Planos de saúde: valem o quanto custam?
08/03/2016
custometroabramge

Fonte: O Globo – 06/03/2016
Ferramenta mostra, em tempo real, desembolso do setor. Especialistas veem estratégia para aumento
Por Ione Luques e Luciana Casemiro
Hoje, ao meio-dia, os custos com a saúde suplementar no país vão atingir R$ 22,7 bilhões este ano. É o que informa o “Custômetro”, nova ferramenta on-line lançada pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) — que representa empresas privadas de assistência à saúde do segmento de medicina de grupo — divulgada em primeira mão pela “Defesa do Consumidor”. Segundo a entidade, o objetivo é dar transparência aos valores investidos pelo setor. Já para especialistas em saúde e defesa do consumidor, o instrumento é mais uma ferramenta do segmento para pressionar por reajustes maiores dos planos de saúde, no cabo de guerra travado entre empresas e usuários.

A exemplo do “Impostômetro”, criado pelas associações comerciais paulistas, o instrumento permitirá acompanhar, em tempo real, os valores desembolsados pelas operadoras para manter os serviços aos cerca de 50 milhões de beneficiários. A cada R$ 4 mil desembolsados, o placar muda.
— A finalidade é mostrar como estamos gastando com o cliente. Durante anos, tivemos uma relação muito desgastada, e isso precisa melhorar. A informação e, principalmente, a sua transparência é primordial em todos os sentidos — afirma Pedro Ramos, diretor da Abramge.
Para a professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ Ligia Bahia, a intenção está distante de ser uma melhora de relacionamento, mas será interessante ver o que virá:
— A intenção é clara: querem justificar aumentos das mensalidades mediante o argumento de que os custos assistenciais sobem mais do que a inflação. Não é que eles estejam errados, nos países ricos isso acontece em função da conjugação de envelhecimento populacional e inovações tecnológicas. No Brasil, porém, não se sabe, pois não existem informações confiáveis. Os empresários se acostumaram a chutar. O que seria útil saber é o gasto por destinação de cada plano e de cada empresa.
‘Medicina bem feita é barata’
Mais contundente, Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), acredita que será impossível o consumidor verificar se aquele custo é o que realmente foi arcado pela operadora, ressaltando que há ganhos em negociações de escala, por exemplo, que não podem ser avaliados pelo usuário:
— Trata-se de uma pseudoinformação, cujo propósito único é o de justificar mais aumentos dos planos, mais benesses fiscais às operadoras e mais calotes ao SUS. É como pedir à raposa para contar os ovos das galinhas.
Num primeiro momento, o consumidor terá acesso apenas ao montante total aplicado pelo setor, mas a ideia, antecipa o diretor da Abramge, é abrir os dados sobre os gastos, por procedimentos e operadoras. Com a divulgação, admite Ramos, busca-se aprofundar a discussão sobre quais são os principais motivos da constante elevação das despesas assistenciais e o impacto no setor. Segundo o Mapa Assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 43,3% das despesas são de internações; 33,6%, de consultas; 18,5%, de exames complementares; e 4,6%, de terapias. Mas o mais importante, diz o executivo da Abramge, é conscientizar os usuários de que 25% do que se gasta, seja no setor privado ou no público, são desperdício, por falta de coordenação no atendimento, tratamentos excessivos, fraudes, corrupção e má gestão:
— Pretendemos alertar o cliente para que use o plano com bom senso. Se marcou a consulta, compareça ou avise que não vai. O índice de absenteísmo nos consultórios, clínicas e hospitais é de 20% a 30%. Isso custa dinheiro, o que acaba pesando para os dois lados. Um terço do montante gasto poderia estar sendo economizado se não houvesse o absenteísmo. Se atingirmos a meta de acabar com o desperdício, quem ganha é o consumidor.
Ramos chama atenção ainda para o fato de que, a cada cem reais gastos na saúde suplementar, R$ 85 vão para os custos assistenciais, ou seja, 85%. Os 15% restantes da receita são divididos entre despesas administrativas e comerciais, taxas e impostos. Ele admite que é impossível falar em custos sem mencionar reajuste de preços, o que pode fazer com que mais consumidores deixem esse mercado: só no ano passado, um milhão de pessoas deixaram de ser beneficiárias de planos de saúde. Este ano, ele estima perda semelhante, já que muitos brasileiros já não conseguem pagar o custo das mensalidades. Mesmo assim, o diretor da Abramge insiste na necessidade de reajustes maiores:
— Nos últimos dez anos, o governo concedeu reajustes aquém da inflação médica, hoje em torno de 17%. Enquanto a inflação era de 10%, davam 5%. Se os reajustes fossem equiparados, estaria tudo equilibrado. Com a atual receita, sem combater o desperdício, não tem como o setor passar pela crise e voltar a crescer. Não há um cálculo atuarial para ver como o aumento do rol da ANS, por exemplo, impacta as operadoras. Aumentam os benefícios, e o que vemos são empresas quebrando sistematicamente.

Para a economista do Idec Ione Amorim, o que é preciso é uma fiscalização mais rigorosa, regulação das atividades entre operadoras e prestadoras de serviço e maior transparência nos repasses de recursos com responsabilidade fiscal e jurídica:
— Expor o custo médio não corrige distorções que encarecem serviços, servem de porta de entrada para superfaturamento e precarização dos procedimentos e resultam em baixa qualidade de serviços, com custos crescentes para o usuário.

Na avaliação do médico cardiologista Luiz Roberto Londres, dono da Clínica São Vicente e um dos fundadores do Observatório da Saúde — site em que se discutem práticas consideradas antiéticas na área médica e se mostram esforços para reconstruir a saúde pública — a iniciativa da Abramge está longe de atacar a causa da elevação dos  e de priorizar a qualidade:
— A medicina bem feita é barata. Noventa por cento dos diagnósticos se fecham com a conversa, exames são feitos para comprovação. Se fosse adotado um pensamento eminentemente ético e social, os custos cairiam, e os pacientes ficariam mais satisfeitos. A medicina foi deturpada.

Em nota, a ANS esclarece que a metodologia para calcular o índice máximo de reajuste dos planos individuais considera a média ponderada dos percentuais aplicados aos planos coletivos com mais de 30 beneficiários. O objetivo, diz a agência, é dar ao usuário de plano individual as vantagens obtidas nos acordos feitos pelos planos coletivos, que têm maior poder na negociação nos aumentos.





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