‘Máfia’ usa pacientes da região como cobaias de medicamento fabricado nos Estados Unidos e não é liberado para comércio
Um esquema milionário que usaria pacientes da RMVale e de outras áreas de SP para testar e acelerar a liberação de um remédio produzido por um laboratório dos EUA
18/11/2015

por Felipe Costa

A CGA (Corregedoria Geral da Administração) do Estado e a Polícia Civil desencadearam nesta segunda-feira uma operação para investigar a existência de um esquema milionário criado pela ‘máfia dos remédios’ que usaria pacientes do Vale do Paraíba e de outras regiões paulistas como cobaias humanas para a aprovação de um medicamento nos EUA.
O esquema teria provocado prejuízo de R$ 40 milhões aos cofres públicos.
Denominada Asclépio (o deus greco-romano que curava doentes), a operação cumpriu 15 mandados de busca e apreensão de prontuários médicos originais de 33 pacientes em São José dos Campos, Pindamonhangaba, São Bento do Sapucaí, Lorena, São Paulo, Campinas e Suzano.
Os nomes dos médicos e dos pacientes não foram revelados. “ A suspeita é de que os brasileiros estariam sendo usados como cobaias para que o medicamento seja aprovado nos EUA. É uma verdadeira máfia do medicamento”, explica o corregedor Geral da Administração do Estado, Ivan Agostinho.

Esquema. De acordo com o Estado, com base em um relatório padrão fornecido pelo laboratório dos EUA, médicos fariam o diagnóstico de uma grave e rara doença intitulada hipercolesterolemia familiar homozigótica — patologia em que o paciente apresenta níveis de colesterol elevados desde que nasce, tendo por isso alto risco de ter doença cardiovascular.
Segundo a polícia, os médicos prescreveriam o medicamento Iomitapida (de nome fantasia Juxtapid, fabricado nos EUA pelo Laboratório Aegerion Pharmaceuticals). Depois, orientavam esses pacientes a entrar na Justiça, exigindo o fornecimento do remédio de graça.

Cobaias. O remédio não tem aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a venda no país é uma ‘infração sanitária’.
A suspeita é que, com a proibição do medicamento Brasil, o importador teria se articulado com uma ONG no Paraná, que procurava médicos brasileiros c<CW-8>om a oferta do medicamento. Essa teria sido a origem do esquema. O Estado já pagou R$ 40 milhões para cumprir os mandados judiciais.
O inquérito policial foi instaurado em 2013, após representação da Corregedoria, para investigar laudos padronizados elaborados por 18 médicos. Cada comprimido tem custo de US$ 1.000 (R$ 3.800).
Os pacientes, segundo a investigação, não sabiam que estavam sendo usados em testes. Comprovado o erro no diagnóstico, os médicos investigados pela operação podem responder por lesão corporal e periclitação de vida.

Para a polícia, os pacientes brasileiros que utilizavam o Iomitapida serviam, sem ter conhecimento, como cobaias humanas no processo para acelerar a liberação do medicamento nos EUA.
A FDA (Food and Drug Administration), entidade responsável pela liberação de novos medicamentos e alimentos nos EUA, exige que os novos remédios sejam submetidos e aprovados por quatro testes.
O primeiro deles é o teste químico, em que pequenas amostras dos elementos utilizados na produção do medicamento são administrados para um grupo controlado.
Na segunda etapa, são feitos testes em animais com o medicamento em sua fase final, enquanto na terceira o mesmo teste é feito em humanos que têm a doença.
Na última fase do processo, o medicamento é testado em um mercado diferente do qual foi produzido (neste caso, o Brasil), para saber como pessoas de diferentes costumes e etnias reagem ao remédio.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), que supervisiona a atividade médica, promete instaurar sindicância para acompanhar o caso.
Ontem, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou que não existe no Brasil medicamento registrado com o nome Juxtapid. E, com isso, a venda do produto no país é ‘infração sanitária’.
De acordo com a Anvisa, os responsáveis pela comercialização desse remédio estão sujeitos a notificação, interdição ou multa, que pode variar entre R$ 2.000 e R$ 1,5 milhão.

Doença. Há dois tipos de hipercolesterolemia familiar, a heterozigotica e homozigotica. O primeiro tipo da doença é mais comum, e pode ser tratado com remédios comuns, dieta e exercícios físicos.
A segunda, mais grave e rara, é a que é tratada pelo medicamento Juxtapid — a utilização dele por pacientes do primeiro tipo da doença é vetada na própria bula do remédio.





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