Nos últimos anos, o mercado da saúde suplementar no Brasil passou por significativas transformações, impulsionadas por inovações e mudanças nas demandas dos consumidores. Mesmo diante de desafios econômicos globais, como altas taxas de juros e inflação, o setor de saúde tem se destacado em fusões e aquisições, refletindo a resiliência e a importância dessa indústria na economia nacional. Historicamente, cerca de 55% dos gastos com saúde no Brasil são concentrados no setor privado, o que sinaliza um potencial crescimento futuro, principalmente nesse segmento.
O cenário de fusões e aquisições no setor de saúde manteve-se ativo em 2023, apesar da desaceleração observada globalmente. Após um recorde em 2021, quando o setor representou 20% dos acordos globais, a movimentação diminuiu, mas segmentos como novos modelos assistenciais e inovações em tecnologia da informação em saúde continuam a gerar interesse. No Brasil, o valor das transações no setor de saúde alcançou cifras bilionárias em 2023, evidenciando um movimento estratégico de aquisição, como a compra da Amil, que representou uma transação de R$ 11 bilhões, conforme publicação da revista Veja, em 22 de dezembro de 2023.
Outro acordo operacional que chamou a atenção foi a união da Golden Cross e a Amil, em 01 de julho de 2024, que resultou na paralisação dos pagamentos aos prestadores de serviços por parte da Golden Cross na ordem de R$ 200 milhões, de acordo com estimativas do mercado. Apesar do imenso desiquilíbrio, ambas as empresas se defendem afirmando que não há transferência de carteira, nem obrigações financeiras, apenas acordo de garantia de atendimento dos seus usuários na rede de serviços da parceira Amil, a fim de atender à Resolução Normativa 517 da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Em junho deste ano foi a vez da Dasa assinar joint-venture com Amil para criar a segunda maior rede de hospitais do país chamada Ímpar que terá controle dividido em partes iguais por ambas as companhias. Se a fusão for aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a rede hospitalar das duas empresas terá 25 unidades, a maioria na Região Sudeste, 4.400 leitos e uma receita líquida de cerca de US$ 10 bilhões anuais (Fonte: Forbes Money).
Outra gigante neste cenário é a Rede D’Or com 73 hospitais e 11.700 leitos. Em fevereiro de 2022, o grupo comprou a SulAmérica, reforçando o processo de consolidação do setor de saúde no Brasil. A operação, avaliada pela seguradora em cerca de R$ 13 bilhões e é a maior aquisição da Rede D’Or desde que ingressou na B3. Observamos ainda a fusão de dois gigantes da saúde suplementar: Grupo NotreDame Intermédica e Hapvida, resultando em uma das maiores empresas verticalizadas do mundo e a maior rede própria de atendimento em saúde do país.
Toda essa movimentação decorre de diversos fatores, dentre eles, a altíssima sinistralidade, responsável pela drástica redução nas margens de lucro das empresas que operam no segmento. A parceria, por meio de fusões e aquisições, foi o caminho natural encontrado para crescer em escala e diminuir o custo assistencial. Neste cenário desafiador para as operadoras de planos de saúde, encontramos também situações impactantes e alarmantes, como o desligamento unilateral de clientes. Entretanto, é necessário debater sobre o modelo de livre escolha. As operadoras de planos de saúde que optarem por comercializar este tipo de produto, necessitam ter autonomia para precificar de forma diferenciada, com base em cálculos atuariais. Difícil conceber o produto de livre escolha dentro do atual quadro de precificação praticado pelo mercado. Considero que este produto deva existir na prateleira, disponível para o consumidor com valor específico, caso haja demanda. Entretanto, a aplicação da regra de livre escolha aos atuais produtos de prateleira comercializados pelas operadoras irá impactar e levar a saúde suplementar brasileira ao verdadeiro colapso.
A crescente participação de novos modelos assistenciais representa uma mudança crucial no perfil do segmento. As cooperativas médicas, que sempre foram um pilar no sistema de saúde suplementar, precisam se adaptar a esse novo cenário. Para permanecerem relevantes e atraentes, essas organizações devem considerar algumas estratégias fundamentais. Em minha opinião, a mais relevante delas diz respeito ao engajamento médico. Como médico cooperado e gestor com experiência acumulada há mais de 20 anos, visualizo nas cooperativas médicas um mercado garantido e preservado para o exercício da medicina de maneira digna e correta. A cooperativa não é uma operadora de planos de saúde nos moldes tradicionais, pois detém isonomia perante esses grandes grupos que visam ao lucro dos seus sócios e acionistas, em detrimento dos seus médicos credenciados. O sucesso do modelo cooperativista está, literalmente, nas mãos do próprio médico cooperado.
Vimos, cada vez mais, as organizações cooperativistas se reinventando, incorporando novas tecnologias, inovando em processos gerenciais e assistenciais com a finalidade de atender às expectativas de um cliente cada vez mais exigente, bem como manter a sua fatia neste desafiar setor. Temos o maior sistema cooperativista médico do mundo, com 339 cooperativas com gestão administrativa, financeira e assistencial independentes; 116 mil médicos cooperados; 19,7 milhões de clientes; mais de 29 mil hospitais, clínicas e serviços credenciados; 163 hospitais próprios; além de prontos atendimentos, laboratórios e centros de diagnósticos que garantem a qualidade da assistência prestada aos beneficiários.
Em suma, a transformação do mercado de saúde suplementar no Brasil apresenta desafios significativos e oportunidades valiosas. Trabalho, seriedade, criatividade, responsabilidade, aprimoramento permanente, capacidade de se reinventar e se adaptar à constante evolução são pilares de sustentação para qualquer organização que se proponha mais que sobreviver, alçar novos patamares. E somente no formato cooperativo o médico terá o seu verdadeiro protagonismo no exercício da sua atividade.
*Joé Gonçalves Sestello é diretor-presidente da Unimed Nova Iguaçu.