Receita para Não Universalizar a Cobertura à Saúde em Países em Desenvolvimento
05/04/2016
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Fonte: Monitor de Saúde – 28/03/2016

Por André Cezar Medici

Introdução Nos últimos anos, países, instituições globais e fundos de filantropia internacional tem dado importância crescente ao tema da cobertura universal de saúde, o qual vem surgindo com grande consenso na confluência de duas vertentes: (a) o contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS– que substituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM – cujas metas expiraram em 2015[i] e; (b) o contexto dos direitos sociais, na agenda de direitos humanos, onde a universalização da cobertura de saúde (UCS) saúde passa a ser um atributo inalienável de cidadania[ii]. Muitas instituições tem se dedicado a avaliar de forma esporádica ou sistemática os processos que buscam a UCS em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento[iii]. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define cobertura universal de saúde como o direito de todos em ter acesso aos serviços que necessitam, com garantia de boa qualidade e sem sofrer restrições financeiras para pagar por estes serviços. É crescente o número de países que passam a incorporar o tema da saúde universal em suas constituições e legislação ordinária. Já chegam a muitas dezenas[iv]. Nos países desenvolvidos, onde predomina o estado de bem estar social, como a Europa e o Japão, a aceitação social coletiva da idéia de cobertura universal de saúde, passou pela construção de valores, práticas e comportamentos dos agentes públicos e privados que levaram a coesão social e ao crescimento econômico.

A coesão social pode levar um país a aceitar socialmente a ideia de universalização de cobertura de saúde (UCS). Ela é inversamente proporcional a existência de problemas sociais como a desigualdade de renda, a violência urbana, a violência social, à criminalidade e à corrupção no setor público. Todos estes fatores acima mencionados geram elementos que tendem a aumentar o isolacionismo, a frustração e o sentimento de desproteção entre indivíduos e entre classes sociais. Portanto, quanto menores forem estas pragas sociais, maior o espaço para construir coesão social. O crescimento econômico é o vento necessário para garantir os recursos (da sociedade e do estado) para o financiamento da universalização de cobertura de saúde, pois permite que aqueles que podem financiem sua saúde ao mesmo tempo em que gera os recursos solidários para financiar as saúde dos que não tem recursos pessoais.

Mas o que acontece nos países em desenvolvimento? Um estudo recente publicado no New England Journal of Medicine (Gupta V., et al, 2015) realizado em um conjunto de países em desenvolvimento (Chile, México, China, Tailândia, Turquia e Indonésia) buscou identificar como a ideia de universalização da cobertura em saúde se desenvolveu, testando não apenas estas duas variáveis (coesão social e crescimento econômico) mas três outras mais que foram chamadas de decoro legislativo, insatisfação pública e existência de uma figura política com visão transformadora (liderança).

Os autores definiram como decoro legislativo a relativa facilidade em assegurar que a agenda política de um candidato, partido ou regime possa ser transformada em lei. Esta variável depende da funcionalidade do Governo e da harmonia entre os poderes executivo e legislativo. Na Tailândia, por exemplo, o executivo e o legislativo tiveram problemas mas, ao fim, se harmonizaram no apoio à universalização de cobertura de saúde durante a reforma. A maioria dos outros cinco países enfrentam desacordos sobre a implementação, embora não tenham gerado processos para revogar as políticas do executivo na direção da universalização de cobertura.

 

Na China e Turquia, por exemplo, a falta de oposição pode ser atribuível a sistemas políticos que não permitem desacordos de qualquer espécie. No México e Indonésia, a reforma foi liderada por presidentes populares, como Vicente Fox e Joko Widodo fazendo com que as divergências fossem superadas. A insatisfação pública existe quando há um consenso social de que o titular de um governo não é competente para organizar a prestação de serviços públicos tais como cobertura de saúde ou assistência social, fortalecendo as promessas de reforma de saúde de seus sucessores políticos. Na Turquia, por exemplo, o caminho para a cobertura universal de saúde foi traçado após uma década de governos disfuncionais e indignação social, levando à eleição de um líder populista – Recep Tayyip Erdo?an – que promoveu a cobertura universal como uma de suas principais promessas de Governo em 1999.

 

Tanto no México como na China, medos de revoltas sociais com a falta de atenção médica, principalmente em regiões rurais, levaram ao desenvolvimento de políticas como o Seguro Popular (México) e a Seguro Rural de Saúde (China). Por fim, e como decorrência da variável anterior, a existência de uma figura política com visão transformadora e liderança parece ser um fator de sucesso para a implementação de uma reforma de saúde. Mesmo em países desenvolvidos (Bismarck na Alemanha, Enrico Berlinguer na Itália, Barak Obama nos Estados Unidos) as reformas de saúde com ampla aceitação foram associadas a campeões políticos. No caso dos seis países mencionados, cinco deles (a exceção foi a China) tinham um líder transformador para realizar a reforma.

No entanto, tal consenso e suporte político depende de um período de provas e resultados, visíveis para a população, em relação a implementação dos processos de cobertura universal. Revisões recentes mostram que existe uma grande heterogeneidade, tanto nos resultados como na concepção, organização e implementação das reformas de saúde. Em que pese a existência quase generalizada nos processos de reforma em busca da cobertura universal na inclusão dos mais pobres, nem sempre eles alcançam os resultados esperados. No que se refere ao financiamento a prevalência dos esquemas de universalização de cobertura tem enfatizado modelos de financiamento baseados em fontes diversificadas de recursos (impostos, contribuições sociais, seguros privados e co-pagamentos). Portanto, são muitas (e complexas) as variáveis políticas, técnicas e organizacionais que intervêm no processo de implantação da cobertura universal, mas o fundamental é a geração de consenso (coesão social), factibilidade técnica e financeira das medidas propostas e suporte político e da opinião pública para que o processo avance. Do Século XX ao Século XXI: A Transição dos Modelos de Organização da Saúde Segundo Gedion, U. et al (2013), a literatura tradicional diz que há essencialmente dois grandes modelos públicos de organização de sistemas de saúde surgidos nos últimos 150 anos: os sistemas nacionais de saúde (SNS), geralmente financiados por impostos gerais, e cobrindo toda a população com prestação pública direta de serviços (comumente referido como o Modelo Beveridgiano) e os Modelos de Seguro de Saúde (MSS), normalmente organizados para a população trabalhadora, segmentados de acordo com a participação da população no mercado de trabalho e, geralmente financiado por impostos sobre a folha de salários (comumente referido como o Modelo Bismarckiano). Além do financiamento, as diferenças entre esses modelos se baseiam em vários temas que passam pela definição dos benefícios, as formas de organização da provisão de serviços; as formas de pagamento aos provedores e as formas de gestão do risco financeiro e atuarial. No entanto, ainda segundo Gedion, U. et al (2013), vários autores tem argumentado que esta dicotomia entre SNS e MSS não se justifica para definir os atuais processos de universalização de cobertura de saúde, dado que a realidade desses sistemas é muito mais complexa e diversificada. Muitos autores vão ainda mais longe, dizendo que o conceito de cobertura universal de saúde não implica um determinado modelo de organização da saúde, dado que vários caminhos poderiam levar a sua consecução, cumpridas algumas condições. Tomando como exemplo o tema do financiamento – principal elemento que definia a separação entre os modelos bismarckiano e beveridgiano – a origem dos recursos é somente um dos elementos de análise para definir a organização do sistema, ao lado de como os recursos são concentrados para se submeter a uma lógica comum (pooling) e os sistemas pelos quais se organiza a compra e o pagamento dos serviços. Mas do que isso, o que se verifica na maioria dos casos é que existem sistemas de saúde que combinam distintos modelos, como é o caso do Brasil, onde um sistema nacional de saúde (o SUS) convive de forma fragmentada com um modelo de seguro de saúde (a saúde suplementar). É por este motivo que aqueles que defendem a UCS não preferem um mecanismo específico de financiamento, mas buscam a solução que seja técnica e politicamente mais adequada e socialmente mais justa para o financiamento e organização da saúde em cada país. Neste contexto, a discussão de tentar contrapor a ideia de sistema único de saúde x cobertura universal de saúde, ao tentar induzir que a ideia de que cobertura universal de saúde é excludente, como tentou ser feito por uma minoria do movimento sanitário no Brasil, é totalmente carente de sentido[v]. No entanto, existe uma característica comum dos países que buscam a UCS, que é a meta de cobrir 100% da população com qualidade e proteção financeira para a saúde e isto requer que, em grande medida, haja um esforço público para subsidiar a saúde dos mais pobres. Não interessa qual o tamanho e a riqueza do país. Para que todos tenham uma saúde de qualidade com a tecnologia das intervenções necessárias para a promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, é necessário o subsídio público e para garantir o acesso dos mais pobres. Além disso, são necessários esforços para uma organização e entrega eficiente dos serviços. Nos Estados Unidos, por exemplo, programas subsidiados para os pobres como o MEDICAID e para os idosos, como o MEDICARE representam grandes parcelas do gasto público norte-americano e são essenciais na estratégia do Plano Obama em alcançar a UCS naquele país. Uma outra característica importante na maioria dos países que defendem a UCS é a crença nos mecanismos de pré-pagamento (como os seguros públicos e privados) e evitar a ideia de pagamentos diretos do bolso dos contribuintes (out-of-pocket), inclusive para medicamentos, que em geral são regressivos, ineficientes e podem levar ao empobrecimento das famílias. Este tema normalmente não é abordado por aqueles que defendem a ideia de SNS que, ao considerarem que a oferta pública é universal, se esquecem de monitorar os aspectos relacionados a demanda que indicam como a falta de acesso aos serviços e medicamentos tem um efeito perverso no aumento dos gastos das famílias com saúde. Não existe, por outro lado, um esquema pré-definido de como será a entrega de serviços de saúde para a população nos modelos de UCS. Esta poderia ser feita por estabelecimentos públicos, privados, filantrópicos ou lucrativos, prevalecendo os arranjos onde, através de sistemas de pagamento relativamente uniformes se permite a existência de um mix público-privado de provisão de serviços. Satisfação dos Usuários em Países com e Sem UCS Pesquisas que busquem analisar as características de países que buscam a UCS vis a vis países que não tem esses sistemas são escassas e desatualizadas. Algumas mudanças ocorreram nos últimos anos sobre como tem avançado o UCS em alguns países da OECD – tais como a decisão de levar os Estados Unidos no rumo da UCS a partir do Plano Obama em 2008 e os impactos negativos da crise financeira de 2008 nos países europeus que implementavam o UCS – mas poucos estudos e análises tem se dedicado a uma avaliação mais recente destes impactos. No entanto, dados de uma pesquisa Gallup realizada nos países da OECD podem dar algumas evidências prévias à crise de 2008 em países que adotaram e não adotaram a UCS. Esta pesquisa mostra basicamente a diferença de percepção dos indivíduos sobre a qualidade do seu sistema local e a aceitação da política nacional de saúde do país.

Tabela 1: Percepção dos Indivíduos sobre a Qualidade das Políticas Locais x Política Nacional de Saúde em Países da OECD – 2008

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Os dados da tabela 1 mostram que em geral, os países que buscam UCS no universo da OECD (com exceção da Suíça e em certa medida dos Estados Unidos) tem um nível de satisfação dos usuários mais baixo com seus sistemas locais de saúde (67,4%) do que os países que não tem UCS (76,7%). Com relação à percepção das políticas nacionais de saúde, os países com UCS tem um nível de satisfação médio de 69,6%, comparados com 60,1% dos países que não tem UCS. No entanto, em termos médios, verifica-se que a satisfação em ambos os casos com os sistemas locais é maior do que com os sistemas nacionais de saúde e que a discrepância entre o nível de satisfação entre os sistemas locais e os nacionais é praticamente a mesma para os dois tipos de países (em torno de 7%). Portanto, duas lições aprendidas podem ser elucidadas destes dados: (a) sistemas com UCH tem maior adesão da população do que sistemas que não tem UCH, do ponto de vista de seus resultados, e; (b) existe uma preferência (indicada pelo nível de satisfação) entre os sistemas locais do que em relação às políticas nacionais, favorecendo a ideia de que políticas de descentralização de saúde tendem a ser mais aceitas. Comparando estes dados com aqueles relacionados as pesquisas de satisfação dos usuários em saúde da CNI-IBOPE no Brasil, e considerando que o Brasil se insere no marco do UCS (apesar de adotar uma política de SNS) podemos verificar que o nível de aprovação (satisfação) com a saúde entre a população se reduziu de 47% para 34% entre junho de 2009 e junho de 2013[vi] e nos anos mais recentes a insatisfação só tem aumentado, especialmente agora, em função da crise. Receitas para Não Universalizar a Cobertura da Saúde O ex-Ministro de Saúde do México – Julio Frenk publicou um artigo na prestigiosa série do The Lancet[vii] destacando os princípios em prol da UCS. Mas muitas das ações propostas por Frenk não vem sendo seguidas pelos países da América Latina, acarretando dificuldades de natureza técnica e política para alcançar o UHC. Segundo Frenk, o alcance da UCS necessita da definição de novos arranjos financeiros e a transformação em larga escala da organização dos sistemas de saúde, especialmente nos países em desenvolvimento. Mas muitos países cometem erros ou omissões que, quando persistentes, atuam como receitas para prevenir ou retardar o processo de alcance da UCS. Entre estes erros ou omissões se destacam:

 

A existência de esquemas de cobertura fragmentados para diferentes grupos populacionais, como os que estão no mercado formal e informal, ou em seguros contributivos e sistemas financiados por recursos fiscais). Países que pretendem universalizar a cobertura de saúde devem evitar segmentar os modelos de saúde para os setores formal do informal e, buscar a regra da igualdade de direitos para todos. Países com sistemas de saúde segmentados, como o Brasil, devem conceber políticas para reduzir as disparidades entre os grupos sociais no acesso aos serviços e nas oportunidades de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. Este processo de integração do pluralismo deve ser gradualmente implementado para que seja sustentável do ponto de vista financeiro e da harmonização política dos interesses dos atores envolvidos no processo.

 

A falta de mecanismos que procurem reduzir os gastos diretos em saúde dos orçamentos familiares com saúde, especialmente em medicamentos, que alcançam larga proporção dos gastos das famílias, especialmente das mais pobres.

 

A falta de processos que identifiquem as necessidades em saúde e as compatibilizem com as disponibilidades para o financiamento da saúde. É necessário planejar as necessidades de saúde com base em evidências. É necessário gerar progressivamente o espaço fiscal para o crescimento dos gastos em saúde associados ao efetivo conhecimento das necessidades de saúde. É necessário calcular o valor do subsídio público e dos recursos disponíveis que as famílias e as empresas podem aplicar em saúde, de acordo com os seus níveis de renda e suas margens de rentabilidade, respectivamente. É importante que existam mecanismos compensatórios que permitam que os gastos com saúde, tanto fiscais como das famílias e das empresas, possam constituir reservas que tenham caráter compensatório a longo prazo em relação às flutuações econômicas. Países como Singapura, por exemplo, utilizam contas de poupança de saúde que tem esse tipo de efeito. Mas a maioria dos países em desenvolvimento gastam com saúde o que arrecadam o que está disponível nos fundos das empresas e no orçamento das famílias, num sistema de repartição simples (pay as you go). Formas de capitalização dos recursos para a saúde podem ser importantes para garantir os efeitos negativos de flutuações futuras nas necessidades de gasto. Podem ser importantes também para fazer provisões de recursos, a médio e longo prazo, para financiar os processos inexoráveis de aumento de gasto em saúde trazidos pelo envelhecimento populacional e pelo aumento da carga de doenças crônicas.

 

A falta de processos que harmonizem eficiência e qualidade do gasto, não somente como mecanismos para melhorar a qualidade do paciente, mas para reduzir gastos desnecessários, reinternações e outros processos que levam ao aumento do gasto simultaneamente à deterioração dos resultados assistenciais. Nesse sentido, os sistemas de saúde deveriam ser capazes de estar estruturados para dar respostas as problemas agudos e crônicos dos indivíduos – colocando o indivíduo como centro do sistema – de forma a garantir a segurança dos pacientes estando acreditados para exercer da melhor forma possível sua função assistencial, com os melhores processos de gestão existentes. Devem estar baseados em uma hierarquia de serviços – processos de referência e referência – que garantam o atendimento de acordo com o grau de complexidade requerido, evitando desperdícios e trazendo resultados mais rápidos e melhor qualidade de vida ao paciente.

 

As deficiências na formação, disponibilidade e distribuição dos recursos humanos em saúde, as quais constituem fortes barreiras para a expansão de cobertura da saúde em muitos países em desenvolvimento. É necessário melhorar a qualidade e conhecimento dos profissionais, definir adequadamente e aprimorar suas competências e permitir um mix profissional que garanta a atenção de melhor qualidade ao paciente, assim como a disponibilidade dos trabalhadores em saúde nos diversos níveis assistenciais.

 

As deficiências nos processos de gestão e entrega de serviços. Sistemas universais requerem mecanismos para aumentar a escolha dos gestores e usuários do sistema de saúde, a fim de aumentar a eficiência e a satisfação dos cidadãos quanto aos serviços que lhe são brindados. Estes requerem cada vez mais o conhecimento dos resultados e ter certeza da aplicação de um conjunto de regras claras e conhecidas que lhes permitam avaliar adequadamente a performance do sistema de saúde. A concorrência entre provedores para a entrega dos serviços, junto a redução das assimetrias de informação entre todos os atores do sistema (especialmente os cidadãos), permitirá uma distribuição mais justa do poder entre os distintos atores do sistema e o empoderamento dos usuários, os quais poderão selecionar os provedores que melhor lhes convém com a informação acertada para a tomada de decisões. A este processo se soma a descentralização da gestão dos serviços e os mecanismos de participação da sociedade que constituem os mecanismos mais rápidos para a resposta às necessidades de saúde da população.

 

A falta de um papel chave do Estado como normador e regulador do sistema. Atualmente, boa parte do Estado, tanto ao nível do poder central, como ao nível de poderes locais, atua como gestor e executor das ações de saúde, o que o inibe para tomar ações corretivas que penalizem suas próprias estruturas de oferta. Ao assim fazer, o Estado se transforma em cúmplice de sua própria ineficiência e deixa de cumprir adequadamente seu papel de regulador e gestor dado que fazer isso adequadamente significaria cortar sua própria carne.

 

A falta de uma estratégia coordenada e consistente de utilizar os avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TICs) à serviço da melhoria da atenção à saúde, criando mecanismos automáticos de monitoramento e avaliação das ações de saúde, agilizando os processos de marcação e agendamento de serviços, cruzando informações sobre oferta e demanda para saber a disponibilidade e a localização imediata de recursos, assim como saber os problemas do sistema em tempo real e corrigi-los antes que se agravem. Investir em TICs em saúde é um requisito básico para a eficiência e para a solução de problemas do sistema de saúde.

 

A falta de transparência e prestação de contas na gestão dos sistemas de saúde. É necessário aumentar a responsabilidade dos gestores e a geração de informação para que todas as instâncias saibam como os recursos para a saúde vem sendo utilizados e com que resultados.

Esse conjunto sintético de falhas esta na raiz de como operam muitos sistemas de saúde na América Latina, inclusive o brasileiro, e são a razão pela qual os resultados do SUS tem sido muito aquém do que poderiam ser. Resolver estes problemas, não somente é um imperativo de cidadania mas constituem a chave para que se possa avançar na efetiva universalização de cobertura nos países em desenvolvimento. Mas no caso do Brasil, a questão ainda é mais complexa. Vimos, no início dessa postagem, que a aceitação coletiva da ideia de cobertura universal de saúde depende de dois fatores primordiais: coesão social e desenvolvimento econômico. Estariam estes fatores presentes na realidade brasileira hoje? Sabemos que não. Vimos que o conceito de coesão social depende da solução de vários problemas, como desigualdade de renda, a violência urbana, a violência social, à criminalidade e à corrupção no setor publico. Como está o Brasil hoje no encaminhamento destes problemas? A desigualdade de renda no Brasil reduziu levemente desde 1996, mas continua a ser uma das mais altas do mundo. E para completar, em 2015, segundo os dados do IBGE, a renda do trabalho voltou a se concentrar num momento de queda da renda real do trabalhador, interrompendo um ciclo de duas décadas de progresso nestes indicadores que haviam começado no Plano Real. A violência urbana e social tem batido recordes nas grandes capitais e cidades de médio e mesmo de pequeno porte começam a sentir os efeitos do aumento da criminalidade e da violência. A corrupção no setor público aumentou vertiginosamente nos últimos treze anos com escândalos como o mensalão e agora o petrolão e muitos outros ainda encobertos certamente virão a preencher os noticiários dos próximos anos. Quanto ao desenvolvimento econômico, a crise econômica atual, que poderá implicar no triênio 2014-2016 uma queda do PIB per capita consecutiva de quase 10%, é a maior que o país já enfrentou em décadas, superando aquela que ocorreu nos Governos Sarney e Collor. Todos estes fatores aumentam a frustração social e reduzem a confiança de que o presente governo é capaz, sequer de enfrentar a crise que ele mesmo criou, quanto mais implementar complexas reformas do Estado que aumentem a equidade social, como é o caso da universalização de cobertura em saúde. Mas este é um desafio que os próximos governos terão que enfrentar com urgência.

Fonte: Abramge




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