Em ano com recorde de dengue e alerta de zika e microcefalia, redução de verbas atingiu União, 17 Estados e DF.
No ano em que o país atingiu recorde de casos de dengue e entrou em alerta devido ao avanço do vírus da zika, os gastos do governo federal e da maioria dos Estados com vigilância epidemiológica (atividade de prevenção e controle de doenças) caíram.
Levantamento da Folha aponta que, além da própria União, houve queda nos investimentos de pelo menos 17 Estados e no Distrito Federal.
Com a recessão derrubando as receitas, os desembolsos federais para combater epidemias diminuíram 9,2% — em valores corrigidos e efetivamente pagos pelo Ministério da Saúde, somaram R$ 4,6 bilhões em 2015, ante R$5,1 bilhões no ano anterior.
A área de vigilância epidemiológica compreende repasses a Estados e municípios, campanhas de prevenção de doenças e combate a potenciais vetores (caso do Aedes aegypti, por exemplo, que transmite dengue e zika) e oferta de insumos e testes de diagnóstico, por exemplo.
Entram nesse grupo ações para controle de doenças como dengue, malária, tuberculose, hepatite e Aids — não há dados separados para cada.
A queda é maior do que a nos gastos gerais em saúde, que foi de 2%, e ocorreu no ano em que o Brasil teve 1,6 milhão de casos notificados de dengue, com 863 mortes.
Foi em 2015 também que o país identificou a presença da zika, hoje apontada como a principal hipótese para o aumento de ocorrências de recém-nascidos com microcefalia —segundo o último balanço, o Brasil tinha 462 casos confirmados.
‘Fumacê’ Nos Estados, houve cortes de até 86% nas verbas destinadas à vigilância epidemiológica entre 2014 e 2015, conforme dados dos relatórios de execução orçamentária.
Esses recursos são voltados à investigação de surtos de epidemias, pesquisas e manutenção de laboratórios.
A verba também pode ser usada em ações de combate direto à doença, como contratação de carros de pulverização de inseticida, conhecido como “fumacê”.
A redução atingiu até Estados nordestinos que são epicentro de zika e dengue.
Pernambuco, que lidera os casos de microcefalia, reduziu de R$ 33,7 milhões para R$ 24,1 milhões os recursos da vigilância. Na Bahia,o corte foi de 29%, de R$ 45,3 milhões para R$ 32 milhões.
Além da queda de verbas, os Estados nordestinos ainda enfrentaram greve de agentes de controle de vetores, corte nas equipes e falta de larvicida contra o aedes.
O Distrito Federal foi o que mais cortou em 2015,enquanto o Piauí foi o que menos investiu: os relatórios apontam que apenas R$10 foram liquidados em vigilância epidemiológica em 2015. No ano anterior, foi ainda pior: zero.
Municípios também sentiram os efeitos da falta de recursos, afirma Nilo Bretas, coordenador do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde).
Entre os impactos estão problemas na contratação de agentes para controle do mosquito Aedes aegypti. “Não temos prova de que a quedados recursos causou esse cenário.
Mas com certeza o subfinanciamento está ligado a isso.” O infectologista Kleber Luz, diretor da Sociedade de Dengue e Arboviroses, é taxativo: a redução na vigilância tem impacto direto na saúde.
“Se tem inflação e o recurso diminui, a consequência pode ser isso que estamos vendo, com três epidemias [de dengue, zika e chikungunya].” A falta de uma rede estruturada de vigilância nos Estados é apontada como uma das principais deficiências no controle de doenças transmissíveis. “Sem isso, vamos ficar apenas apagando incêndios”, afirmou Gúbio Soares, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).