Um estudo inovador conduzido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e publicado na prestigiada revista The Lancet Global Health revelou que 54% dos casos de demência na América Latina são atribuíveis a fatores de risco modificáveis, um índice acima da média mundial de 40%. A pesquisa, liderada por Claudia Kimie Suemoto, professora da disciplina de Geriatria da FMUSP, destaca a urgência de intervenções preventivas na região.
Fatores de risco modificáveis são condições que podem ser alteradas no estilo de vida ou com acesso a tratamentos médicos. Ou seja, podem ser prevenidas. A partir de dados da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Honduras, México e Peru, o estudo analisou medições de 12 fatores: baixa educação, perda auditiva, hipertensão, obesidade, tabagismo, depressão, isolamento social, inatividade física, diabetes, consumo excessivo de álcool, poluição do ar e lesão cerebral traumática.
Coletadas entre 2015 e 2021, as amostras variaram de 5.995 a 107.907 participantes, com idades a partir dos 18 anos. “Essa é a primeira vez que uma região inteira tem um estudo tão robusto. Não existe nada parecido na Europa nem na Ásia, que também são conjunções de países, como é a América Latina”, explicou Claudia Suemoto.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente 55 milhões de pessoas têm demência ao redor do mundo e mais de 60% dos casos se concentram em países em desenvolvimento.
Na América Latina, a pesquisa revelou que os principais fatores de risco são a obesidade, a inatividade física e a depressão. Esses achados têm implicações significativas para estratégias de saúde pública e prevenção de demência direcionadas individualmente.
“Esses são fatores relacionados ao estilo de vida e a ideia da análise é isolar cada um para identificar o potencial de prevenção de demência. Por exemplo, quando a atividade física é realizada de forma regular, melhora a saúde vascular, que promoverá uma melhor nutrição e oxigenação cerebral. A obesidade pode estar relacionada às demências através da promoção de neuroinflamação.”, detalhou.
Variação dos fatores de risco
Na Bolívia, a prevalência de baixa escolaridade atingiu 63,5%, enquanto no Brasil foi 46,7% e em Honduras 41,8%. A hipertensão foi menos comum na Bolívia (3%) e mais prevalente no Brasil (46,4%). O consumo excessivo de álcool foi menor no Brasil (4,3%) e maior na Argentina (32,8%). O Brasil também apresentou o índice mais baixo no fator isolamento social (1,6%) e a Bolívia o mais alto (64,2%). Honduras teve a maior taxa de tabagismo (86,9%) e Peru a menor (58,3%). Já a poluição do ar foi menos prevalente no Peru (47,6%) e mais comum no Chile (86,2%). Obesidade, depressão e inatividade física foram mais consistentes, exceto no Peru e México, onde a depressão (4,4%) e a inatividade física (17,7%) foram mais baixas.
“As demências possuem um potencial alto de prevenção. Se a gente pensar em termos de porcentagem e de saúde pública, temos exemplos positivos de políticas públicas relacionadas à diminuição da prevalência dos fatores de risco. Na Argentina, a ‘baixa educação’ não é prevalente, por políticas públicas que diminuíram esse índice no passado. Outro ponto importante está relacionado ao tabagismo. Praticamente em nenhum país da América Latina apresenta relação atribuível muito alta porque existem políticas há muito tempo inibindo o uso de cigarro, proibindo consumo em ambientes fechados ou com a taxação sobre o produto”, disse a pesquisadora.
Retrato do Brasil
Líder de estudos anteriores focados nos fatores de risco modificáveis do Brasil e Argentina, Claudia Suemoto conta que os resultados brasileiros já foram abraçados pelo Ministério da Saúde. O artigo, publicado em 2022, faz parte do 1º Relatório Nacional de Demências (ReNaDe).
“A partir disso, o Ministério está desenvolvendo uma série de campanhas para informar sobre as demências no Brasil, incluindo uma campanha de prevenção. É muito importante que a população entenda que a prevenção de demência começa cedo e quais são os principais fatores de risco. E, também, o que pode ser feito hoje para prevenir a longo prazo”, celebrou a professora da FMUSP.
No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas têm demência, com grande parte dos casos ainda não diagnosticados, e a maioria depende do cuidado oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
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