Desafios para investimentos em hospitais
05/01/2016
A Lei nº 13.097, de 2015, trouxe regramento específico relativo à abertura do capital estrangeiro na oferta de serviços à saúde, criando uma nova opção de captação de recursos para um setor que sofre com a escassez e os altos custos do mercado de dívida.

Os primeiros casos de investimento estrangeiro em hospitais no país foram anunciados logo após a sanção da nova lei despertando o interesse de diversos outros hospitais pelo Brasil que buscam novas fontes de recursos e financiamento de seus negócios.

Dentre tais hospitais, incluem­se aqueles sem fins lucrativos e filantrópicos que buscam uma alternativa para viabilizar o investimento em uma estrutura dessa natureza, incluindo a migração de parte ou da totalidade do negócio para um modelo empresarial que permita o retorno do capital investido aos seus investidores.

Os hospitais sem fins lucrativos são constituídos sob a forma de associações ou, em alguns casos, de fundações. Enquanto uma sociedade é constituída pela união de pessoas que se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica e a partilha de resultados, as associações se configuram pela união de pessoas para fins não econômicos.

Em tal modelo, portanto, não há distribuição de lucros aos associados ou retorno de capital em caso de sua dissolução. Como regra geral, quando da dissolução de uma associação, o seu patrimônio é vertido à outra entidade de fins não econômicos, idênticos ou semelhantes àqueles da associação dissolvida.

As associações que atuam na área da assistência à saúde, via de regra, beneficiam­se da imunidade constitucional que abrange os impostos que incidem sobre o patrimônio, renda e serviços. Há ainda aquelas consideradas filantrópicas que possuem a certificação das entidades beneficentes de assistência social na área de saúde (conhecida como Cebas) e gozam também de imunidade às contribuições sociais, reconhecida como isenção, em contrapartida à obrigação de ofertar, na grande maioria dos casos, a prestação de seus serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) no percentual mínimo de 60%.

A migração total ou parcial de um modelo para o outro pode ser um desafio tanto do ponto de vista operacional, quanto em relação aos possíveis efeitos de tal migração, devendo a estrutura ser cuidadosamente avaliada vis a vis o objetivo final das partes e os riscos envolvidos.

Um desafio se refere à escolha da forma societária mais adequada para a migração, tendo em vista que a simples transformação de associações em sociedades empresárias (com fins lucrativos) está atualmente vedada pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei), órgão vinculado à Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República responsável pela articulação e supervisão dos órgãos e entidades envolvidos na integração para o registro e legalização de empresas. Com base no Ofício Circular nº 366/2014/DREI/SRS/SMPE­PR tal órgão ratificou o seu entendimento de que o instituto da transformação não pode se operar entre associação e sociedade empresária e determinou às Juntas

Comerciais, responsáveis pelo arquivamento dos documentos constitutivos das sociedades empresárias, que se abstenham de arquivar atos de transformação dessa natureza. Assim, uma nova sociedade precisará ser constituída com os ativos e passivos do negócio que se pretende migrar para o modelo empresarial, procedimento este mais burocrático e demorado e que requer uma análise individual de tais ativos e das regras aplicáveis à sua transferência.

Ademais, a mudança para um modelo com fins lucrativos implica na perda dos benefícios fiscais mencionados acima. Assim, a partir da criação da nova sociedade as suas atividades estarão sujeitas ao recolhimento dos tributos aplicáveis. A análise dos efeitos da perda dos benefícios tributários também deverá ser feita caso a caso, considerando a situação concreta de cada organização. Tendo em vista que tais efeitos impactam a estrutura societária a ser implementada, devem ser analisados previamente à escolha da estrutura societária mais adequada para a migração.

Apesar dos desafios mencionados acima, é possível aos hospitais sem fins lucrativos e filantrópicos criarem uma estrutura jurídica que permita o recebimento de recursos de investidores nacionais e/ou estrangeiros, seja pela migração total de seus negócios para um modelo lucrativo ou pela migração parcial, em que apenas parte dos negócios é segregada para venda, permitindo o levantamento de recursos a serem utilizados para o crescimento das atividades que permanecerem com a associação no modelo sem fins lucrativos.

Maria Fernanda de Almeida Prado e Silva e Flavia Regina de Souza Oliveira são sócias das práticas de M&A e Terceiro Setor do escritório Mattos Filho Advogados, ambas atuantes no grupo de Life Sciences e Saúde da banca Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico  - 04.01.2016




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