A visão da ANS sobre a qualidade da Saúde Suplementar
16/11/2015

Hoje, falar da necessidade de garantir qualidade na prestação de qualquer serviço tornou-se lugar-comum, tendo em conta a disseminação de instrumentos de aferição, monitoramento e certificação da qualidade existentes. Entretanto, embora o emprego do termo qualidade esteja disseminado em vários campos do setor produtivo, a polissemia do conceito induz a interpretações distintas e à implementação de modelos de avaliação bastante diversificados.

No caso específico da saúde, essas diferenças se expressam na adoção ou de modelos mais normativos de avaliação da assistência médica, voltados à correta execução de conhecimentos técnicos e médicos; ou de modelos denominados por alguns autores como formativos, dirigidos a aspectos mais subjetivos e relacionais do cuidado em saúde.

Simultaneamente, diferentes terminologias relativas ao conceito qualidade têm sido utilizadas como sinônimos e contribuído para que o conceito seja identificado ora como um, ora como outro aspecto da qualidade, como por exemplo, com a eficiência ou com a satisfação do paciente.

A complexidade dos modelos teóricos e dos métodos de avaliação da qualidade em saúde e de programas que mirem a implementação de processos rotineiros de mensuração da qualidade e indução da cultura avaliativa reside, principalmente, no fato desse processo envolver sempre um juízo de valor. A avaliação usualmente se baseia em medidas-resumo que tentem captar se determinada intervenção médica ou cuidado de enfermagem, por exemplo, foram executados conforme recomendações ou padrões de excelência bem estabelecidos internacionalmente.

É preciso ressaltar que o desenvolvimento de programas de avaliação de qualidade no campo da saúde acaba sempre por se deparar com certo antagonismo entre duas visões sobre a quem é reservada a autoridade para avaliar resultados da assistência médica: o profissional de saúde ou o consumidor. Essas visões têm se imbricado e perpassam a maioria dos programas de qualidade em saúde implementados em diferentes países, e deram origem a conceitos aparentemente similares, mas com conotações distintas, como a “satisfação do paciente”, “paciente-centrado” e ainda o mais recente “experiência do paciente”. Isto é importante porque a maioria dos programas de avaliação de qualidade, no Brasil e no mundo, contemplam em seu esquema avaliativo uma dimensão com indicadores que buscam mensurar a percepção e/ou experiência do paciente em relação a tratamentos ou atendimentos a que tenha sido submetido.

Em consideração a indicadores desta natureza, é vital compreender que não pode ser estabelecida uma correspondência direta entre maiores níveis de satisfação e maior qualidade assistencial. Embora essa seja uma medida indissociável da qualidade, isolada de outros indicadores pode induzir a leituras equivocadas e imprecisas do desempenho dos serviços de saúde, face à presença de elementos muito subjetivos que interferem na percepção do paciente, tal como aspectos ligados à hotelaria do hospital, cordialidade do corpo clínico e expectativas do próprio paciente. Fatores como estes, embora relevantes, não impactam diretamente na qualidade e no desfecho clínico das intervenções e dos processos de produção do cuidado. Inclusive, há um importante estudo americano em que os resultados das pesquisas apontaram uma forte associação entre elevados índices de satisfação do paciente e aumento da mortalidade para determinadas condições clínicas (Browne et al. 2010; Fenton et al. 2012).

Definir e mensurar a qualidade de bens intangíveis como a saúde não é uma tarefa simples, quanto mais ao enquadrá-la dentro de grades avaliativas formais, como o são os programas de qualidade. Falar de qualidade em saúde significa, essencialmente, referir-se a diversos elementos do cuidado, que envolvem desde a estrutura dos serviços, os processos e os resultados das intervenções na saúde do paciente.

Os programas da ANS
Tendo por base esse referencial, a maioria dos programas de avaliação de qualidade de países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo o Brasil – e, em destaque o Programa de Qualificação de Operadoras (IDSS) e o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Prestadores (Qualiss), ambos geridos pela ANS – incorporam em seus modelos avaliativos indicadores referentes às principais dimensões da qualidade, tendo-se como as de maior relevância e amplo uso a Segurança do Paciente, a Efetividade do Cuidado, Acesso aos Cuidados de Saúde, Satisfação e Experiência do Paciente. Todas essas dimensões da qualidade da atenção à saúde são preconizadas para a composição de programas de aprimoramento da qualidade por importantes instituições de referência como o Institute of Medicine (IOM/EUA), a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ/EUA), o Health Care Quality Indicators Project (OECD) e o Care Quality Commission (CQC/Inglaterra). Portanto, é oportuno salientar que a qualidade do cuidado em saúde envolve inúmeras dimensões, que apenas conjuntamente podem ser utilizadas para informar sobre o desempenho de serviços ou excelência do cuidado prestado.

Um outro aspecto que merece atenção é a questão da associação entre qualidade em saúde e estratégias de racionalização dos custos. Em décadas passadas, o monitoramento e a implementação de melhorias de qualidade foram ocasionalmente colocados como acessórios de um cenário em que a redução dos gastos em saúde era a figura principal. Mas de modo bastante animador, desde os anos 2000, vemos crescer o número de estudos que demonstram que é sim possível associar medidas de melhoria de qualidade e simultaneamente reduzir o incremento dos custos e, mais, que no médio e longo prazo a assistência à saúde de qualidade tende a ser menos onerosa, ou seja, prestar serviços médicos de baixa qualidade pode sair muito caro.

Além de programas de avaliação direta dos prestadores de serviços, em países como os Estados Unidos existem iniciativas de avaliação e monitoramento de avaliação da qualidade da rede assistencial de operadoras de planos e seguros-saúde, podendo-se destacar o Hedis – Healthcare Effectiveness Data and Information Set, do NCQA – uma ferramenta de avaliação e benchmarking da qualidade do cuidado prestado por seguradoras de planos de saúde, com medidas distribuídas por 5 domínios: Efetividade do Cuidado, Acesso aos Serviços, Experiência do Cuidado, Utilização e Uso Relativo dos Recursos, Informações Descritivas do Planos de Saúde. Nessa direção, desde 2005 a ANS vem desenvolvendo e permanentemente aprimorando um dos seus principais programas de qualidade, o Programa de Qualificação de Operadoras de Planos Privados de Saúde, em sintonia com as premissas e modelos avaliativos em voga em diversos países do mundo, como citado anteriormente.

A política de incentivo à melhoria da qualidade no setor de saúde suplementar da ANS é composta por um conjunto de ações e programas e tem no Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) um de seus principais instrumentos de monitoramento e incentivo à qualidade do setor. O IDSS é calculado a partir de indicadores agrupados em quatro dimensões, com pesos distintos para sua formação: 40% para a dimensão de Atenção à Saúde, 20% para Econômico-financeira, 20% para Estrutura e Operação; e por fim, 20% para Satisfação do Beneficiário.

Deste modo, o desenho proposto para o Programa desenvolvido pela Agência buscou criar uma medida-resumo que tente captar e retratar diferenças entre as operadoras de planos de saúde que possam ser utilizadas pela população como um referencial no momento de escolher um plano de saúde. São essas distinções no IDSS como um todo e, em cada dimensão, expressas no cumprimento de determinadas metas e comparadas à determinados parâmetros, que fornecem os elementos da heterogeneidade existente entre as operadoras de planos privados de saúde no Brasil, conferindo transparência e diminuindo a assimetria de informação na sociedade sobre o setor.

O peso de cada dimensão reflete a relevância do objetivo-fim da prestação do serviço de saúde ao beneficiário que o contratou, ou seja, para que o cuidado em saúde ocorra como esperado, o IDSS procura mensurar permanentemente se as operadoras de saúde consolidaram uma estrutura, tanto administrativa quanto de rede assistencial, que garanta o acesso e a utilização adequada dos serviços, se existem os recursos econômicos e financeiros necessários para que toda a cadeia de produção do cuidado em saúde esteja em pleno funcionamento e se o beneficiário contratante do plano avalia que teve o tratamento adequado e em tempo oportuno, quando se fez necessário.

Destaca-se que o peso conferido à dimensão de atenção saúde mostra a importância capital conferida pela ANS ao acesso e à qualidade do cuidado em saúde oferecidos aos beneficiários do setor. Na fase atual do Programa de Qualificação, o IDSS tem sido alvo de revisões e aprimoramentos para que possa ser harmonizado aos novos tempos da gestão de dados e informação na ANS, principalmente no que tange às informações de saúde vis-à-vis os avanços na recepção de dados referentes à utilização de serviços oriundos do TISS e a possibilidade de seu emprego nos indicadores deste Programa e de outros que a ANS vêm conduzindo ao longo destes 15 anos.

São muitos os desafios na implementação e gestão de programas de garantia de qualidade e a visão de futuro da ANS é aprimorar e ampliar estratégias de potencialização do conhecimento do beneficiário sobre o setor e sobre o uso que ele próprio faz dos recursos de saúde disponíveis no sistema. Acredita-se que a consolidação e o aprimoramento dos dados da saúde suplementar se dará por meio de um círculo virtuoso no qual a informação ao ser disponibilizada é imediatamente alvo de análise e escrutínio por parte dos players do setor, gerando assim um efeito no longo prazo que conduzirá à coleta e disponibilização de dados cada vez mais consistentes e confiáveis.

*Michelle Mello, diretora-adjunta de Desenvolvimento Setorial na Agência Nacional de Saúde Suplementar e Daniele Pinto da Silveira, especialista em regulação de saúde suplementar na Agência Nacional de Saúde Suplementar





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