Imagine precisar saber quantos angiógrafos um determinado hospital possui ou ainda qual a idade, o estado de cada um deles e a última manutenção recebida. Agora amplie essa pesquisa para hospitais do Brasil inteiro. Com o GETS – apelido para Sistema de Gerenciamento de Tecnologia para a Saúde –, um programa de computador desenvolvido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a tarefa que poderia consumir dias de levantamento é resolvida em poucos minutos e com alguns cliques.
Licenciado pela Unicamp para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), o software tem sido protagonista na gestão de núcleos de Engenharia Clínica de unidades de saúde ligadas à maior rede de hospitais universitários do Brasil, proporcionando acompanhamento em tempo real de milhares de equipamentos odontológicos, médicos e hospitalares, e orientando a tomada de decisões a partir de dados.
A licença mais recente para implantação do GETS na rede EBSERH foi firmada pela Unicamp com o Hospital Universitário da Universidade Federal de Macapá (UNIFAP), por meio da Agência de Inovação Inova Unicamp, que é a responsável pela proteção e transferência de tecnologias desenvolvidas na Universidade.
“Hoje, nós temos o sistema GETS em todas as filiais da EBSERH e pretendemos firmar nova licença para o Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que recentemente passou a ser administrado pela EBSERH”, disse Victor Hugo Batista Tsukahara, chefe de Serviço de Engenharia Clínica da empresa pública.
O GETS gerencia atualmente mais de 90 mil equipamentos em 59 unidades de 44 hospitais universitários espalhados pelo Brasil filiados à EBSERH, além da sede da empresa pública. Um parque tecnológico avaliado em 25 bilhões de reais. Contabilizando todas as unidades de saúde atendidas pelo sistema GETS no país, são mais de 140 mil equipamentos cadastrados em 176 unidades públicas de saúde distribuídas por 23 estados e o Distrito Federal.
Como funciona o sistema desenvolvido pela Unicamp
O GETS funciona como uma ferramenta de gestão para núcleos de Engenharia Clínica de unidades de saúde, proporcionando acompanhamento em tempo real dos equipamentos usados em diferentes unidades, como maternidades, pequenos hospitais e grandes centros de referência, centros de saúde, unidades especializadas e pronto socorros. O sistema mantém um inventário padronizado e um histórico detalhado, que oferece indicadores clássicos e inovadores para a gestão de fluxos de manutenção e ciclo de vida dos equipamentos.
A partir das informações inseridas no GETS e analisadas por engenheiros clínicos, foi possível identificar, por exemplo, uma falha recorrente em um lote de respiradores usados no Hospital de Clínicas da Unicamp, apresentando evidências que embasaram o recall com a atualização dos aparelhos junto ao fabricante, evitando interrupções no atendimento à população.
“É praticamente impossível oferecer atendimento à saúde de modo rápido, eficaz e a custo razoável sem o uso de inúmeros equipamentos e tecnologias. Com o GETS é possível coordenar os processos de aquisição de equipamentos, de peças, ordens de serviços, contratos e outros fluxos de Engenharia Clínica de forma estratégica e eficiente, orientada por dados”, afirma José Wilson Magalhães Bassani, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e pesquisador do Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp, que é um dos autores do sistema GETS.
Histórico e desenvolvimento
O programa de computador foi idealizado pelo professor Bassani no início dos anos 2000. A proposta era criar um sistema que padronizasse a nomenclatura e centralizasse as informações dos equipamentos, fornecendo uma visão integrada e confiável do parque tecnológico de saúde de um hospital.
A partir de 2010, com a criação de uma equipe multidisciplinar que conta com a participação da engenheira clínica Ana Cristina Bottura Eboli e do analista de sistemas Eder Trevisoli da Silva, o GETS começou a funcionar. O software, desenvolvido com fomento público para inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Ministério da Saúde, foi registrado pela Universidade, com estratégia da Inova Unicamp, e desde 2020 vem sendo implantado nos hospitais da rede EBSERH.
Além disso, o GETS tem evoluído constantemente. A partir da licença de uso do programa de computador, a Unicamp desenvolveu, em parceria com a EBSERH, novos módulos, como o de calibração do equipamento, e continua a ajustar o sistema para melhor atender à rotina dos hospitais. “O armazenamento de grandes volumes de dados é um desafio crescente”, comenta Tsukahara.
Implantação e parceria entre Unicamp e EBSERH
A parceria entre a Unicamp e a EBSERH, foi um marco na implatação do GETS em larga escala. A empresa pública, criada em 2011 como um braço do Ministério da Educação para gerir os hospitais universitários federais, encontrou no GETS uma solução viável, técnica e econômica, para unificar a gestão de equipamentos em sua rede. “Antes do GETS, cada hospital filiado à EBSERH tinha sua própria solução de gerenciamento, mas agora, conseguimos enxergar e gerenciar todo o parque tecnológico de forma integrada”, afirma Tsukahara.
O chefe de Serviço de Engenharia Clínica da empresa pública, que acompanhou o processo de análise de diferentes sistemas disponíveis no mercado, destaca que o GETS se sobressaiu por sua robustez e pela capacidade de atender às exigências técnicas e operacionais dos hospitais da rede. Além disso, o fato de ser um sistema sem custos adicionais, já financiado com investimentos públicos, pesou na decisão. “O GETS possuía a maioria dos critérios e dos requisitos técnicos exigidos pelo nosso grupo de trabalho”, afirma.
Benefícios e resultados
O GETS trouxe uma série de benefícios para os hospitais universitários. Entre eles, destaca-se a capacidade de gerar inventários padronizados dos equipamentos, o que permite uma visão clara e detalhada das máquinas disponíveis e suas condições de funcionamento. “A rapidez no conserto significa mais pacientes sendo atendidos. Para um hospital público, isso representa menos filas no SUS”, comenta Ana Cristina Bottura Eboli.
O sistema também facilita a identificação de equipamentos que apresentam alto índice de falhas e custos excessivos de manutenção. Com isso, as equipes de Engenharia Clínica podem priorizar a substituição dessas máquinas, evitando interrupções no atendimento e otimizando o uso dos recursos públicos.
Desafios e futuro
Apesar dos avanços, o GETS ainda enfrenta desafios. A expansão do sistema para um número maior de hospitais esbarra em questões estruturais e depende da manutenção do investimento público e da contratação de novos profissionais. “Para manter toda a estrutura do sistema e crescer mais rápido, precisamos de mais gente na equipe”, afirma Bottura. Outro desafio crescente é o armazenamento de grandes volumes de dados.
Tsukahara menciona que a rede EBSERH ainda busca uniformizar os procedimentos de engenharia clínica em todos os hospitais, garantindo que, independentemente do tamanho ou localização da unidade, o padrão de qualidade na gestão de equipamentos seja mantido. “O GETS tem sido fundamental nesse processo, uniformizando a base de informações das engenharias clínicas da Rede EBSERH, fornecendo dados e análises que orientam desde a necessidade de atualizações de fluxos e processos relacionados à gestão do parque de equipamentos médico-hospitalares até o apoio no planejamento de substituição de equipamentos de alta complexidade”.
Impacto no SUS e na ciência
O impacto do GETS vai além da gestão hospitalar. Com o tempo, o fluxo contínuo de dados permitirá ao sistema gerar previsões mais precisas e apoiar a ciência com análises mais robustas. O programa de computador tem sido licenciado de forma gratuita para os hospitais públicos. “O que nós ganhamos com isso é um grande banco de informações”, explica Bassani, destacando que o sistema já contribuiu para uma série de publicações científicas, teses e dissertações, como a do próprio Tsukahara.
Além disso, o GETS tem o potencial de influenciar diretamente a qualidade do atendimento nos hospitais licenciados do Sistema Único de Saúde (SUS). “Estamos respondendo a perguntas que não podem ficar sem resposta nos níveis municipal, estadual ou federal”, complementa Bassani. A eficiência na manutenção dos equipamentos significa menos tempo de máquina parada e, consequentemente, menos interrupções nos atendimentos. Isso é primordial em um sistema de saúde que já enfrenta desafios significativos de capacidade e recursos.
Prêmio inventores 2024
Inventores premiados: José Wilson Magalhães Bassani (FEEC e CEB), Ana Cristina Bottura Eboli (CEB) e Eder Trevisoli da Silva (CEB) foram premiados na categoria Propriedade Intelectual Licenciada no Prêmio Inventores 2024.
Programação de homenagens
Esta reportagem integra a série de reportagens especiais em celebração ao Prêmio Inventores 2024, que abordam algumas das tecnologias licenciadas, absorvidas pelo mercado e empresas spin-offs acadêmicas da Universidade Estadual de Campinas. Você pode acessar esses conteúdos pelo site da Inova ou em formato de ebook na Revista Prêmio Inventores 2024 com lançamento previsto para este mês. A programação do Prêmio Inventores também incluiu o webinar sobre os 20 anos da Lei de Incentivo à Inovação e casos de sucesso de tecnologias da Unicamp absorvidas no mercado, que aconteceu no dia 10 de setembro. A gravação do webinar está disponível neste link.
Confira todos os premiados e homenageados no site Prêmio Inventores da Unicamp aqui.
Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2024 são: ClarkeModet e FM2S