Um dos maiores enigmas na saúde global é entender por que muitos países não conseguem
alcançar bons resultados em seus investimentos na área da saúde. Muitos países chegam a
gastar metade do que outros, alcançando os mesmos resultados – às vezes até melhores.
Em artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o presidente da consultoria KPMG e exdiretor
de gestão de sistemas de saúde do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS),
Mark Britnell, destacou que “o estilo de vida e fatores culturais, sem dúvida, desempenham um
papel importante nesse processo, mas depois de trabalhar em mais de 60 países, tenho visto
como os padrões da maneira como a saúde é gerenciada, entregue e financiada também é
crucial”. O especialista listou cinco fatores:
1. Atenção integrada (Israel)
“Um dos melhores sistemas que presenciei, e que consegue equilibrar duas forças
aparentemente opostas, competição e colaboração, está em Israel. A saúde é dividida em quatro
“Operadoras”, que pagam por cuidados e operações das suas próprias farmácias, clínicas de
atendimento básico e hospitais. Isso cria um forte incentivo para manter e cuidar bem dos
pacientes, fora dos hospitais, obtendo fornecedores em todo o processo/tratamento para um
trabalho integrado”.
Na prática o Sistema de Saúde Israelense (SSI) é um sistema público, financiado por impostos e
pelo orçamento nacional, e está composto por quatro “convênios de saúde”. Os convênios de
saúde são licenciados e financiados pelo governo para atender a um plano básico para todos os
cidadãos ou residentes permanentes. Eles atuam de forma similar a uma parceria públicoprivada.
Existem ainda opções premium para aqueles que podem pagar um valor a mais para
terem direito a descontos em medicamentos e serviços de medicina alternativa, nutricionista,
fisioterapia e tratamentos dentários por preços mais baixos. Em relação a estes pacotes, os
planos atuam de forma exclusivamente privada, competindo entre si em questões de preço,
qualidade e serviços.
“Ao mesmo tempo, essas organizações estão constantemente melhorando os seus serviços para
atrair mais membros. Esta é a base para um serviço verdadeiramente techsavvy (termo que
remete à proficiência no uso da tecnologia), um atendimento básico que está sempre inovando, e
que desfruta de uma expectativa média de vida no país de mais de 82 anos e usando 7,2% do
PIB nacional”.
2. Hospitais como sistemas de saúde (Cingapura)
“Incentivos desalinhados e falta de coordenação pode inibir a capacidade dos sistemas de saúde
de implementar melhorias em grande escala. Um dos bons exemplos de como fazer
corretamente está em Cingapura, que em 2013 colocou a gestão de todos os seus prestadores
públicos em seis “clusters”, sob a direção de um de hospital remodelado no centro de cada um.
Sob a liderança da Agência para a Atenção Integrada (Agency for Integrated Care
(http://www.aic.sg/)), esta mudança foi um marco em uma década de reformas – todas com o
objetivo de levar a prestação de serviço para perto da casa dos pacientes”. Segundo a página do
governo de Cingapura, os hospitais foram reestruturados para atuarem como empresas
privadas, porém mantidas e geridas pelo governo. O país é uma referência em gestão pública, e
diferentemente de outros países (como o Brasil), valoriza e investe em meritocracia e ações
concretas contra a corrupção. O Banco Mundial coloca a Cingapura como o Estado mais eficaz
do mundo.
“Poucos sistemas têm mantido um foco político claro e consistente com este objetivo em mente.
Isso deu à Cingapura, uma força inabalável para permanecer como uma das mais longevas do
mundo, com os menores custos em saúde, apesar de um rápido envelhecimento da população.
Cingapura gasta apenas 4,6% do seu PIB em cuidados de saúde, que suporta a expectativa de
vida média de quase 83 anos”.
O país asiático possui 13 hospitais privados (entre eles o Johns Hopkins Singapore International
Medical Centre (http://www.hopkinsmedicine.org/singapore/), única filial desse hospital fora dos
EUA), 10 hospitais públicos e diversas clínicas especializadas, que cobram valores tanto baixos
para os mais pobres como aquelas para a “elite”. Em caso de emergência, os hospitais oferecem
atendimento 24 horas por dia. As instalações hospitalares são comparadas às mais modernas do
mundo, com muitos profissionais qualificados e com especialização no exterior.
3. Padronizar e simplificar (Índia)
“Da perspectiva de um provedor, um processo comum de três etapas pode ser encontrado em
muitos dos sistemas hospitalares mais eficientes do mundo. Se trata das chamadas ultralean
chains (cadeias ultraestreitas, em tradução livre) da Índia, como Narayana
(http://www.narayanahealth.org/) e Apollo (https://www.apollohospitals.com/), ou centros de
excelência mundial, como o Geisinger (https://www.geisinger.org/) nos EUA, uma linha comum
que mostra como alta qualidade e cuidados de baixo custo podem ser alcançados”, afirma
Britnell.
“O primeiro passo é padronizar os fluxos de trabalho clínicos através da definição de melhores
práticas, desenvolvimento de diretrizes explícitas e ter a certeza que estes são sistematicamente
cumpridos. O segundo é desenvolver sistemas que cimentam estas práticas no trabalho diário da
equipe de TI – fazendo das melhores práticas, a opção padrão. E o terceiro passo é mudar a
combinação de competências para que os profissionais altamente qualificados sejam
aproveitados apenas por seus conhecimentos, e outros trabalhadores assumem a tensão dos
cuidados de rotina e gestão do paciente”.
“Fazer isso em escala não é uma solução rápida (a Geisinger levou mais de 15 anos para
percorrer todas as suas principais especialidades), mas os resultados podem ser enormes. A
Narayana triplicou o volume de cirurgias cardíacas por cirurgião, com valor um décimo (1/10) do
custo do NHS e com resultados semelhantes”.
Sugestão de leitura: Em 2013, o Portal Setor Saúde apresentou alguns ensinamentos
do mercado da saúde na Índia, em cobertura da palestra de Vijay Govindarajan
(http://setorsaude.com.br/ vijaygovindarajanensinacomoinovaremsaudecomcustosmenores/),
em São Paulo.
4. Encarar o cuidado social seriamente (Japão)
“Saúde e assistência social são inseparáveis, mas alguns países dão ao último a atenção que
merece. Cuidados com idosos em particular, são muitas vezes o elo mais fraco nos sistemas de
saúde”.
“Um país que compreendeu a importância de cuidados geriátricos é o Japão, que em 2000 viu a
ameaça que as necessidades dos idosos representavam para seu sistema de saúde e entrou em
ação. Entre 1% e 2% da taxa de imposto de renda foi aplicada para pessoas acima de 40 anos –
uma medida ousada considerando o crescimento populacional lento e as políticas do país. O
imposto pago por um serviço nacional de cuidados a idosos financia atendimento domiciliar e
comunitário para todos os cidadãos. Foi uma decisão cara em um primeiro momento, mas em
longo prazo tem impedido aumentos incalculáveis para gastos em hospitais e preservou o setor
saúde de atender aquela que é, hoje, a população mais idosa do mundo”.
5. Poder pagador (Reino Unido)
“Um olhar sobre as nações que consistentemente estão no topo dos sistemas de saúde mais
eficientes do mundo, mostra que muitos compartilham um traço comum. Hong Kong, Itália,
Dinamarca, Noruega, Singapura, Espanha e Nova Zelândia têm uma forma de pagamento única
ou centralizada. Este modelo impõe um freio vital sobre os custos que explica grande parte das
taxas mais lentas de crescimento da despesa nestes países, em comparação àqueles com os
contribuintes díspares como EUA, Alemanha ou Holanda”.
“Com o grande poder pagador, surge uma grande responsabilidade. O risco para esses sistemas
é que os custos sejam controlados além da mera eficiência. Este é o debate agora no Reino
Unido, onde uma lacuna se abriu entre o NHS e os vizinhos europeus na proporção do PIB gasto
em saúde (ver relação dos gastos de países da OECD (http://www.oecd.org/newsroom/majorbrakeinhealthspendinggrowthasgovernmentscutbudgetsinthecrisis.htm)).
Não há dúvida de que o NHS já é um dos sistemas mais eficientes do mundo. Com o retorno dos tempos de
prosperidade, é vital que o produto de crescimento econômico encontre o seu caminho nos
cuidados de saúde – caso contrário, o nosso sistema de saúde altamente renomado será em
breve, chamado de ‘sistema doente’ da Europa”.