Nos últimos anos, temos visto no País uma tentativa maniqueísta de partir a sociedade entre "nós" e "eles". O afastamento entre bem e mal, bom e ruim criou uma realidade ilusória em diversos setores. Na Saúde, essa dualidade se materializa na ruptura entre público e privado.
Existe um embate ideológico entre grupos que pensam que a Saúde, para ser boa e adequada, deve ter origem pública e estatal. Outros defendem que a assistência apropriada só pode ser privada e privatizada. Aparentemente, os dois julgamentos sustentam enganos. A sociedade ruma para um ambiente em que projetos e propostas põem unicamente o cidadão no centro das intenções e das atenções. Assim, não importa a natureza da prestação do serviço, desde que haja uma visão clara focada no cliente/paciente, num ambiente de acolhimento, qualidade, equidade, honestidade e segurança.
A palavra-chave para isso é integração entre o público e o privado, capaz de promover o intercâmbio de experiências de gestão, redução de esforços duplicados, racionalização dos recursos disponíveis e alinhamento do nível de qualidade dos serviços.
Não se trata de utopia, mas de um caminho que já mostrou ser viável em algumas experiências bem-sucedidas. Uma delas é o Hospital do Subúrbio, em Salvador (BA), no modelo clássico de Parceria Público-Privada (PPP). Inaugurado há cinco anos, o hospital, hoje com 373 leitos e 1,5 mil funcionários, é público, gerido unicamente por um operador privado e oferece acesso aos pacientes do SUS com boa qualidade, segurança assistencial e, o que é primordial para o cidadão, é gratuito.
Outro caminho é a gestão por meio de Organizações Sociais (OSS), em que é outorgada a uma entidade privada, sem fins lucrativos, a competência de gerir aparelhos públicos de saúde em linha com sua missão de benemerência, necessariamente de interesse da comunidade. É o caso de alguns hospitais estaduais e municipais de São Paulo administrados por OSS ligadas a hospitais de referência, como o Hospital Israelita Albert Einstein, o Sírio-Libanês, o Santa Catarina, entre outros. O Rio de Janeiro, por sua vez, conta com boas experiências nos dois modelos: PPP e OSS.
Assim, o Estado, quando responsável pelo financiamento da assistência a camadas menos privilegiadas da população, tem a incumbência de regular, controlar e checar os resultados dessa atividade, dentro de parâmetros de qualidade, com objetivos, metas e excelência operacional. Mas não deve gerir os serviços. Essa distinção explica outra confusão comum: a operação da saúde pública não precisa ser estatal. O fundamental é que a garantia dos padrões adequados de atendimento norteie o sistema. E que fique claro que o verdadeiro cliente, em qualquer caso, é o paciente, e não outros interessados (médicos, funcionários, visitantes e políticos que, por vezes, querem um protagonismo maior que os pacientes).
No Brasil existe o mito, ou o devaneio, de que a assistência privada é superior à pública. Essa mentalidade vem da constatação de que o agente público prestador do serviço muitas vezes não consegue manter parâmetros assistenciais independentes de orientações ideológicas e corporativistas. Em geral, coloca-se em primeiro lugar na defesa de suas vontades e necessidades, alimentando a deficiente percepção sobre quem é, de fato, o cliente.
A segregação entre saúde pública e privada evidencia só uma verdade: as lacunas de gestão se mostram mais acentuadas, em geral, no primeiro segmento. O setor privado tem demonstrado maior rigor estratégico e flexibilidade operacional não só na área de Saúde, mas em todas que exigem maior atenção em recursos humanos, investimento em infraestrutura e gestão.
Mas, enquanto estivermos neste embate político, a população que depende do serviço público continua na fila do pronto atendimento. Só quando o Estado fizer valer o direito à saúde como um bem fundamental do cidadão é que as barreiras - ideológicas, territoriais ou tecnológicas - se quebrarão. Então, não existirá mais "nós" e "eles".
* Francisco Balestrin é presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)
Fonte: O Estado de S. Paulo – 04.11.2015