A Constituição estipula que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas que visem, entre outros objetivos nobres, ao acesso universal e igualitário ao serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A Carta Magna, contudo, não diz que haverá recursos infinitos para tal prestação, como no caso de fornecimento gratuito de remédios.
O SUS tem uma lista de medicamentos aprovados que leva em conta evidência de eficácia e impacto econômico das inovações. Uma noção delirante de acesso universal, contudo, vem pondo esse sistema racional de pernas para o ar, com a proliferação de decisões judiciais que o subvertem.
A chamada judicialização da saúde observa crescimento rápido e preocupante. O Ministério da Saúde viu seus gastos para cumprir determinações da Justiça saltarem 500% em quatro anos e alcançar R$ 1 bilhão em 2015 (pouco mais de 1% do custeio no ano).
Ônus similar recai sobre a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. De 9.400 processos novos em 2010, o contencioso dobrou para 18 mil ações iniciadas em 2015.
Há hoje 47,8 mil decisões em cumprimento, que impõem despesa adicional estimada em R$ 1 bilhão para medicamentos e materiais. Entre outros, antissépticos bucais e achocolatados diet.
Desse valor, R$ 900 milhões se destinam a remédios de alto custo para menos de 2.000 paulistas vitoriosos na Justiça. No programa normal de assistência farmacêutica, gastam-se R$ 600 milhões para atender 700 mil pacientes.
É direito de qualquer um recorrer às cortes para buscar o que lhe parece direito. Também é legítimo que o público pressione o governo para acelerar a incorporação de terapias inovadoras, com o consequente barateamento graças a compras volumosas. Mas isso precisa ocorrer de maneira ordenada, não ao sabor de decisões isoladas.
Salta aos olhos a iniquidade resultante da judicialização desenfreada. O conceito distendido de direito à saúde praticado por juízes, mesmo que com a melhor das intenções, conduz ao oposto do ideal de justiça, pois terminam favorecidos aqueles com mais meios de recorrer a tribunais, em detrimento da massa de pacientes.
Estancar tal sangria de recursos depende de melhorar o domínio técnico dos magistrados sobre a eficácia dos tratamentos que impõem e do impacto de suas decisões sobre o SUS. Para isso vão sendo criados os Núcleos de Apoio Técnico e Mediação nos Tribunais de Justiça dos Estados, que pelo visto têm muito trabalho pela frente. (Folha de S.Paulo-21.04)