Eficiência e os novos modelos assistenciais e de remuneração
11/12/2024

Recentemente, fui convidado a participar de um evento e compor um painel sobre novos modelos assistenciais em saúde. Embora esse seja um assunto corriqueiro para quem está envolvido no setor há mais de 20 anos, é um tema de extrema relevância que precisa ser discutido com a seriedade necessária.

O modelo predominante, conhecido como “fee for service”, em tese, não tem nada de errado. Quando aplicado corretamente, é um sistema justo e eficiente. No entanto, existe o “se”. Se o ser humano fosse linear e sempre correto, várias discussões não existiriam. Quando passamos décadas buscando modelos e discutindo sem encontrar soluções definitivas, talvez seja hora de refletirmos sobre questões mais profundas.

Charlie Munger, lendário parceiro de Warren Buffet no fundo de investimentos Berkshire Hathaway, uma vez disse uma frase icônica sobre incentivos: “Mostre-me o incentivo, e eu lhe mostrarei o resultado”. Essa máxima se aplica a todos os setores e seres humanos. E, no sistema de saúde, será que estamos aplicando os incentivos de maneira adequada para obtermos os melhores resultados? A tese é simples: efeito consequência. No entanto, ao aplicarmos isso ao nosso ecossistema de saúde, surgem grandes dúvidas.

O efeito dos incentivos na formação médica

Do ponto de vista prático e cronológico, durante o período de formação médica, todo estudante enfrenta inúmeras dúvidas sobre qual subárea (residência) seguir. Há 20 anos, as especialidades cirúrgicas e de alta complexidade eram as mais buscadas, devido à melhor remuneração. Essa escolha faz sentido individualmente. No entanto, pensando hoje como gestor de saúde, isso leva a um caminho questionável, no qual quanto mais grave o paciente, mais rentável é para o profissional. Soma-se a isso o fato de que o SUS não remunera bem os procedimentos de baixa e média complexidade, enquanto procedimentos complexos, como transplantes e hemodiálise (na época), eram bem remunerados.

Isso criou uma geração de profissionais que buscam atender pacientes graves e complexos. À primeira vista, parece positivo, mas quando falamos em gestão de saúde populacional, o grande desafio é a promoção e a prevenção à saúde — evitar que a maioria dos pacientes atinja estágios avançados de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas de forma menos agressiva se acompanhadas corretamente. No entanto, essa prevenção não é financeiramente rentável.

Por exemplo, um cardiologista é muito melhor remunerado por um procedimento de cateterismo do que por uma consulta clínica voltada a evitar que o paciente chegue a esse ponto. Da mesma forma, uma dermatoscopia bem realizada pode detectar um melanoma precocemente, reduzindo drasticamente o tempo e os efeitos colaterais do tratamento. Porém, a consulta clínica não é bem remunerada. Quantos cardiologistas clínicos existem hoje? São adequadamente pagos? E dermatologistas que tratam doenças clínicas? Parece que muitos migraram para a área estética devido ao incentivo financeiro que o sistema criou.

Essa inversão de incentivos é um problema estrutural. Um recém-formado, por exemplo, frequentemente começa a carreira em plantões de emergência, pois remuneram relativamente bem. Mas, em que lógica um recém-formado deve atuar em uma das áreas mais críticas da medicina, como a urgência e emergência, que exige conhecimento geral, agilidade e extrema competência?

Incentivos mal posicionados: um problema sistêmico

Nosso sistema de saúde parece ter sido construído com uma lógica individual, em vez de uma lógica sistêmica. Um dos principais problemas globais enfrentados pelos sistemas de saúde é o foco excessivo na hiperespecialização e na pesquisa voltada para doenças graves e raras, predominantes em países ricos. Por exemplo, a malária é uma doença de alta prevalência e mortalidade em países subdesenvolvidos, mas os investimentos em pesquisas para uma vacina efetiva são limitados. Enquanto isso, há investimentos bilionários em exames de imagem cada vez mais complexos e em novas drogas para emagrecimento, que têm sua importância, mas não deveriam ofuscar o básico.

No nicho em que atuo — assistência extra-hospitalar primária e secundária, como home care e hospitais de transição e reabilitação —, essas ferramentas são essenciais para desafogar hospitais terciários, permitindo que esses se concentrem em atendimentos críticos e complexos, enquanto pacientes crônicos e em reabilitação são cuidados em ambientes apropriados. No entanto, nossa formação médica hospitalocêntrica, somada ao desejo de boa remuneração, tende a direcionar os médicos para o cuidado de pacientes em estados críticos.

Essa lógica também afeta a percepção dos pacientes e a forma como as operadoras de saúde suplementar comercializam seus produtos. Um “plano de saúde” é vendido com base na rede hospitalar e laboratorial. O paciente ou empresa que adquire esse produto pode ser induzido a acreditar que não precisa adotar hábitos saudáveis, realizar consultas regulares ou restringir comportamentos prejudiciais, porque se sente “blindado” pela cobertura do “melhor hospital da região”. Esse marketing irresponsável reforça comportamentos não saudáveis.

Desafios e distorções no setor de home care

A consequência disso é um sistema privado de saúde suplementar que luta para sobreviver com margens cada vez mais apertadas. A busca por modelos milagrosos exige profunda reflexão. Não existe solução mágica que altere o cenário construído ao longo dos últimos 25 anos por incentivos equivocados.

Lembro-me de uma reunião com uma operadora de saúde, na qual o gestor comentou que “todos os serviços de home care são iguais e deveriam seguir a mesma tabela”. Será mesmo? O mercado é heterogêneo. Há empresas que buscam acreditações, como a Joint Commission, implementam melhores práticas e montam equipes de cuidados paliativos, enquanto outras não prezam por desfechos rápidos e eficientes. Um exemplo claro é a tendência de postergar a retirada de traqueostomias, porque, ao reduzir a complexidade do paciente, também se reduz o reembolso e a lucratividade. Além de antiético, isso é extremamente cruel com o paciente.

Esse é o ponto central: será que temos os incentivos corretos para que o sistema de saúde realmente busque eficiência? Em tempos de crise e lucros operacionais baixos, é comum nivelar por baixo. Contudo, na saúde, ou você trata corretamente e no menor tempo possível, ou simplesmente prolonga um custo — que, em tese, pode parecer menor mensalmente, mas que, ao longo do tempo, se torna muito maior.

Será que, ao invés de discutirmos novos modelos assistenciais, não seria hora de discutirmos onde posicionamos nossos incentivos? A prova de que os incentivos não estão corretamente alinhados no modelo atual é o aumento exponencial da judicialização, que desorganiza ainda mais o sistema.


*Luiz Tizatto é médico e diretor de estratégia do Grupo Global Care, Pronep Life Care e Rede Relief 





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