceitos de economia da saúde, modelos econômicos e fórmulas. O ISPOR navegava de forma mais simples. Hoje são mais de seis mil participantes latinos”. No total, a entidade científica internacional conta com mais de 20 mil associados no mundo.
“Existe muita dificuldade de acesso e é preciso imaginar um novo modelo. Alguns anos atrás os remédios mais caros eram de, no máximo, US$ 100 mil ao ano. Hoje é dez vezes [superior a] este valor”. Stephen Stefani.
O foco da discussão esteve centrado em ferramentas de gestão sofisticadas e critérios transparentes para definir prioridades, que devem ser trabalhadas de forma ágil e científica, levando em consideração que o cenário global aponta na direção de financiamentos insuficientes para garantir equidade e incorporação das novas, complexas e caras tecnologias em saúde.? “Em países desenvolvidos, está claro o critério que avalia a efetividade da droga e se é viável com o custo. O Brasil não tem esse amadurecimento, nos constrangemos. Achamos que é um medicamento efetivo e já incorporamos. Mas muitas vezes isso é irreal”.
Segundo ele, “o Brasil tem 200 milhões de habitantes e cerca de 43 milhões têm plano de saúde. Chama a atenção as duas realidades: a medicina privada de alta tecnologia e gestão muito próximo ao fee-for-service, onde é gasto o que é pago. Do outro lado temos o sistema público, que é sub financiado e tem problemas sérios de gestão. É um case muito interessante para se estudar”, comentou. “Temos algumas experiências de sucesso, como as vacinas, o tratamento de HIV positivo. Mas os critérios não estão claros para novas tecnologias. O governo tentou dar mais transparência, mas está longe do ideal”.
No setor público brasileiro, muitas tecnologias não são incorporadas. O especialista lembra, contudo, que muitas novidades não são necessárias “porque tem a mesma chance de sucesso de uma droga já existente. Precisamos caminhar em busca de uma resposta intermediária, onde novas tecnologias sejam incorporadas e com capacidade orçamentária, para que os recursos não se esgotem logo no primeiro paciente”.
Em sua participação no ISPOR, Stephen Stefani apresentou o contexto e o cenário do país. “Assinalei alguns fluxos de análises de incorporação de tecnologia. Provoquei a discussão, para que os presentes listassem medidas para o cenário ideal, com o objetivo de apresentar a grandes gestores da América Latina uma espécie de carta de sugestões que, de uma forma ou outra, fosse balizada por um órgão regulador. A ideia é que lideranças saibam o que é pertinente mundialmente”. A previsão é de que o documento seja divulgado ainda em 2016.
“Não queremos encerrar o assunto, queremos provocar, que os responsáveis vejam que não dá para adiar essa solução. As propostas entraram em debate, criaram uma série de inquietações e desconforto, não só dos brasileiros presentes, ao verem essa iniquidade que temos”. Embora o projeto foque a realidade da América Latina, Dr. Stephen Stefani ressalta que qualquer país ou gestor pode adotar o modelo e contribuir com melhorias. “Vários outros países tem esses fluxos maduros. Quando vemos um modelo ideal, temos que adaptar”, entende o oncologista.
“O que se pretende com as novas discussões não é avaliar números, quantos meses de sobrevida a droga oferece por um valor específico, mas a pertinência e a disponibilidade da população. Se o medicamento aumenta a sobrevida e se é para uma doença que não tem tratamento. Se ele dá os mesmos resultados que algo já existente, não posso achar que é uma boa alternativa. O melhor é usar técnicas científicas para separar o que é pertinente do que não é”. Sem dúvida, o Brasil é um dos países mais necessitados, “mas é importante lembrar que não estamos parados no tempo. Os avanços existem, mas estão aquém do ideal”, destacou Stefani.
“Estamos engatinhando nesse modelo. A velocidade das inovações permite acreditar em um novo patamar em breve. Temos talentos e mentes qualificadas para fazer isso no Brasil”. Para o especialista, um dos impeditivos para a qualificação é a falta de incentivo. “É um assunto muito espinhoso. A resposta mais honesta seria: a saúde brasileira deveria ter o dobro de recursos, se comparado a outros países. A metade dos gastos com saúde são voltadas para 20% das pessoas, que têm planos de saúde. Há um problema de equidade se compararmos a saúde pública e privada. Mas a resposta teria que dizer de onde tirar esses valores. Da educação? Da segurança? Muitos países de gestão qualificada também sofrem com a falta e recursos para a saúde”, reflete o oncologista.
Segundo Stephen Stefani, há a necessidade de se pensar em estratégias “mais viscerais e precoces. Ainda vale a pena gastar tanto em pesquisas de um novo remédio? Não podemos pensar em soluções só para um pedaço de todo o sistema”, encerrou.