A relação entre regulação e defesa do consumidor foi tema de debate no Brasilcon
Painel contou com a participação da secretária da Senacon, Juliana Pereira, que encerrou sua gestão na mesma semana
12/05/2016

titleDa esquerda para a direita, a secretária da Senacon, Juliana Pedreira; o mediador dos debates e vice-presidente da Unilever, Newman Debs; a advogada e diretora do Brasilcon, Lúcia Magalhães, e o defensor público Daniel Firmato

Apesar das agências reguladoras, no formato que hoje se conhece, só terem começado a surgir no Brasil no início da década de 1990, foi só a partir de 2008 que se começou a avaliar os impactos de sua atuação, bem como seus custos e benefícios, com ferramentas efetivas indicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

E entre as recomendações para essas avaliações, está a de envolvimento da sociedade, o que pode ser feito, entre outras maneiras, pela utilização de consultas públicas, que aumentam a qualidade da análise e melhoram a efetividade das medidas, além de reduzir a litigiosidade e os custos inerentes à regulação. Outro importante ponto que deve ser observado é se a regulação está em harmonia com o Código de Defesa do Consumidor, falou a advogada e diretora do Brasilcon, Lúcia Ancona Lopez Magalhães Dias, durante o painel “Impacto regulatório e defesa do consumidor”, realizado no XII Congresso Brasileiro do Consumidor do Brasilcon, em Foz do Iguaçu, no início de maio.

Lúcia, que atua junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), citou alguns exemplos de processos de regulação do órgão, como o caso em que foi proibido, nas embalagens de alimentos, fora da tabela nutricional, informação a respeito do nível de lactose do produto. Proibição revogada por decisão judicial que considerou que isso feria o direito de informação dos consumidores, já que é muito difícil consultar as letras miúdas da tabela nutricional e esta é uma informação importante para quem tem intolerância a lactose.

Outra questão que chegou a ser fruto de discussão na Anvisa foi se todo caso de inconformidade de alimentos deveria suscitar um recall, quando achou-se por bem que esse expediente só deveria ser utilizado quando o produto pudesse oferecer risco para a saúde dos consumidores.

A regulação social como contraponto à regulação econômica

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Daniel Firmato

O defensor público do Núcleo de Direito do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Daniel Firmato, apresentou-se em seguida, abordando um conceito alternativo de defesa do consumidor, definido por ele como Regulação Social, um contraponto ao modelo, mais usualmente utilizado, de regulação econômica. Daniel considera este último um modelo mais liberal por considerar que as intervenções só devem ocorrer para corrigir eventuais falhas de mercado e que os consumidores já possuem toda a liberdade para exercerem suas escolhas, o que, na visão dos órgãos de defesa dos consumidores, não representa o regramento ideal. “Como os modelos de concorrência perfeita, não existe fora da teoria”, afirmou.

Assim, em uma sociedade tão desigual e estratificada como a brasileira, como afirmou Daniel, uma regulação com forte caráter social, que coloque o consumidor como centro da preocupação, torna-se incompatível a prática do consumismo sem limites.

Entre as ações de uma regulação social, segundo ele, está uma exigência de maior transparência por parte das empresas, oferecendo todas as informações necessárias para que o consumidor possa fazer a melhor escolha possível. “Mas transparência só não basta”, afirmou. O consumidor também precisa de uma maior conscientização sobre o ato de consumo em si, que é hipervalorizado pela nossa sociedade e fomentado exageradamente pela publicidade.

Em slide apresentado, Daniel apontou que 57% das pessoas já afirmaram que costumam fazer compras por impulso em momentos de ansiedade, tristeza ou angústia. Situação que torna-se particularmente dramática quando se considera que, de acordo com dados do Bando Central, de dezembro de 2015, 61,1% das famílias brasileiras estão endividadas.

Outra importante ferramenta de regulação social é o da política de controle prévio, com maior monitoramento, por exemplo, dos contratos ofertados, já que é de conhecimento de todos que quase ninguém os lê antes de contratar um serviço.

“A chave para se construir uma sociedade bem sucedida é encontrar um meio termo entre livre mercado e regulação, tendo o ser humano como centro da questão”, finalizou.

A evolução da relação entre as agências reguladoras e os órgãos de defesa do consumidor

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Juliana Pereira

Mas era a secretária Juliana Pereira, em uma de suas últimas aparições oficiais à frente da Secretaria Nacional do Consumidor, que a maioria dos presentes na plateia mais esperava para ouvir.

Dizendo-se uma pessoa extremamente pragmática devido à sua experiência profissional de 16 anos na área de defesa do consumidor, Juliana recordou-se do tempo da criação das agências reguladoras que, junto com a privatização de muitos serviços públicos, ocorrido na mesma época, foi um movimento que careceu muito de um debate democrático, tendo os órgãos de defesa do consumidore sido alijados desse processo, o que, segundo ela, gerou uma “falta de liga” entre a regulação e proteção do consumidor.

Passados mais de 20 anos, Juliana reconhece, entretanto, que houve avanços de lado a lado, com o aperfeiçoamento da relação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor com órgãos e agências reguladoras. Relação que deve ser respeitosa e transparente, mas que, acima de tudo, precisa gerar resultados efetivos para a sociedade.

Mas esse aperfeiçoamento da relação, como lembrou Juliana, não se deu apenas devido a uma maior conscientização espontânea desses órgãos e agências, mas também devido ao decreto que instituiu a Política Nacional de Relações de Consumo e definiu que as ações dos órgãos federais devem se pautar também pela defesa dos consumidores. Defesa, esta, que deve considerar sempre os efeitos de suas medidas regulatórias na prevenção e solução de conflitos. Medidas regulatórias que, para serem construídas, devem contar com a participação dos órgãos de defesa do consumidor. “Um debate público, uma consulta pública, não pode se limitar apenas a ouvir o que está sendo dito, mas sim a compreender o que está sendo dito, senão torna-se apenas uma consulta pró forma”, afirmou ela.

E os órgão de defesa do consumidor têm muito a contribuir nesse debate. “Hoje, temos no Brasil 800 Procons, que geram uma base de dados de 3 milhões de atendimentos ao ano, o que ajuda a destruir retóricas subjetivas. E a regulação precisa compreender isso”, disse. Como exemplo, citou o caso da padronização das tarifas bancárias, resultado de uma discussão antiga com origem nos dados dos conflitos registrados no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec).

Já ao fim da apresentação, Juliana disse que se despede da Senacon de maneira tranquila e serena, com consciência de ter feito um trabalho árduo e, dentro das condições disponíveis, o melhor possível. Disse ainda que o novo secretário ou secretária contará com seu apoio irrestrito e com um extenso relatório de transição que será encaminhado a todas as lideranças do Sistema Nacional, inclusive com os compromissos já firmados com diferentes setores.

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Juliana Pereira, ao centro, cercada por amigos que vieram prestigiar sua palestra e celebrar o fim de seu ciclo à frente da Senacon

Fonte: CNSEG




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