Como mostrou reportagem da Folha, urologistas e sanitaristas estão em pé de guerra por causa do rastreamento para câncer de próstata. Enquanto os primeiros insistem que todos os homens com mais de 50 anos devem fazer o exame de toque retal e medir o PSA anualmente, médicos da família passaram a contraindicar o "screening" de rotina. Quem tem razão?
A resposta é fácil: ambos. A explicação é que é um pouco mais complicada. A recomendação para rastrear menos está em linha com a recente preocupação de médicos para com o problema do sobrediagnóstico em oncologia. Quem primeiro apontou o fenômeno foi H. Gilbert Welch, que, numa série de livros e artigos, mostrou que, embora os índices de diagnóstico e tratamento exitoso tenham aumentado para vários tipos de câncer, as curvas de mortalidade não caíram no mesmo ritmo. É um indício de que muitas dessas lesões são de baixo risco e não matariam o paciente. Como as terapias têm efeitos colaterais, que, no caso da próstata, são incontinência e impotência, sem mencionar custos e desgaste emocional, sanitaristas passaram a recomendar moderação no rastreamento.
Embora tudo isso faça sentido, os urologistas não estão de modo algum errados ao afirmar que, quando falamos de casos concretos e não de estatísticas, a detecção precoce salva vidas. O problema de fundo é que a patologia não é uma ciência exata e nunca temos 100% de certeza de que este ou aquele tumor em particular apresenta risco zero de tornar-se um câncer mortífero.
Aí, como é natural, muitos pacientes, amparados por seus médicos, preferem não arriscar e optam por um tratamento agressivo. Isso é ruim para a saúde pública e para o sistema, mas não dá para dizer que estejam agindo como loucos. O que de melhor podemos fazer aqui, penso, é deixar que a tolerância ao risco de cada paciente determine tanto o rastreamento como o tratamento.
Fonte: Folha de São Paulo - 02.12.2015