Fonte: O Globo Online - 18/10/2015
Representantes concederam entrevista ao jornal O GLOBO
Por por Daiane Costa
1. Como você avalia o sistema de Saúde Suplementar do país?
Idec - Para começar, não se trata de saúde suplementar, porque suplementaridade pressupõe ir além do SUS. E os planos cobrem menos procedimentos que o sistema público. Temos um descompasso entre os direitos previstos por lei e o que é praticado pelos planos. E temos uma regulamentação que não contempla esses direitos.
Abramge - O compromisso é com o aperfeiçoamento contínuo dos processos e procedimentos focados na qualidade do atendimento.
FenaSaúde - O setor é um dos mais importantes na atualidade. Beneficia a sociedade com mais de R$ 100 bilhões ao ano, em pagamentos de internações clínicas e cirúrgicas, terapias de toda ordem, exames, consultas médicas. Mais de 26% da população brasileira são de usuários de planos médicos privados – e mais de 11% são beneficiários de planos exclusivamente odontológicos. Os planos de saúde são responsáveis por aproximadamente 90% do atendimento dos hospitais brasileiros.
2. Porque o setor gasta tanto dinheiro para atender um volume relativamente pequeno da população (cerca de 25%) e ainda assim tem um nível de insatisfação tão alto e tantas empresas com problemas financeiros? Falta dinheiro ou falta gestão?
Idec - Não sei se o problema é gestão ou dinheiro. O que ocorre é um mega descumprimento da lei. E a cada hora as operadoras apresentam uma justificativa diferente. É possível equacionar a gestão e os recursos para ofertar um serviço de excelência.
Abramge - Os números contradizem essa afirmação. De acordo com o último levantamento feito pelo Ibope, em média entre sete e oito beneficiários a cada 10 entrevistados afirmaram estar “satisfeitos ou muito satisfeitos” com o atendimento de seus planos de saúde. Já a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE apontou, em junho de 2015, que 72,1% dos beneficiários avaliaram o seu plano como “bom ou muito bom”. Pesquisa Datafolha feita a pedido do Conselho Federal de Medicina informou, mês passado, que 66% dos entrevistados estavam “satisfeitas ou muito satisfeitas” com o plano.
FenaSaúde - Várias estatísticas comparativas indicam que as despesas per capita do SUS são bastante inferiores à média mundial. Do lado privado, obviamente há operadoras com distintos níveis de atendimento, a maioria delas preparada para manter os investimentos e corresponder às necessidades dos beneficiários dos planos. Considerando que o mercado tem mais de 1.200 empresas ativas, há também empresas, que, segundo a ANS, enfrentam problemas de atendimento ou de gestão. Essas são mais suscetíveis à conjuntura econômica e aos desafios impostos ao setor, sejam eles regulatórios, demográficos ou econômicos.
3. As empresas dizem que gastam muito, os médicos reclamam que recebem pouco e os clientes esperneiam porque pagam caro demais e ninguém fica satisfeito. Quem tem razão?
Idec - Como entidade de defesa do consumidor entendemos que o principal problema é que os consumidores têm seus direitos violados.
Abramge - Todos têm a sua razão. As margens das operadoras de saúde estão muito próximas de zero, os beneficiários, principalmente por causa da crise, têm dificuldade para suportar os custos da saúde privada e os médicos acreditam que merecem mais do que recebem, apesar de receberem reajustes de honorários acima da inflação.
FenaSaúde - É preciso um esforço coletivo – de empresas, clientes, órgão regulador, prestadores de serviço, governo – para reavaliar o modelo de pagamentos pelo ato médico, a prestação de serviços e o uso dos recursos. O consumo nessa área precisa amadurecer, pois há risco de muitas operações não se sustentarem no médio e no longo prazo. O volume de recursos das operadoras e seguradoras é finito e obtido, unicamente, por meio do pagamento das mensalidades por cidadãos e empresas empregadoras. E a capacidade orçamentária de empresas e consumidores é limitada.
4. Há uma fórmula para resolver essa equação?
Idec - Do ponto de vista do consumidor, estas soluções devem ser discutidas em um debate franco envolvendo. Um caminho apontado é o maior fortalecimento do SUS, porque ele acaba funcionando como um piso da qualidade da saúde no país. Se ele tem um padrão bom, nivela o atendimento dos planos por cima. Faz com que sejam melhores.
Abramge - As operadoras têm buscado estruturar e modernizar a gestão de suas empresas, estudado meios de conter a alta dos custos, além de combater o desperdício, incentivar novos modelos de remuneração, a adoção de programas de promoção e prevenção de saúde e estimular o uso racional dos planos de saúde.
FenaSaúde - São necessários ajustes regulatórios que há muito estamos reverberando, na definição de novas políticas de financiamento do sistema, no estímulo à adoção de novos modelos de remuneração dos prestadores e aos investimentos.
5. Saúde Suplementar no Brasil é um negócio lucrativo?
Idec - Acredito que sim, que é lucrativo. Até porque estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) demonstram isso. O mercado é concentrado, os planos são caros, negam bastante procedimentos e são bastante reclamados e judicializados. Isso quer dizer que recebem bastante e não investem o que deveriam. Tem ainda a questão de não ressarcirem o SUS como deveriam, o que consideramos enriquecimento sem causa.
Abramge - Nos anos 1980 e 1990 as operadoras obtiveram melhores resultados, pois o cenário de inflação propiciava investimentos financeiros. Atualmente as empresas têm sido sufocadas pelo engessamento do reajuste dos planos de saúde – sempre abaixo dos índices da inflação médica, somada à obrigatoriedade de fornecimento de novas tecnologias e procedimentos pela ANS a cada dois anos, sem ter uma contrapartida.
FenaSaúde - As despesas crescerem em ritmo superior às receitas. Em números absolutos, a despesa total acumulada (despesas assistenciais mais custos administrativos) nos 12 meses terminados em junho de 2015 foi de R$ 139,3 bilhões. A receita de contraprestações somou R$ 138,7 bilhões. O descompasso de receita e despesas é fruto, entre outros fatores, do desperdício de recursos financeiros, de um sistema que incorpora novos tratamentos e novas tecnologias sem uma análise criteriosa de seus custos e benefícios.
6. Qual sua opinião sobre a a atuação da ANS?
Idec - A ANS tem muitos avanços a serem feitos, para evitar a influência das operadoras nas agências. Mas há um problema na regulamentação, que permite exclusão de coberturas e imposição de reajustes abusivos.
Abramge - A agência reguladora cumpre papel importantíssimo e organizou o mercado que nasceu e cresceu sem regulação. Mesmo entendendo o propósito da ANS, divergimos em alguns pontos da regulação que tem, muitas vezes, exigido um grande esforço de adaptação para cumprir suas normas.
FenaSaúde - A atuação da agência é essencial para o equilíbrio de um sistema complexo como a Saúde Suplementar brasileira. Não cabe à FenaSaúde, entidade que representa 24 empresas, criticar a atuação do órgão. Mas cabe reivindicar que ela olhe para a atividade como um todo – um setor que precisa manter as contas no positivo e fazer investimentos contínuos em qualidade.
7. Como você vê o futuro do segmento?
Idec - Se nada mudar, ele vai continuar prejudicando o SUS, por conta dos subsídios públicos que tem, como perdão de multa e renúncia fiscal, que se realmente fossem arrecadados poderiam ir para o SUS.
Abramge - Com o início da atuação da ANS no ano 2000, mais de 1 mil operadoras fecharam ou foram compradas por outras empresas, processo de consolidação que aparentemente continuará nos próximos anos. As empresas que conseguem, com esforço, se adequar aos impactos da Legislação e da atual crise econômica desenvolverão ainda mais suas operações, pois o cidadão brasileiro reconhece a qualidade dos serviços prestados pelos planos de saúde.
FenaSaúde - O crescimento do setor de saúde privada responde diretamente ao comportamento da economia, especialmente aos indicadores de emprego, produção das empresas e rendimento médio dos trabalhadores. De todo o modo, acreditamos no crescimento do setor de Saúde Suplementar ao longo dos próximos anos, seguindo a recuperação de indicadores macroeconômicos, geração de emprego e renda. A questão regulatória é fundamental nesse cenário futuro. As empresas esperam que o marco regulatório seja menos engessado, oferecendo às organizações condições e oportunidades para que criem mais produtos, atingindo os diferentes públicos que desejam ter acesso à saúde privada.