A mielofibrose é uma doença hematológica rara e debilitante. Caracteriza-se pelo desenvolvimento de fibrose (cicatrizes) na medula óssea, o que prejudica a capacidade de produzir células sanguíneas saudáveis, levando a uma série de complicações. Esta condição pertence ao grupo de doenças chamadas neoplasias mieloproliferativas crônicas e pode ocorrer de forma primária ou secundária, como progressão de outras doenças hematológicas.
Para as pessoas que vivem com mielofibrose, os sintomas debilitantes anemia, esplenomegalia (aumento do baço), fadiga extrema e a progressão potencial para leucemia mieloide aguda tornam o tratamento e o acompanhamento médico constantes absolutamente fundamentais.
No entanto, em muitas regiões, o atendimento integral e acessível ainda é uma expectativa com inúmeras barreiras para tornar-se uma realidade. O Panorama da Mielofibrose no Brasil, análise feita pelo Observatório de Oncologia a partir de dados abertos do Ministério da Saúde entre 2018 e 2022, identificou que houve 1.556 óbitos no país, a maioria de homens (54,8%) brancos (64,8%), com idade de 70 a 79 anos.
O levantamento também mostrou que, neste mesmo período, foram registrados 9.346 pacientes e 204.431 procedimentos, sendo a quimioterapia de 1ª linha para doença mieloproliferativa rara o mais frequente. A maioria dos pacientes (56,3%) não reside no mesmo município onde realizou o tratamento. Além disso, 33,4% dos pacientes enfrentaram uma espera superior a 60 dias para iniciar a terapêutica após o diagnóstico.
O estado com maior número de pacientes e procedimentos foi São Paulo, com 3.195 pacientes e 72.415 procedimentos, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 920 pacientes e 23.452 procedimentos, e Minas Gerais, com 827 pacientes e 19.763 procedimentos.
O custo médio por procedimento para o período foi de R$339,87 e o valor total foi de mais de 69 milhões. O ano com maiores gastos foi 2022, com o direcionamento de R$15.328.636,50 para procedimentos em quimioterapia para a doença.
O papel das políticas públicas
O Sistema Único de Saúde (SUS) desempenha um papel crucial no cuidado das pessoas com doenças raras no Brasil, e a mielofibrose é uma delas. Recentemente, houve importantes avanços com a inclusão de tratamentos específicos para neoplasias hematológicas, mas o cenário ainda é desafiador para o manejo da mielofibrose, especialmente quando se trata de terapêuticas mais avançadas, como os inibidores de JAK2.
Medicamentos como o ruxolitinibe, que tem mostrado resultados significativos no controle da doença, ainda não são amplamente acessíveis a todos que necessitam.
Além disso, muitos pacientes podem se beneficiar do transplante de células-tronco hematopoéticas, que é considerado a única cura para a mielofibrose em certos casos. No entanto, este procedimento é de alto risco e requer uma infraestrutura hospitalar específica, além de cuidados pós-transplante intensivos. A ampliação de centros de tratamento especializados é uma medida essencial para que mais pacientes tenham acesso a essa alternativa terapêutica para a cura.
Nós, da Abrale – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, apoiamos estes pacientes e suas famílias, oferecendo informações, suporte gratuito e até mesmo facilitando o acesso a tratamentos, por meio das ações de advocacy. Nosso objetivo é educar, empoderar e dar voz aos que enfrentam doenças raras que muitas vezes são negligenciadas ou esquecidas pelo sistema de saúde.
Entretanto, a garantia do cuidado integral e contínuo requer uma combinação de políticas públicas específicas, efetivas e a promoção do acesso equitativo aos tratamentos adequados e inovadores, além, claro, do apoio social. O sistema de saúde, por meio do Estado, precisa ser e estar preparado. Somente com este trabalho colaborativo e com transparência conseguiremos mudar o cenário atual.
*Catherine Moura é Médica Sanitarista e CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale).