A Defensoria Pública da União (DPU) enviou ofícios às comissões de saúde, de direitos humanos, de pessoas com deficiência e dos direitos das pessoas idosas da Câmara e às comissões de saúde e de assuntos sociais do Senado. O objetivo é embasar eventual pedido de auditoria, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os documentos foram acompanhados de um relatório detalhado sobre a situação dos cancelamentos unilaterais dos planos de saúde pelas operadoras e as deficiências da política fiscalizatória da agência reguladora.
A defensora nacional de Direitos Humanos, Carolina Castelliano, ressalta que as repetidas violações dos direitos dos beneficiários e as providências ineficazes por parte das operadoras indicam possíveis falhas da ANS em seu dever regulador. Ela destaca que os cancelamentos realizados podem configurar práticas ilegais e discriminatórias que atingem grupos vulneráveis da população, como idosos e pessoas com deficiência. Além disso, expõe que as comissões do Congresso Nacional desempenham papel essencial na fiscalização e acompanhamento das políticas públicas, podendo solicitar ao Tribunal de Contas da União auditorias em agências reguladoras.
“Há necessidade de que auditoria a ser realizada aborde, entre as pautas a serem definidas pelo Tribunal de Contas da União, questões relacionadas a tratamento de dados; premissas que justificam o suposto equilíbrio de forças nos contratos coletivos; revisão das normativas internas da Anvisa; implementação de um sistema de notificação obrigatória e imediata de rescisões unilaterais; criação de um mecanismo de acompanhamento pós-rescisão; bem como o estabelecimento de um canal de comunicação direto entre a ANS e o Poder Judiciário para o compartilhamento de informações sobre casos relacionados ao Tema 1082”, diz um trecho do ofício enviado pela DPU.
Relatório e Atuação da DPU
No documento enviado às comissões, a defensora e membros de grupos de trabalho da DPU pontuaram as atuações realizadas no âmbito da instituição, como participações em diversas reuniões e audiências públicas ao longo de 2024. Além disso, destacaram a recomendação da DPU à ANS em prol de medidas para garantir a manutenção, por mais 60 dias, dos contratos rescindidos, a fim de apurar indícios de irregularidades nas rescisões e as condições de portabilidade para novos planos. No mesmo documento, a DPU também recomendou a continuidade na cobertura de tratamentos em curso para pessoas idosas, com deficiência, com doenças raras, gestantes e pessoas com transtornos considerados graves e que demandam tratamento contínuo, independente de estarem internados.
As 20 operadoras de planos de saúde notificadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para prestarem informações sobre os procedimentos adotados para rescindir contratos de planos de saúde coletivos também foram procuradas pela DPU. Apenas sete operadoras responderam à instituição. Três delas – Assim Saúde, Bradesco Saúde e Unimed – informaram que foram rescindidos apenas contratos com pessoas jurídicas, ou seja, contratos coletivos, o que seria possível pela legislação vigente. A Unimed chegou a acrescentar que esses contratos coletivos não envolvem o público vulnerável, como idosos, pessoas com transtornos globais e pessoas com deficiência em geral.
Castelliano analisa que o problema é estrutural e destaca que o modo de operação dos planos tem violado o direito fundamental à saúde de grupos sociais vulneráveis, pois as operadoras investem em ampla propaganda para atrair adesões a planos de saúde coletivos e, após um alto índice de adesão, realizam rescisões em massa.
O documento produzido pela DPU alerta ainda para o fenômeno conhecido como falsa coletivização. Ao aderir a um plano de saúde coletivo, o impedimento de se fazer a rescisão unilateral do contrato, proteção comum nos contratos individuais, deixa de ser aplicável. “A falsa coletivização consiste na oferta de planos de saúde na modalidade coletiva, mas com características econômicas de contratos individuais, na busca de escapar das obrigações regulatórias e legislações que protegem o consumidor, como o Código de Defesa do Consumidor”, explica Castelliano.
O relatório também aponta que as operadoras de planos de saúde não fornecem informações de interesse público, dificultando a coleta de informações para atuação judicial sobre o tema. A ANS alega que não possui uma base de dados sobre as informações manejadas no âmbito das operadoras, demonstrando não ter controle sobre as motivações das rescisões em massa, o que evidencia a ineficiência da agência em cumprir seu papel regulatório.
“A falta de uma atuação firme da ANS diante dos abusos os quais são de conhecimento público, e que ocorrem com amparo em normas regulatórias desalinhadas com a evolução social (desconsideração da atual predominância de doenças psíquicas, distúrbios de desenvolvimento, neoplasias diversas e o envelhecimento populacional), demonstra a urgente necessidade de submeter essa Agência a uma auditoria para revisar e fiscalizar sua política regulatória”, afirma em outro trecho do documento.