Governança clínica ou gestão clínica. O título teórico pode ter diferentes palavras. Mas a prática e os objetivos são iguais. No século XXI, melhorar a assistência, padronizando processos, diminuindo desperdícios, otimizando recursos e dando total prioridade ao paciente, é o desafio que enfrentam os gestores de hospitais brasileiros. "Todo esse trabalho é sempre para implantar uma rede de cuidados multidisciplinares centrada no paciente", explica a enfermeira Vânia Rohsig, superintendente assistencial do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. A prática multidisciplinar, à qual se refere Vânia, é basicamente a essência do conceito da governança que propõe a integração de todas as iniciativas voltadas para a melhoria e a excelência da assistência.
Para atingir essa meta, trabalham em conjunto auditores, gestores de risco, responsáveis pelo treinamento e educação de profissionais, além da pesquisa clínica, que atuam num ambiente de transparência em todos os processos. "Os hospitais são ambientes perigosos e muito complexos. Em nosso caso, a boa governança é a missão do hospital. É a visão que pauta a ação dos nossos gestores, no sentido de garantir a segurança e o bemestar dos pacientes. Nosso trabalho é fazer com que todos os colaboradores trabalhem com essa perspectiva", acrescenta Vânia.
A prática e os desafios são bastante semelhantes aos do Hospital Israelita Albert Einstein. "Na verdade, em um hospital, quando falamos da segurança, nos referimos de fato à insegurança que existe neste ambiente. Estar internado é extremamente perigoso", explica o vicepresidente Sidney Klajner. O hospital, que completou 60 anos, já trazia em sua ata de fundação um dos pilares da governança clínica: a segurança. "Desde sempre, tratamos a segurança como uma questão de governança porque a palavra sempre fez parte dos princípios e valores que nortearam a criação do Einstein", diz Klajner, acrescentando: "E é por isso também que o desafio de diminuir as ocorrências é tão grande. Não se pode baixar a guarda".
No Einstein, reuniões mensais, com 300 e até 400 profissionais do hospital debatem as metas de qualidade e assistência. "Isso tem feito com que nosso índice de eventos adversos venha caindo sistematicamente, enquanto o número de notificações aumenta", observa Klajner. Mudar o modelo de gestão, centrado no médico e nos desejos desse profissional, é um dos maiores desafios da governança clínica, na opinião de Helidéia de Oliveira Lima, diretora de qualidade assistencial da Rede D'Or São Luiz. "Os ambientes de saúde trazem danos e nossos profissionais trabalham considerando esses riscos. Por isso o trabalho é sempre multidisciplinar e nosso desafio é engajar o médico nessa outra visão", diz a diretora. Ela cita como exemplo a comunicação. "Protocolos do hospital orientam os profissionais a evitar ordens verbais e a escrever prescrições com clareza", diz.
A Rede, que tem 30 hospitais próprios, tem investido e priorizado a qualidade técnica e a sustentabilidade na gestão. "Trabalhamos com equipes de alta performance, com foco em educação e treinamento e transparência absoluta de todos os processos", diz Helidéia.
O superintendente do HCor, Ary Ribeiro, considera que o conceito de governança não vem sendo usado de maneira apropriada. "Para mim, tudo aquilo que hoje chamamos de governança é gestão. Nós falamos de como executar e gerir processos", assinala ele. A agenda da gestão, afirma Ribeiro, precisa ter um direcionamento muito claro. E, em sua opinião, precisa passar pela redução de desperdício e nas necessidades do paciente.
"Muitas vezes se confunde aquilo que a instituição pensa que é melhor para o paciente com aquilo que ele realmente valoriza e precisa. Não basta apenas fazer o que achamos melhor. Mas necessitamos entender como o paciente percebe o que fazemos", observa.
Entre todos os desafios que a administração atual impõe, no entanto, evitar o desperdício é, segundo Ribeiro, o maior deles. "Quanto custa o que fazemos? Vivemos num sistema em que utilizamos inadequadamente os recursos. Nossos estudos mostram que 30% dos recursos que temos são desperdiçados. Ou usamos mais do que deveríamos ou menos. E esse percentual se refere a tudo, consultas, exames, procedimentos. Enfim, a tudo", afirma.
Fonte: Valor Econômico - 06.11.2015