Um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), durante o surto de febre amarela registrado no estado entre 2018 e 2019, avaliou o impacto da troca do plasma (plasmaférese) em pacientes com a doença na forma grave, alcançando redução de 84% na taxa de mortalidade. A pesquisa analisou 66 casos, que foram divididos em três grupos classificados de acordo com o tratamento dispensado.
Entre janeiro e a primeira quinzena de fevereiro de 2018, os 41 pacientes do primeiro grupo receberam o tratamento padrão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital, sendo registrados 35 óbitos (85%). Na segunda metade de fevereiro, além dos cuidados intensivos, as 11 pessoas do grupo dois passaram por troca diária de plasma de alta volemia; houve 9 mortes (82%). A partir de abril daquele ano, os 14 pacientes do terceiro grupo começaram a receber trocas de plasma mais intensas, duas vezes ao dia, e suporte transfusional, quando necessário; dois morreram (14%).
Embora o fígado seja o órgão mais afetado pelo vírus da febre amarela, que pode causar insuficiência hepática aguda, estudos têm demonstrado cada vez mais o comprometimento de outros órgãos, como coração, pulmões, rins, pâncreas e cérebro. Além da terapia de troca plasmática intensiva associada à transfusão guiada ter se mostrado eficaz para manter os pacientes até a regeneração hepática, pessoas do grupo três apresentaram carga viral indetectável com maior frequência, fator que contribui para a redução de danos e melhor recuperação do paciente.
A troca do plasma, testada no HCFMUSP para pacientes com febre amarela, já é usada para outros tipos de tratamento. O método consiste, basicamente, em filtrar o sangue, retirar o plasma contaminado e devolvê-lo puro ao organismo. “Foi um trabalho de pesquisa assistencial para ver se a Plasmaférese iria ajudar, e nós vimos que muitos que teriam indicação para o transplante de fígado responderam bem e acabaram não precisando”, explica o Prof. Vanderson Rocha, diretor do Serviço de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular do HCFMUSP e um dos 12 autores que assinam o artigo.
Não foram observadas ocorrências graves, como lesão pulmonar aguda, sobrecarga circulatória ou reação imunológica transfusional nos pacientes submetidos ao tratamento. No entanto, Ho Yeh Li, coordenadora da UTI de Infectologia do HCFMUSP e uma das autoras do estudo, ressalta a necessidade de estar alerta especialmente à reposição de cálcio e outros indicadores a fim de evitar eventos adversos.
A médica infectologista complementa, ainda, que os pesquisadores passaram a instruir profissionais de outros estados. “Em 2020, antes da pandemia de covid-19, fomos para Santa Catarina, onde começaram a ter casos de febre amarela, para capacitar um hospital a fazer a técnica e depois continuamos acompanhando o processo à distância. Neste caso, todos os pacientes sobreviveram”, afirmou.
Surto de Febre Amarela em 2018
O Estado de São Paulo passou por um surto de febre amarela no ano de 2018 e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP foi referência na criação inovadora de um protocolo de regulação e atendimento de pacientes, realizando internação em UTI para o tratamento de casos graves da doença, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Além do tratamento com plasmaferese em 66 pacientes, o hospital também realizou cinco transplantes de fígado em pacientes com hepatite fulminante causada por febre amarela, procedimento que, à época, foi inédito no mundo.