Desigualdade se repete na distribuição de especialistas, mostra pesquisa
Há três vezes mais médicos no setor privado do que no Sistema Único de Saúde (SUS) em relação ao público que é atendido em cada uma dessas redes. A conclusão é da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2015, divulgada nesta segunda-feira e contabiliza que 73,1% dos profissionais no país atuam na rede pública, que cobre 150 milhões de pessoas. Já na rede privada, que conta com 78,4% da força de trabalho, a clientela é bem menor, de 50 milhões de pessoas. As proporções são semelhantes porque 51,5% dos médicos brasileiros trabalham nas duas esferas, 21,6% apenas no SUS, e 26,9% exclusivamente na iniciativa privada.
- Esse dado significa que o paciente do SUS tem três vezes mais dificuldades do que na rede privada. Isso pode melhorar com políticas públicas, com mais investimentos. Nos últimos 13 anos, perdemos R$ 171 bilhões que estavam disponíveis, mas não foram usados. Isso é inaceitável num orçamento que já é pequeno - disse o presidente do Conselho Federal de Medicina Carlos Vital Tavares Côrrea Lima.
Os dados revelam ainda que, do total de 399.692 médicos no país, 33.178 (7,6%) têm mais de um registro, o que pode indicar atuação em dois estados ou mais. O total de registros ativos, considerados na pesquisa para analisar determinadas variáveis, como indicadores regionais, é de 432.870. Para dados de perfil, como sexo, idade e outros, a base é o número de profissionais. O estudo foi feito pela Faculdade de Medicina da USP com apoio do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
A desigualdade na distribuição de médicos pelo país se repete quando se verifica onde estão os especialistas. Embora quase 60% dos profissionais brasileiros tenham alguma especialização, Sul e Sudeste concentram 71,63% deles. O Distrito Federal tem a melhor situação, com 2,72 especialistas para cada médico generalista (sem título de especialista emitido por sociedade médica ou obtido via residência) -- acima da média nacional de 1,41. Na outra ponta, estão os seis estados em que o número de generalistas é maior, entre eles o Rio de Janeiro, acompanhado de Pará, Maranhão, Pernambuco, Tocantins e Rondônia.
Quase 50% dos médicos especialistas no Brasil estão concentrados em seis das 53 áreas reconhecidas. O campeão é a clínica médica, com 35.060 médicos titulados, ou 10,6% de todos os especialistas do país. Em seguida vêm pediatria, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, anestesiologia e cardiologia. Nove áreas têm menos de 1.000 médicos, entre elas a radioterapia, cirurgia de cabeça e pescoço, medicina legal e perícia médica, e cirurgia da mão. Mulheres são maioria em campos como dermatologia e pediatria. Homens se sobressaem na cirurgia geral. Mas, em termos gerais, o percentual de médicos e médicas com especialização é semelhante: 59%.
O estudo aponta que a classe médica cresceu mais que a população nos últimos anos. De 2000 a 2010, o número de profissionais subiu 24,95%, contra aumento populacional de 12,48%. Mesmo assim, o país, que tem 2,11 médicos por mil habitantes, ainda está abaixo do índice de nações que são referência, como Estados Unidos (2,5) e Canadá (2,4). A meta do governo é chegar a 2,7 profissionais a cada mil habitantes em 2026. Além de aumentar o contingente, será preciso também reduzir a concentração geográfica, com estratégias para levar o médico a localidades distantes. Capitais e regiões metropolitanas do país concentram 23,8% da população, mas têm 55,2% dos médicos, com uma relação de 4,84 profissionais por mil habitantes. No interior, essa proporção é de 1,23, já que 76,2% da população são atendidos por 44,7% dos médicos.
- O médico é um profissional que demora pelo menos 12 anos para se formar. Ele não vai trabalhar em qualquer cidadezinha caso não tenha perspectiva de vida para a família dele. Porque, até então, o governo não desenvolveu um projeto para levar os médicos até aquele lugar. Abrir escolas da maneira com que o governo vem fazendo não vai resolver o problema. A maioria desses indivíduos vai continuar trabalhando em grandes cidades, que são as que têm melhores condições de vida - afirmou Bráulio Luna Filho, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
- Mesmo com 400 mil médicos no país, ainda temos áreas que são verdadeiros desertos, ou seja, falta localizada de profissionais em determinadas regiões - complementou o professor Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, coordenador da pesquisa.
Sobre os fatores que levariam o profissional a se fixar em um local de trabalho, as respostas mais mencionadas por uma amostra de médicos entrevistados foram “salário/remuneração” e “condição de trabalho”, com 98% de menções.
Consultórios E Plantões
Já entre os médicos que atuam no setor privado, a pesquisa mostra que o lugar de trabalho principal é o consultório particular (40,1%). A segunda opção é o hospital privado (38,1%). Os outros locais são a clínica ou ambulatório privado (31,1%), universidade privada (5,3%), serviço médico de empresa (4,8%) e laboratórios e serviços de diagnósticos e terapia (1,8%). Há ainda uma parcela de 2,2%, tanto no setor público quanto no privado, que citou outros locais, como cargo em indústria farmacêutica ou auditoria do INSS.
O plantão em hospitais ou unidades de pronto-atendimento é realizado por 44,6% dos médicos. Entre os médicos formados há menos de 10 anos, 45,1% são plantonistas, já entre os que se formaram há 30 anos ou mais, apenas 16,4% fazem plantão. No grupo das pessoas com mais de 60 anos, apenas 9% são plantonistas.
Fonte: O Globo - 01.12.2015