Ninguém duvida, hoje, no Brasil, de que os planos de saúde e o sistema como um todo necessitam urgente de um checape completo. O assunto é complexo e não dá para alinhavar diagnósticos superficiais que resultem na rápida melhora do sistema. De todo modo, o que se apresenta, logo na linha de frente, é uma batalha declarada envolvendo todos os sujeitos desse conjunto. Médicos, pacientes e planos de saúde não se entendem.
Os médicos se dizem explorados pelos planos. Os pacientes, idem e, por isso, recorrem à Justiça sempre que os planos se negam a cobrir determinados exames. Os planos reclamam que os médicos pedem exames demais para justificar a superficialidade nos atendimentos. Na ponta dos confrontos, quem acaba ganhando são os laboratórios, que nunca lucraram tanto como agora e os fabricantes de remédios, que vendem como água.
Com um sistema desestruturado, não é surpresa para ninguém que, mesmo operando com grande soma de recursos, as operadoras de planos, volta e meia, pedem concordata e se declaram falidas, como ocorreu há pouco com aUnimed de São Paulo, deixando mais de 740 mil clientes sem cobertura. Pairam sobre o cenário caótico, a Anvisa e, principalmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aparelhadas, como de resto todas as agências reguladoras. Elas são sempre as últimas a reconhecer o caos e a adotar, em tempo, medidas saneadoras.
As operadoras de saúde são responsáveis, hoje, pelo atendimento de mais de 50 milhões de brasileiros. Trata-se de um número considerável de clientes/pacientes, capaz de fazer brilhar os olhos de qualquer grande empresa do setor, mesmo as multinacionais. Em contrapartida, o sistema público de saúde absorve cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto, menos do que 6% do PIB gastos por europeus e canadenses com o setor.
Criado em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), apesar do brilhantismo revolucionário da sua formulação e das suas potencialidades, ainda não surtiu plenamente os efeitos esperados. 0 problema ainda é o baixo nível de investimentos. De acordo com especialistas do setor, é necessário ainda um acréscimo de mais de 60% para deslanchar melhora efetiva na saúde pública. Ocorre que o problema não é só de recursos. A má gestão da gigantesca estrutura contribui com parte significativa para o emperramento da estrutura, incluídos aí os desvios e a corrupção generalizada.
Somados os investimentos públicos e privados, o país gasta em torno de 8,4% do PIB em saúde, valor abaixo da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (0CDE), que aplicam 9%, e muito abaixo dos 16% que investem os Estados Unidos. Para muitos especialistas, o nível de investimentos no setor saúde no Brasil tem uma defasagem superior a 30 anos em comparação com países mais desenvolvidos.
Quando essa comparação é feita com base no PIB per capita, a defasagem pula para mais de meio século. Pior fica se forem levados em conta indicadores de saúde, como mortalidade infantil, expectativa de vida e outros. Nosso sistema tem hoje um nível de desenvolvimento igual ou inferior ao do países desenvolvidos na década de 1960. De toda forma, o consenso é de que não é possível ser um país de primeiro mundo sem qualidade em saúde pública.
Somos a oitava economia do mundo, mas o 78º em mortalidade infantil. Na Inglaterra, respeitadas todas as demais características, talvez esteja aquele modelo de saúde mais passível de ser tomado como exemplo, caso se busque copiar um sistema considerado realista, bem estruturado e com longa data de funcionamento. O National Health Service (NHS), como é conhecido o sistema de saúde pública britânico, guarda características semelhantes às do SUS. Integra mais de 1,3 milhão de pessoas, atendendo a cerca de 1 milhão de usuários a cada 36 horas. É, por isso, considerado o maior sistema de saúde pública do planeta e quase unanimidade entre os britânicos. A universalidade do atendimento, a turistas, refugiados (legalizados ou não ), estudantes e outros, é reconhecida e saudada pela excelência dos serviços que presta.
Na Inglaterra, é comum que o cidadão, mesmo o de elevada renda, com um bom plano de saúde, recorra aos NHS para ser atendido apenas por um detalhe fundamental: a confiança e o nível de excelência e profissionalismo dos médicos. Num diagnóstico ligeiro, mas nem por isso certeiro, fica patente que faltam coragem cívica às lideranças brasileiras para pôr fim à indústria de saúde e sucateamento dos hospitais públicos. A solução, a curto prazo, passa pela convergência de todo sistema à universalidade de atendimento ou seja, nenhum brasileiro pode ficar sem o devido atendimento, em qualquer hospital, por qualquer motivo, conforme prevê o art. 6º da Constituição. No guiadedireitos.org, no item referente à saúde, estão relacionados todos os direitos assegurados pela Constituição e que deveriam estar, e não estão, afixados nos hospitais e centros de saúde pública.