Mais cara a cada ano que passa, saúde pública no Brasil precisa de solução para seu financiamento que supere o eterno debate entre ter mais dinheiro e gastar melhor.
Por Carolina Pompeo
Em uma das suas primeiras declarações como ministro, Ricardo Barros defendeu um novo pacto para que o Estado brasileiro seguisse capaz de sustentar o sistema público de saúde. A repercussão negativa fez o próprio Barros explicar que falava em ampliar a capacidade de financiamento, não em redimensionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Apagou o incêndio, mas deixou exposto um problema que o país precisa enfrentar com urgência: o custo da saúde.
Entre 2001 e 2015, os gastos públicos com a área subiram 78,5% acima da inflação. O orçamento acompanhou a escalada, embora não seja integralmente gasto. No ano passado, por exemplo, foram executados R$ 106,1 bilhões dos R$ 120 bilhões previstos. Para 2016, o orçamento já sofreu uma redução (para R$ 118 bilhões) em decorrência da queda geral de arrecadação.
A pretensão do governo Temer de desvincular as receitas obrigatórias do orçamento permite um cenário em que esse gasto diminua ainda mais – hoje, no mínimo 13,2% da receita líquida da União deve ir para a saúde. Discussão que não elimina a necessidade de melhor a aplicação dos recursos, seja o ponto de partida um porcentual fixo ou variável.
“Discutir em termos de ‘mais recursos’ ou ‘melhor gestão’ não é adequado, porque os dois aspectos são problemáticos. Mas sem recurso não adianta nem discutir gestão. A saúde é cara: a capacidade clínica é constantemente aprimorada, as pessoas estão vivendo mais e as demandas de saúde mudaram, se tornaram mais complexas e mais custosas”, avalia a pesquisadora Isabela Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Uma das chaves para melhorar a aplicação da verba, segundo Isabela, está em melhorar a atenção primária da população. Assim, evitaria evolução do quadro clínico do paciente para casos mais graves – com tratamentos caros – e aumentaria a população economicamente ativa.
“A maior parte dos problemas de saúde são resolvidas pela atenção primária. Ampliar esse atendimento demanda recursos, mas no médio prazo as despesas com saúde diminuem”, diz.
Barros aponta que, por enquanto, o único caminho possível será gastar melhor, não mais. O desafio da pasta, segundo ele, é conseguir resultados mais eficientes com o orçamento mais enxuto. Para tanto, Barros pretende aprimorar o sistema de informação alimentado pela União, estados e municípios e replicar iniciativas que alcançaram resultados positivos.
“Nunca disse que reduziria recursos, mas que não pediria mais diante da crise fiscal que o país enfrenta. Pedi apenas a recomposição para o cumprimento do que já foi contratado. Mas ainda não estou trabalhando com a perspectiva de redução de orçamento”, afirma.
Um equilíbrio entre os gastos com saúde e outras áreas pode ajudar.Dados da Organização Pan-Americana da Saúde e do Ministério da Saúde mostram que entre os anos 1997, 2001, 2005 e 2011, 37% do total de gastos do Brasil foram para refinanciamento da dívida pública e 3,9% para a saúde. A título de comparação, o Reino Unido gastou em média 7% com a dívida pública e 15% com saúde.
R$ 252 BILHÕES
O mínimo de 13,2% da receita líquida da União destinado à saúde seria maior caso se respeitasse um parâmetro da Constituição: destinar à saúde 30% do orçamento da seguridade social. “Reduziu a parcela destinada à saúde em pelo menos um terço. Desde então, o governo federal manteve o SUS subfinanciado”, diz o médico Nelson Santos, da Faculdade de Medicina da Unicamp. Em 2016,a seguridade social consumirá R$ 841 bilhões. Se 30% fossem reservados para o SUS, a saúde pública receberia R$ 252 bilhões.
OUTROS PAÍSES
Beveridge, Bismarck ou misto: como funciona a saúde pública no mundo
BEVERIDGE
Reino Unido
Exemplo de atenção básica, o sistema de saúde britânico foi implementado depois da Segunda Guerra e prima pelo vínculo entre médicos e usuários. O National Health Service é mantido por impostos e atende a todos os residentes regulares e estrangeiros pertencentes à União Europeia. O custo crescente e a perda de eficiência do sistema dominaram a campanha eleitoral de 2015 no Reino Unido.
BISMARCK
Alemanha
O sistema é financiado por um sistema de contribuições que assegura assistência médica gratuita a todos por meio de seguros sociais de saúde. O pagamento é feito com um porcentual da renda e esse valor é dividido entre empregado e empregador. Desde 2009, o seguro de saúde é obrigatório para todos os cidadãos e residentes permanentes e a cobertura é universal.
MISTO
Estados Unidos
A cobertura do sistema de saúde americano é fragmentada, com diversos provedores públicos (27% dos residentes) e privados (56% dos residentes). Em 2014, entrou em vigor a “Obamacare”, lei que pretende implementar o plano de saúde obrigatório (subsidiado pelo governo).
Terceirização e carreira reforçam debate sobre SUS
A racionalização dos gastos com a saúde pública exigirá uma rediscussão das terceirizações e da criação de carreira própria no setor. A pesquisadora Isabela dos Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, aponta a terceirização de recursos humanos e contratos firmados com prestadores de serviços, organizações sociais e fundações como um grande gargalo de recursos. Ela defende que essa soma deveria ser investida na criação de uma rede de atendimento própria do SUS.
“O governo gasta um recurso do SUS com o que não é o SUS público: 92% dos prestadores de serviços do SUS são entes privados com fins lucrativos. O governo é o principal comprador de serviços do setor privado”, diz.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que não considera a terceirização de pessoal e serviços um problema de gestão. “Tornar tudo público se mostrou menos eficiente, por isso se buscou a solução das parcerias. Temos boas práticas de administração direta, mas de modo geral as amarras da legislação de licitação prejudicam o desempenho do poder público”, disse.
De acordo com o professor da Faculdade de Medicina da Unicamp, Nelson dos Santos, mais de 60% dos trabalhadores do SUS são terceirizados, o que leva a outro ponto de revisão: “Não ter carreira pública de dedicação exclusiva é um grande problema, porque os trabalhadores são demitidos, mal remunerados, não contam com um programa constante de capacitação.”
Barros afirmou que pretende ampliar a discussão com associações médicas para avaliar a viabilidade de uma carreira pública do Sistema Único de Saúde.