O governo poderia ter adotado uma política mais adequada para incentivar os programas de qualidade em hospitais. A possibilidade de um reajuste maior nos preços dos contratos não é viável na vida prática, e “meio que rotula” qualidade como uma coisa que não se sustenta.
Qualquer pessoa que tenha participado de programa de certificação de qualidade em qualquer tipo de empresa, ou que conheça os conceitos fundamentais da qualidade, sabe que “a vida antes e depois da certificação” é muito diferente, e a chance do retorno do investimento em redução de custos e aumento de receita é de 100%.
E qualquer pessoa que tenha minimamente atuado em gestão comercial na saúde suplementar sabe que o reajuste de preço contratual não se define por decreto: se existe um tabelamento, certamente será destruído por algum artifício de negociação. Se você define em lei que haverá 5% de acréscimo para quem é acreditado, na negociação a base será depreciada de modo que os 5% acabem sendo compensados!
Nunca conheci algum gestor hospitalar que julgue o investimento em acreditação bobagem – mas conheço inúmeros que passam por momentos em que é necessário “vender o almoço para pagar o jantar”, ou seja, não dispõem de caixa para investir no programa porque o foco é “tirar o hospital da UTI” antes de pensar em “colocar ele em pé para andar”.
A iniciativa do governo, através das leis 9.656 e 13.003 não é condenável … Só não é adequada, porque na prática não trará resultado algum!
O ideal seria o governo repensar o programa de incentivo à saúde. Ele costuma definir incentivos para pessoas físicas e empresas que doam recursos para programas. Por exemplo: programas nacionais de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon), de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PCD), etc.
Quando ele faz desta forma erra três vezes.
1.Primeiro, limita a iniciativa de quem quer doar. Se eu não sou sensibilizado pelo programa que ele definiu e gostaria de doar para outro, que o governo pode nem ter sensibilidade que necessita mais, me desinteresso em fazer. Se ele definisse, por exemplo, que o incentivo seria para financiamento de programas de qualidade hospitalar, poderia atingir qualquer tipo de programa assistencial, e deixaria que a própria sociedade definisse onde aplicaria sua doação. O “sonho de consumo” é que a doação pudesse ser feita para entidades públicas ou privadas – tão simples assim: se eu quisesse doar para ajudar o programa de certificação da qualidade da Santa Casa da minha pequena cidade, poderia estar viabilizando um programa de acreditação que poderá não ocorrer nunca, uma vez que ela não tem recursos para investir nisso: precisa “rolar a dívida”.
2.Segundo, mistura no mesmo bolo a doação de uma empresa para a saúde, com a doação da mesma empresa em marketing esportivo, ou artístico, ou cultural, e ela vai preferir “aparecer” do que “colaborar”. O incentivo à saúde deveria ser prioritário, e não ter o mesmo impacto financeiro para a empresa do que financiar um atleta ou um artista, por exemplo. Nada contra incentivar atletas e artistas – a questão é: se eu vou colocar R$ 1,00 em saúde, abater do imposto e ninguém vai ficar sabendo da minha “boa ação”, ou vou colocar R$ 1,00 no esporte, abater do imposto, e meu logo vai aparecer em horário nobre se o atleta que eu escolhi se transformar “no cara”, é evidente que eu vou arriscar apostar no atleta do que “no doente”!
O modelo de incentivo ao esporte, arte, cultura, etc. não pode ser o mesmo na saúde. O retorno que a empresa terá em financiar a saúde é filantrópico – pode ser utilizado como marketing, mas o resultado será muito menor, sob este aspecto. A concorrência da doação para ampliar um pronto socorro, ou para financiar a carreira de um artista é desleal.
3.Terceiro, atua nos limítrofes entre o que é saúde e o que é educação. Se você define uma linha de crédito para pesquisa de algo relacionado à medicina, não está atuando na saúde e sim na educação. A saúde agoniza por falta de recurso para coisas básicas e “não tem tempo” de organizar projetos para captar recursos. Doar para a aquisição de insumos ou equipamentos nunca estará no escopo do incentivo à saúde, e é isso que ela mais necessita. Os projetos de pesquisa e desenvolvimento são fundamentais, mas estão na linha de financiamento porque é possível obter retorno financeiro ao final – é um investimento – enquanto na saúde a lógica não pode ser esta.
Em resumo, a sugestão é que o incentivo para os hospitais aderirem à certificação da qualidade deixe de ser uma contrapartida de reajuste de preços que na prática “não vai rolar”.
A proposta é que o governo defina uma linha de incentivo específico para que qualquer pessoa ou empresa possa doar para projetos de certificação da qualidade hospitalar, e que ele (o governo) efetivamente defina os mecanismos que garantam o controle da aplicação dos recursos exclusivamente para isso.
E que esta linha de incentivo seja mais interessante para a empresa do que seria se destinasse sua doação para outras áreas de maior apelo de marketing.
Este pequeno investimento do governo, aliado ao controle e fiscalização, trará como retorno uma queda global e real nos custos hospitalares, e vai ajudar muitos hospitais, especialmente os públicos, a preservar sua receita.
Tirando o aspecto assistencial de segurança do paciente, humanização, etc., é fundamentalmente para reduzir custos e preservar a receita que a qualidade existe em qualquer empresa !