"Temos um diagnóstico do problema na saúde, mas não estamos fazendo o que é preciso"
30/05/2016
O médico Paulo ChapChap, diretor do Sírio Libanês : liderança executiva do hospital (Foto: Divulgação)

Quando o médico Paulo Chap Chap assumiu o cargo de CEO do Hospital Sírio-Libanês em fevereiro deste ano, a instituição reconhecia o trabalho desenvolvido por ele e sua equipe para traçar uma estratégia vencedora ao incorporar técnicas modernas de administração, incluindo termos como produtividade e padrão de qualidade a outros mais tradicionais, como bom atendimento ao paciente. Ao instituir os novos padrões, o Sírio alinhou-se com instituições reconhecidas por sua excelência no Canadá, Estados Unidos e na Europa. 

Chap Chap havia assumido a Superintendência de Estratégia Corporativa dez anos antes e trouxe consigo a capacidade de enxergar de que maneira o hospital poderia crescer e se tornar ainda mais relevante. O Sírio-Libanês investiu em torno de R$ 800 milhões na construção e modernização de novas torres. Somando-se os custos da abertura de uma unidade em Brasília e outra em São Paulo, transferência de pessoal para outro edifício e ampliação, o custo ficou em R$ 1,4 bilhão. Completou-se aí um projeto iniciado em 2009, que colocou o hospital à frente no setor de saúde – que levou o Sírio a atingir o primeiro lugar por dois anos consecutivos na área no prêmio Marcas de Prestígio de Época NEGÓCIOS. 

A instituição não se limitou a colher os louros e decidiu levar seu conhecimento e sua experiência em gestão para a saúde pública. Ao assinar parcerias com a Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo, o Sírio tornou-se gestor do Hospital Municipal Menino Jesus, Hospital Geral do Grajaú e o Hospital Regional de Jundiaí. E empresta sua visão de formação e qualificação profissional para o SUS, em parceria com o Ministério da Saúde. 

O Sírio Libanês investiu muito nos últimos anos, modernizou-se e se destacou como referência na área de saúde. A crise fez com que o Sírio Libanês cortasse seus investimentos? 

Nós tínhamos um cenário de crescimento mais agressivo para 2014 e 2015 e nos reposicionamos para um quadro mais conservador em 2016 e 2017. Não tivemos de diminuir drasticamente a curva de investimento, pois esse investimento já tinha sido feito. Então, olhando para o ano passado, com a crise, eu diria que 2015 registrou um crescimento interessante. Apesar de termos aumentado nossa capacidade em apenas 22 leitos entre 2014 e 2015, indo de 429 para 451 leitos, um crescimento praticamente de 5%, a nossa receita aumentou aproximadamente 15%, devido ao aumento no número de pacientes, na procura de exames diagnósticos e demanda por tratamentos oncológicos. Lembrando que já tínhamos uma pressão de demanda, mantivemos os níveis de ocupação em torno de 85%. Para mim, esse é um resultado muito bom. 

O sr. vê essa crise se estendendo para além dos dois próximos anos e afetando os projetos do Sírio? O hospital está preparado para mudanças no cenário? 

Nós adotamos uma ferramenta de gestão que muitas empresas fora do nosso setor utilizam, que é o rolling forecast. Dessa maneira, conseguimos fazer uma previsão a cada mês. De acordo com o resultado real do mês e alguns indicadores antecedentes do mês seguinte, como reservas, nós fazemos um “reorçamento” a cada mês, uma reprogramação. Essa e outras ferramentas nos dão agilidade para que possamos adaptar rapidamente nossa estrutura à demanda, sem perder qualidade. 

Essa e outras ferramentas de gestão, boas práticas e visão estratégica são comuns em empresas privadas, mas ainda são um "fenômeno recente" se pensarmos em termos de saúde no Brasil. Foi isso que possibilitou ao Sírio tal crescimento nos últimos anos? 

Nós tivemos um ganho de ferramentas de gestão muito grande nos últimos anos. Temos uma governança bastante consolidada, com vários comitês do conselho de administração, eficiência, estratégia e finanças. Nossa auditoria é feita por empresas externas. Contratamos há alguns meses um profissional de compliance e estamos trabalhando numa estruturação para ter uma área sólida em dois anos. E instituímos muitas práticas, como relatórios anônimos quando necessário e investigação independente de eventos. A junção desses elementos faz com que o hospital tenha uma maturidade de gestão que nos dá relativa tranquilidade em relação à crise. 

Como foi o processo de abertura de novas unidades e escolha dos profissionais? 

O nosso maior ativo são as pessoas. Nós olhamos primeiro para o que seriam nossos pontos fortes e aproveitamos nosso expertise em oncologia, cardiologia, cirurgia de alta complexidade, transplantes e diagnóstico tanto na radiologia quanto na anatomia patológica – para estabelecer nossas prioridades. Temos atividade acadêmica de ensino e desenvolvimento profissional em todas essas áreas – muito concorridas. São mais de 50 candidatos por vaga para a residência de oncologia, mais de 70 para residência de radiologia, então tentamos trazer os melhores, que são treinados durante três a cinco anos. Aí sabemos quem são os grandes talentos. A mesma coisa é feita com os biomédicos, residência de enfermagem, de física em radioterapia, fisioterapia, farmácia, nutrição, então a expansão sempre esteve muito relacionada à nossa capacidade de formação de ótimos profissionais e atração de grandes talentos formados em outras instituições. Como o Sírio Libanês é uma marca forte e uma instituição onde as pessoas têm o desejo de trabalhar, somos capazes de fazer essa união de talentos. Com isso, pudemos abrir nossa primeira unidade fora de São Paulo, em Brasília. E outra na capital paulista, mas que não fica na nossa sede. 

O Sírio é uma potência, mas em São Paulo há outras instituições, então há gente que vem para cá para se formar ou disputar uma vaga em todos esses centros. Com o agravamento da crise, como fica a situação, todo mundo vai ter que enxugar mais, fazer uma gestão mais apertada? 

O setor de saúde está muito pressionado. Se você olhar os números da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), o crescimento do Sírio em 2015 não reflete o que está acontecendo no setor de saúde. Os números da Anahp referentes aos 23 principais hospitais que forneceram seus dados – Sírio, Albert Einstein, Osvaldo Cruz estão incluídos aí – mostram uma contração nominal de 1,8% da receita 2014/2015. Então você vê que o real é muito mais que isso, com uma inflação na área de saúde em torno de 15%, você tem uma contração talvez de uns 17% de receita real em 2015 frente a 2014. Em termos de despesa, não deu para contrair isso, então é possível concluir que tem gente sofrendo muito mais que essa média. O setor de saúde provavelmente diminuiu as contratações e lidou com o turn over de um jeito diferente do qual vinha lidando. Se isso durar mais tempo, teremos uma preocupação. Acho que os hospitais vão sofrer e fazer as adaptações para não perder qualidade. Esse é o grande desafio. 

Qual foi o principal motivador para a expansão do Sírio Libanês? 

A principal preocupação foi pensar nas pessoas. Um grande número de pacientes vinha de Brasília para fazer seu tratamento conosco. Ao mesmo tempo, havia profissionais que estudaram e se desenvolveram aqui e que estavam em Brasília. Era o caso do oncologista Gustavo Fernandes, por exemplo. Então foram dois os vetores para essa nossa instalação em Brasília. O fato de poder contar com profissionais de altíssimo nível nos deu muita segurança para o investimento. E, claro, a demanda por parte dos pacientes para oferecermos um tratamento oncológico, tanto quimioterápico quanto radioterápico. Um tratamento como esse, que vai além de seis semanas, em que você fica muitas vezes longe da família, em um hotel ou apartamento alugado, é muito ruim. Com essa nova estrutura, conseguimos tratar esses pacientes adequadamente. Entre a primeira e a segunda unidade foram um ano e meio que a gente já usou toda capacidade instalada. 

Tem alguma outra cidade que estaria nos planos de instalação do Sírio para uma unidade ou talvez até mesmo um hospital? 

Estamos estudando cenários no Rio de Janeiro. Ainda é estudo. No Rio de Janeiro temos uma situação muito parecida com a de Brasília, ou seja, profissionais muito bem qualificados e pacientes que saem de lá para fazer tratamento em São Paulo. Quando há essa configuração, pessoas adequadas para trabalhar conosco e demanda por parte dos pacientes, claro que nós temos vontade de montar uma estrutura para exercer toda a linha de cuidados que os pacientes necessitam. Mas só vontade não é suficiente. O investimento em um hospital geral é muito grande, a gente não fez isso em Brasília. E a capacidade de geração de recursos para ficar autossustentável também demora para acontecer. É um ramp up lento, investimento grande em recursos humanos, tecnologia e infraestrutura e uma curva de autossustentabilidade que é longa. Nem falo em lucro porque somos uma entidade sem fins lucrativos. Falta fôlego, não temos um acionista que venha de fora, um fundo que poderia aportar milhões de capital. 

Mas o Sírio estaria interessado em ter um fundo como investidor? Porque os fundos esperam um retorno mais rápido... 

Alguns fundos familiares admitem retorno a longo prazo, acionistas que falam em 30 anos. E eles têm nos procurado. Porque quando você fala em projeto de 30 anos, aí justifica um grande investimento em infraestrutura e tecnologia, não é verdade? É que o hospital ainda não se definiu por esse modelo. Existem modelos de negócio em que isso é possível, você é contratado para fazer a gestão, em vez de ser dono do negócio, aí não tem problema porque o resultado do negócio não é nosso. Você teria um fee com isso. Isso também interessaria porque você poderia alimentar seu projeto filantrópico com esse resultado. 

O Sírio Libanês está envolvido em um projeto de Parceria Público-Privada (PPP) dentro do estado de São Paulo. Poderia explicar melhor como funciona? 

Hoje nós fazemos a gestão de três hospitais, um centro de reabilitação e alguns centros ambulatoriais. Não que as nossas pessoas sejam melhores do que as outras pessoas, mas a administração pública direta em hospitais é muito travada. O regramento não consegue te dar a prontidão que você precisa para lidar com oscilações de demanda que são próprias da área de saúde. Agora, por exemplo, há uma demanda enorme por causa de dengue e zika. E aí como faz o serviço público? Abre concurso, contrata gente, reforça as equipes. E depois a necessidade passa. O que acontece? Manda todo mundo embora? Não é possível, pois esses funcionários possuem estabilidade no emprego. Então ainda que você conseguisse contratar – e não consegue – o atendimento a pacientes durante surtos não tem a agilidade que os hospitais privados conseguem dar. Você tem uma oscilação de demanda que é natural dos ciclos de doença e tem um engessamento para lidar com essa oscilação. A dificuldade nas ferramentas de contratação, compras, é muito grande, então a demora na resposta nem sempre é responsabilidade do gestor público. É o arcabouço que não permite que ele aja com prontidão. E o conceito de prontidão é fundamental. São as duas coisas que devem governar uma assistência de saúde: a oscilação da demanda e a prontidão com que você consegue responder a essa oscilação de demanda. E você ainda lida com recursos escassos, sabemos disso. 

Como o sr. vê esse impacto da crise, aumento de inflação e alta do desemprego no sistema de saúde pública? 

Eu tenho convicção no modelo que proponho para a saúde pública, em que o governo seria um formulador de políticas e fiscalizador de serviços. Mas ele não tem que ser o executor do serviço. Porque ele não terá a agilidade e prontidão e eficiência que o setor privado aprendeu a ter por necessidade de sobrevivência. Tendo dois, um para executar e outro para fiscalizar, já é melhor. Mas o principal aspecto disso na minha opinião, é o compartilhamento da responsabilidade com a sociedade civil. Porque se alguma coisa não vai bem, é o Einstein, é o Sírio Libanês, é o Santa Catarina, que têm co-responsabilidade com o governo. Como governante, esse seria o meu sonho. Para mim, esse é o modelo para o Brasil. Por que não andamos com essa ideia? Porque há uma visão corporativista do funcionalismo público. Tem uma visão dos sanitaristas, o lucro na saúde não pode acontecer... Bem-vindo ao mundo real, eles não compram remédio de farmacêutica? Ou eles querem fabricar todos os remédios e todas as vacinas? Não compram aparelho? Nós temos um diagnóstico preciso dos nossos problemas, mas não estamos fazendo o que é preciso fazer. Se eu fosse do governo, faria isso correndo. 

Que nota o sr. daria para o Sírio hoje? 

Em qualidade e segurança, acho que temos a nota máxima. Nós somos uma empresa de classe mundial. A gente se compara às melhores empresas do mundo, não tenho dúvida. E temos certificações de qualidade que mostram isso. Em maturidade de gestão administrativa, eu acho que podemos caminhar mais. O nosso desafio para este ano tem três direcionadores. Primeiro: garantir a capacidade de atender aqueles que nos procuram. Segundo: aumentar nossa eficiência, até para que possamos abrir a porta a quem não tem direito hoje ao Sírio Libanês. E, claro, manter a qualidade fazendo tudo isso. As prioridades para os próximos dois anos são essas. Todos os nossos projetos estratégicos giram em torno desses três direcionadores. Se conseguirmos cumprir essas três coisas, teremos dado um passo enorme. Agora, sinceramente, acho que nunca devemos ficar satisfeitos, isso é essencial para o que a gente faz. 
Fonte: Ana HP




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